Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
O crescimento do número e alcance das fintechs tem sido amplamente celebrado. Isto porque essas startups oferecem serviços financeiros e não financeiros inovadores e disruptivos, brindam os clientes com maior conveniência por meio do uso intensivo de tecnologias digitais e têm modelos de negócios ágeis, versáteis e flexíveis. Os resultados positivos já estão aí, com aumento da competição, diversificação de serviços e inclusão financeira. Não por acaso, autoridades de vários países têm estimulado a agenda de fintechs, inclusive com instrumentos e regimes normativos especiais, como o sandbox e o open banking.
O crescimento das fintechs tem levado muitos observadores a concluírem que haveria um “novo normal” no ecossistema do mercado financeiro e que aquelas startups seriam uma ameaça à dominância dos bancos. De fato, diferentemente das fintechs, os bancos são altamente regulados e têm custos elevados, têm modelos de negócios tradicionais e estão distanciados das novas necessidades e demandas dos clientes. A pandemia veio a acentuar a percepção da necessidade de acelerar transformações no setor financeiro.
Mas será mesmo que bancos e fintechs estariam num jogo de soma zero? Talvez não, e há motivos para se acreditar que haveria interesses comuns entre eles.
Muitas fintechs enfrentam dificuldades para seguir crescendo e ganhando escala e ainda estão por demonstrar que são capazes de gerar lucros de forma sustentada. Com efeito, enfrentam desafios para levantar capitais de risco, atrair investidores e acessar funding a custos atrativos. Outra inquietude é que muitas fintechs ainda precisam “desmamar” dos regimes normativos especiais e não está claro o que passará em seguida, notadamente naquilo que se refere a serviços financeiros que requerem vigilância e normativas mais estritas.
Não há como ignorar que, cedo ou tarde, as fintechs também estarão sujeitas à práticas e normas de compliance, governança corporativa, auditoria, contabilidade, proteção dos consumidores e investidores e outros temas pertinentes à governança do mercado financeiro, o que elevará custos e reduzirá a sua flexibilidade e agilidade. Além disso, as fintechs em geral ainda precisam ganhar mais confiança dos consumidores e maior experiência em temas como gestão de riscos e supervisão bancária. Muitos acreditam que os bancos seriam os parceiros ideais para as fintechs enfrentarem aqueles e outros desafios.
Os bancos, por sua vez, necessitam adotar modelos de negócios mais inovadores, uma cultura de transformação para além da digital e ampliar o rol de produtos e serviços e as fintechs estariam bem posicionadas para ajudar-lhes nessa missão. É razoável considerar que haveria, portanto, uma agenda de colaboração e mútuo interesse.
De fato, já se observam muitos esforços naquela direção. Alguns bancos estão tentando se reinventar se inspirando em fintechs; outros estão criando bancos digitais ou fintechs; outros estão investindo em fintechs já existentes; outros estão adquirindo fintechs; e outros estão explorando e experimentando modelos diversos de integração com fintechs. O que efetivamente já se vê é uma convergência de interesses em torno de uma agenda de coexistência e de busca de sinergias e complementariedades que otimizem e potencializem as capacidades e oportunidades de cada um.
Mas, afinal, qual daqueles modelos prevalecerá? Ainda é cedo para responder, mas é razoável presumir que, no final das contas, se sairão melhor os bancos e as fintechs que lograrem parcerias que mais ampliem mercados e aumentem os lucros de ambos.
Bancos e fintechs enfrentam uma ameaça comum, que é a presença cada vez mais agressiva das bigtechs em mercados de serviços financeiros tecnológicos. Distintamente dos bancos e das fintechs, as bigtechs têm uma inigualável base de dados e de conhecimento dos mercados e consumidores, seus serviços financeiros já nascem globais, têm condições únicas para desenvolverem e oferecerem serviços financeiros altamente personalizados e para identificarem grandes espaços, mas, também, nichos de mercados desassistidos. Além disso, as bigtechs estão menos sujeitas à vigilância e supervisão por parte dos reguladores nacionais.
Com o provável aumento da regulação tanto nos Estados Unidos como na União Europeia, promessas de grandes IPOs, crescente ativismo nos mercados de criptomoedas e maior ativismo das bigtechs em torno de produtos e serviços financeiros, o próximo ano se prenuncia como de importantes mudanças no setor de produtos financeiros tecnológicos.
Nesse contexto tão dinâmico, aos reguladores e supervisores caberá, sobretudo, zelar pela integridade do sistema financeiro e dos mercados, reduzir espaços de arbitragem, fomentar a competição, proteger os direitos e os dados dos consumidores, seguir buscando formas de encorajar e acolher inovações financeiras e fomentar a diversificação e a inclusão financeira. Também será útil que os supervisores tenham maior conhecimento das novas tecnologias e modelos de negócios das fintechs e bigtechs e coordenem mais e melhor com outras autoridades com mandatos naquela agenda. Por fim, também serão bem-vindas medidas que contribuam para popularizar as fintechs, como convocá-las para ajudar a canalizar serviços públicos, tais como benefícios sociais e microcrédito, por exemplo.
As fintechs já têm feito muito na nossa região, mas é preciso ainda mais. Para nós da América Latina, a celebração em torno das fintechs será ainda maior quanto mais elas contribuírem para aumentar a competição e as alternativas de produtos e serviços financeiros e não financeiros, em especial aqueles mais adequados às características e necessidades das nossas economias, empresas e cidadãos.