Guillermo Cruz
Especialista en políticas de tecnología y economía digital
A automação e a inteligência artificial (IA) trouxeram novos desafios para os governos, incluindo o desenvolvimento de uma mão-de-obra com os perfis e habilidades certos para se adaptar à transformação que os empregos de hoje terão.
Nos Estados Unidos, entre 20% e 45% do tempo de funcionários públicos é dedicado a tarefas que podem ser automatizadas, e entre 45% e 60% correspondem a tarefas que podem ser complementadas pela tecnologia. Da mesma forma, na América Latina, 30% da mão-de-obra da administração pública trabalha em ocupações com alto risco de substituição tecnológica.
Para enfrentar esse desafio, os governos devem priorizar esforços para desenvolver soft e hard skills nos trabalhadores públicos. Chinn et al. (2020), por exemplo, estima que nos próximos três anos os governos da União Europeia serão desafiados a treinar quase 9 milhões de trabalhadores em habilidades digitais, habilidades de cidadania digital e soft skills tradicionais.
Em resposta ao possível impacto que a adoção da IA pode ter sobre o emprego público na América Latina, a Diretoria de Inovação Digital do Estado da Vice-Presidência de Conhecimento do CAF - banco de desenvolvimento da América Latina - encomendou um estudo de revisão desse potencial impacto para apoiar os países da região na compreensão, análise e estimativa, a fim de fornecer ferramentas para uma melhor preparação. Este caso será publicado em breve.
Descobertas
A revisão constatou que, com exceção de certos países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, a maioria dos governos mundiais ainda está se concentrando em definir políticas e objetivos gerais nesta área e não implementou estratégias eficazes e com escala suficiente que transformam significativamente a natureza do emprego público diante dos desafios do novo ambiente.
No entanto, diferentes organizações privadas em todo o mundo implementaram estratégias de preparação da mão-de-obra que podem servir de referência para os governos. Essas estratégias incluem:
- a implementação de abordagens abrangentes para a transformação organizacional baseadas em dados e IA, que contemplam o desenvolvimento de habilidades na mão-de-obra,
- o desenvolvimento de diagnósticos de habilidades e programas permanentes e personalizados de treinamento, apoiados em plataformas digitais, dados e IA,
- a criação de funções e equipes interfuncionais que planejam e gerenciam o equilíbrio entre o trabalho humano e o trabalho por conta própria,
- a implementação de estratégias em termos de bem-estar no trabalho, capacitação dos funcionários e desenvolvimento da cultura organizacional -ágil e aberta-, e
- a implementação de indicadores-chave de desempenho (KPIs) para gerenciar a preparação da mão-de-obra.
Os casos do Chile, Colômbia e Uruguai
A partir do estudo, desenvolveu-se uma metodologia prática para determinar o grau de preparação dos países latino-americanos para a adoção da IA no que diz respeito ao emprego público. Consiste em três dimensões principais:
- Ambiente de Política,
- Estrutura e Organização,
- Talento, Habilidades e Cultura.
Um conjunto de fatores e indicadores associados também está incluso para analisar o progresso e aspectos críticos enfrentados pelos países nessa área.
O estudo analisou casos de três países: Chile, Colômbia e Uruguai. Verificou-se que o número de empregos públicos em risco de substituição tecnológica para os próximos anos é de 165 mil no Chile, 274 mil na Colômbia e 88 mil no Uruguai. No entanto, estima-se que o impacto final sobre o emprego público será possivelmente menor devido à possibilidade de realocação de trabalhadores para ocupações não substituídas pela IA, bem como a possível criação de novos empregos públicos que a adoção da IA nos governos trará.
Por outro lado, o estudo constatou que os três países analisados têm um nível intermediário de preparo para a adoção da IA no emprego público. Constatou-se que esses países apresentam avanços significativos no desenvolvimento de ambientes de política favoráveis à adoção da IA, e que os maiores desafios para avançar nessa preparação são: (i) a estimativa do impacto esperado da IA no emprego público, (ii) a revisão das estruturas e papéis do Estado, (iii) o diagnóstico e desenvolvimento de competências para IA/4RI nos servidores públicos, e (iv) as estratégias de mudança cultural organizacional no Estado.
Recomendações para a América Latina
Os governos dos países da América Latina e Caribe devem avançar na implementação de políticas públicas e iniciativas estratégicas a fim de preparar o emprego público para a adoção da IA. Especificamente, recomenda-se que os países:
- Adotem ou consolidem estratégias nacionais de IA, estratégias éticas de IA e políticas de transformação digital governamental, incorporando diretrizes para a elaboração do emprego público com objetivos e metas específicos.
- Definam modelos de governança e papéis de liderança no governo para gerenciar a preparação do emprego público para IA e 4RI.
- Desenvolvam as estimativas oficiais sobre o impacto esperado da adoção da IA no emprego público, em termos de tarefas a serem substituídas ou aumentadas, as necessidades de realocação dos trabalhadores e o potencial de criação de novos empregos.
- Elaborem os diagnósticos sobre as competências dos servidores públicos para AI/4RI -hard e soft-.
- Implementem estratégias de desenvolvimento de habilidades para IA/4RI -hard e soft- no serviço público, com componentes de personalização de acordo com perfis. Essas estratégias são classificadas em: (i) a requalificação (reskilling) de funcionários cujas tarefas podem ser substituídas, (ii) a atualização de habilidades (upskilling) em todos os colaboradores por meio de conteúdo personalizado, e (iii) o recrutamento de novos trabalhadores - especialistas em IA e funcionários em geral - com as soft e hard skills exigidas.
- Definam e implementem diretrizes e estratégias de mudanças culturais e desenvolvimento do mindset para IA e 4RI no setor público, em aspectos como adaptação à mudança, pensamento interdisciplinar, aprendizagem contínua e trabalho em equipe.
Esse estudo foi desenvolvido no âmbito de uma iniciativa regional da Diretoria de Inovação Digital do Estado da Vice-Presidência de Conhecimento do CAF, banco de desenvolvimento da América Latina, que promove o uso estratégico de dados e inteligência artificial pelo setor público dos países latino-americanos, para gerar valor social e econômico.
No próximo dia 15 de setembro será realizado o Fórum ExperiencIA, dados e inteligência artificial no setor público, onde esse e outros casos serão discutidos em profundidade, relatados pelos responsáveis por outras experiências.