Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
Um dos grandes desafios dos governos é o de desenhar e implementar políticas públicas que satisfaçam as expectativas da população. Para isto, governos identificam problemas, desenham políticas para atacá-los e implementam as políticas, mas nem sempre recebem reconhecimento do público que, não raro, vê as ações dos governos com ceticismo.
Explicações para as frustrações de ambos os lados não faltam. Dentre elas estão temas como escassez de recursos humanos do governo, baixa capacidade técnica, diagnósticos débeis, políticas mal desenhadas para atacar falhas de mercado, falhas de implementação, falhas de fiscalização, falta de recursos financeiros, dentre outros tantos possíveis fatores. Mas há temas de outras índoles que também podem ajudar a explicar os desapontamentos. Dentre eles estão a desigualdade de renda e outras formas de desigualdade.
Fixemo-nos na desigualdade de renda. Em países muito desiguais, as necessidades e prioridades de distintos grupos de renda podem ser muito variadas até mesmo com relação a um mesmo assunto, de tal forma que as pessoas podem perceber de maneira bastante diversa os efeitos de uma determinada intervenção pública.
Exemplos não faltam. Pense em temas gerais de políticas públicas, como educação, saúde, tributação, transporte público, uso e ocupação do solo e meio ambiente. Não seria surpresa constatar que extratos mais baixos de renda priorizassem aspectos como disponibilidade geográfica de escolas públicas, disponibilidade de merenda escolar, disponibilidade de cursos de capacitação profissional, disponibilidade geográfica e horários de funcionamento de postos de saúde, impostos sobre a cesta básica e sobre o gás de cozinha, disponibilidade e cobertura de transporte público e regularização de ocupações.
De outro lado, não seria surpresa constatar que extratos mais elevados de renda priorizassem aspectos como regulação e monitoramento de escolas privadas, regulação e monitoramento de hospitais e clínicas privadas, impostos sobre herança e sobre ganhos de capital, rodovias pedagiadas e parques e reservas ambientais.
A hipotética distinção de aspectos prioritários parece adequada para caracterizar países da América Latina e Caribe, região conhecida como uma das mais desiguais do mundo e também conhecida pela baixa efetividade das políticas públicas. De fato, de acordo com o World Inequality Database, em média, os 10% mais ricos capturam 54% da renda nacional e três dos países mais desiguais estão na região. Os países da região também estão mal posicionados em indicadores de efetividade do governo, como os do Worldwide Governance Indicators. Muito embora a relação entre as duas variáveis seja repleta de possíveis explicações, o fato é que, estatisticamente, as duas variáveis estão alinhadas.
Para contrastar, pense, agora, em países com bons indicadores de desigualdade de renda e com classes médias relativamente grandes e compactas, como os países escandinavos. Ali, não seria exagero esperar que as prioridades de políticas públicas fossem convergentes. Isto porque a maior parte da população usa saúde e educação públicas, paga os mesmos impostos, usa transporte público, e por aí vai. Talvez, não por acaso, os indicadores de efetividade dos governos daqueles países estejam entre os melhores do mundo.
Dito isto, será mais desafiador fazer política pública num país mais desigual do que num país menos desigual. Afinal, será mais difícil ao governo identificar e até ordenar e priorizar demandas muito fragmentadas. Ou seja, será mais difícil chegar a consensos. Um contexto como este fomenta comportamentos oportunísticos e míopes por parte dos grupos em busca dos seus interesses privados e um comportamento ainda mais oportunístico por parte de políticos oportunistas. Uma consequência é a fragmentação da própria política pública, a perda de eficiência e eficácia das intervenções e a descrença da população.
O que fazer? A pandemia nos brindou com um experimento natural que jogou luzes sobre o tema. Por força das circunstâncias, ficou claro que políticas públicas de interesse e alcance geral eram necessárias e seriam mais eficazes para atender aos interesses de todos do que ações isoladas em favor de grupos. Isto porque era do interesse de cada um que todos os demais estivessem protegidos do vírus, fossem devidamente tratados pelo sistema de saúde e fossem vacinados. Como consequência, políticas públicas de cunho coletivo ganharam protagonismo como há muito não se via em tempos de paz. Houve, também, políticas focalizadas, como planos emergenciais de renda para grupos vulneráveis e apoio a micro e pequenas empresas, mas aquelas políticas foram amplamente consensuadas.
Que lições tirar da pandemia? Uma delas é que políticas públicas de interesse geral funcionam, mesmo em países muito desiguais. Outra lição é que não podemos esperar que a desigualdade diminua para só então avançar com políticas de interesse geral. Uma saída é manejar, em paralelo com políticas específicas de combate à desigualdade em suas várias dimensões, políticas que mirem aspectos e interesses aparentemente difusos, mas que fomentam convergências. Essa estratégia é especialmente útil para contextos de forte restrição orçamentária.
A modo de exemplo, o governo poderia desenhar políticas de desenvolvimento urbano que ofereçam soluções integradas de serviços e infraestruturas públicas para bairros residenciais contíguos de rendas médias distintas, de tal forma a envolver aquelas comunidades em torno de temas de interesse comum. Outros exemplos são o apoio a tecnologias, modelos de negócios e instrumentos financeiros inovadores que priorizem o interesse social, ao tempo que sejam boas oportunidades de novos negócios. Afinal, o caminho mais curto para a estabilidade social é pela via da incorporação das pessoas aos mercados.
Por fim, é importante melhorar sempre a comunicação, a transparência e a governança das políticas públicas, receita certeira para ajudar a reduzir a descrença e engajar as pessoas em torno de agendas que apontem para um futuro comum.