Oswaldo López
Economista principal de CAF en Brasil
Este blog é escrito por Oswaldo López e Vittorio Boscheti.
A atual recuperação económica global trouxe consigo um novo boom dos preços do petróleo, que, medido pelo referencial Brent, já subiram mais de 45% em 2021. Para as economias exportadoras de petróleo, esses aumentos de preços sempre geraram dilemas políticos importantes para os seus governantes, fomentando debates entre a utilização desses fluxos extraordinários para satisfazer necessidades imediatas da população ou, pelo contrário, poupá-los para que permaneçam à disposição das gerações futuras. Também se discute entre injetar esses recursos na economia, via investimento público, ou enviá-los para um mecanismo anticíclico que reduz a volatilidade dos exercícios orçamentários.
No Brasil, estas discussões alcançam os níveis subnacionais de governo, tendo em conta que estas entidades recebem cerca de 60% dos impostos cobrados sobre o setor petrolífero. O Espírito Santo faz parte desse grupo, sendo o terceiro maior estado produtor de petróleo do país, com uma produção de cerca de 250.000 barris por dia. Essa situação petroleira tem um grande impacto nas finanças públicas, com o Espírito Santo recebendo uma média anual de 504 milhões de dólares em royalties e participações especiais do petróleo (cerca de 40% do total das suas transferências correntes) ao longo da última década.
Embora a falta de recursos seja um limitante para o desenvolvimento de muitas entidades subnacionais, a entrada abrupta e maciça de receitas, tal qual os ingressos fiscais do petróleo, pode paradoxalmente ocasionar uma gestão pública ineficiente, dado os problemas que gera no planejamento orçamentário, ou gerar incentivos à falta de accountability e à corrupção. As evidências encontradas para governos municipais no Peru, Colômbia, Argentina e no próprio Brasil sugerem que a disponibilidade de um maior volume de recursos, nestes casos a partir de commodities, gera um maior gasto público, mas não está claro se esse aumento nos gastos oferece melhorias nos indicadores de gestão governamental, aumento na qualidade dos bens públicos ou uma maior transparência na prestação de contas.
Especificamente, as receitas petroleiras do governo do Espírito Santo têm demonstrado flutuação (já que são vinculadas aos preços internacionais do petróleo) e diminuição (devido ao declínio da produção) nos últimos anos. Para lidar com esse “vai-e-vem” de receitas, o governo estadual optou por seguir a velha recomendação da parábola bíblica de José de estocar bens durante os anos de bonança para uso em tempos de escassez. Assim surgiu o Fundo Soberano do Estado do Espírito Santo (Funses), uma iniciativa criada pelo executivo estadual em junho de 2019 e regulamentada em novembro de 2020.
Pelo menos 40% dos royalties e 15% das participações especiais do petróleo recebidas pelo Espírito Santo são transferidos ao Funses, representando sua principal fonte de receitas. Essas alíquotas podem ser reduzidas pela metade se o Estado entrar em uma situação de risco de liquidez, como, por exemplo, uma queda real no saldo de caixa em relação ao ano anterior.
O fundo foi concebido com o duplo objetivo de: 1) atuar como instrumento de poupança intergeracional e 2) promover o desenvolvimento económico sustentável do estado. Entre 2019 e 2022, o peso do componente de poupança será relevante no Funses, representando 40% do total dos recursos recebidos. Mas, ao longo dos anos, a partir de 2027, espera-se que esta porcentagem diminua para 20%.
Para executar este duplo propósito, o Funses conta com o BANESTES, banco misto do Espírito Santo, responsável pela gestão do fundo de poupança geracional, com a premissa de fazer investimentos conservadores, mantendo um retorno acima da taxa SELIC. Por outro lado, o BANDES (Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo) será o agente financeiro responsável pela promoção do desenvolvimento económico sustentável, através de um esquema inovador de investimentos em capital de empresas privadas como Private Equity e Venture Capital, além de outras modalidades de investimentos estruturados, regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários. Para a atividade de fomento empresarial, as empresas precisam ter domicílio fiscal no estado.
Embora o governo do Espírito Santo possa resgatar os recursos acumulados no Funses, principalmente para mitigar riscos fiscais, só seria permitido fazê-lo quando o saldo do fundo exceder R$ 1 bilhão (US$ 178 milhões) e por um valor equivalente ao retorno gerado no ano anterior. No final de 2021, o Funses já possuía uma capitalização de R$ 628 milhões (USD 112 milhões), e com uma projeção de atingir R$ 2 bilhões (USD 357 milhões) em 2022.
Embora as discussões sobre a utilização de receitas fiscais do petróleo sejam de longa data no Brasil, o interesse de governos subnacionais em abordar esta questão é relativamente recente. Além do Funses, outros fundos municipais de poupança já estão em funcionamento, como o Fundo de Equalização de Receitas do município de Niterói-RJ (2019), o Fundo Soberano de Maricá-RJ (2017) e um projeto avançado do Fundo Soberano da Prefeitura de Ilhabela, em São Paulo. No total, os recursos geridos por estes fundos ascendem a cerca de R$ 1,3 bilhões (USD 236 milhões).
Desta forma, as entidades locais e regionais brasileiras estão desempenhando um papel de liderança em uma discussão de economia política geralmente reservada a governos nacionais. Em termos globais, existem poucas experiências de fundos soberanos subnacionais (9 nos EUA, 3 no Canadá e 1 na Austrália), destacando-se o Fundo Permanente do Alasca pela magnitude dos recursos sob gestão (70 bilhões de dólares). Na maioria dos casos, predomina o modelo de endowment, em que os retornos gerados pelo fundo são utilizados para financiar gastos públicos prioritários, semelhante ao modelo utilizado pelo Funses.
No caso do Funses, o desafio é maior, não só por formar um fundo soberano de poupança intergeracional, mas também devido à criação da agência de investimentos em capital de risco, que já possui R$ 250 milhões (US$ 44,0 milhões) para adquirir, minoritariamente, ações de empresas "capixabas" inovadoras. Embora este esquema de investimento seja amplamente utilizado por fundos soberanos nos países asiáticos e do Oriente Médio, seria um modelo sem precedentes para os fundos existentes na América Latina e no Caribe.
No entanto, uma diferença da agência de investimentos do Funses em relação à corrente internacional é o seu viés para investir em empresas localizadas no próprio estado do Espírito Santo, o que envolve desafios significativos. A legítima intenção de fomentar a economia local pode ser prejudicada por decisões ruins de investimento. Nesse aspecto, são necessárias garantias para limitar a má gestão de recursos e a corrupção, como a implementação de regras, aprovadas pelo legislador local, que evitem conflitos de interesse em investimentos de capital.
Em geral, a experiência internacional indica que os fundos soberanos de sucesso são aqueles estabelecidos em ambientes institucionais sólidos e com um conjunto ordenado de políticas fiscais. Um quadro adequado de regras fiscais poderia contribuir para o objetivo do fundo de "congelar" uma parte das receitas voláteis do petróleo até que elas sejam utilizadas de forma mais eficiente. As regras fiscais também poderiam evitar distorções, como orçamentos paralelos descoordenados (entre estado e fundo soberano) ou o enfraquecimento da responsabilidade pública.
A constituição de fundos soberanos por governos subnacionais no Brasil representa um passo importante na mudança de paradigma para uma política fiscal com uma visão de longo prazo. A utilização das receitas do petróleo em um esquema de poupança intergeracional e em uma agência de investimento produtivo do Funses são um exemplo disso. Portanto, vale a pena acompanhar o progresso desse fundo nos próximos anos e considerar o CAF-Banco de Desenvolvimento da América Latina não só como aliado institucional do estado do Espírito Santo, através dos vínculos gerados na operação de crédito para o hospital "Complexo Sanitário Norte", mas também como caixa de ressonância dessa experiência para outros entes subnacionais de toda a região latino-americana.
Os autores agradecem os comentários e contribuições recebidos de Alexandre Viana Gebara, Subgerente de Gestão do Fundo Soberano do Espírito Santo