Stefanny Cárdenas
Fala-se da existência de uma bolha especulativa no ecossistema Fintech, que está quebrando as regras do jogo bancário. Para um bom número de analistas, trata-se, portanto, de um risco que deve ser levado em conta do ponto de vista dos setores de investimento privado e bancário tradicional.
O papel e a crescente relevância das Fintech, que, muitas vezes, chegam a ocupar territórios tradicionalmente reservados a entidades bancárias, tem gerado grande expectativa no mercado de ações e investimentos, por ter esse componente tecnológico acompanhado de um viés mais justo e inclusivo do financiamento.
Como costuma acontecer com tudo que é novo no mercado, há especulações tanto sobre seu crescimento quanto sobre seu declínio, motivo pelo qual as próprias Fintechs, para se proteger, criaram, em vários países da região, associações nos níveis local e regional, para participarem ativamente do desenho de políticas públicas e de regulação. Ao mesmo tempo, o ecossistema de serviços financeiros digitais é potencializado por meio de estratégias de posicionamento, conhecimento e capital que visam a três objetivos principais: investimento, talento e inclusão financeira digital. Essas associações lidam com a especulação de mercado por meio de ferramentas para atrair maior quantidade e qualidade de investimentos para o setor e mitigar o efeito bolha por meio da aderência à regulamentação.
Ainda assim, a efervescência do setor, porém, diminuiu em 2022, dizem os especialistas; tendo em vista que a pandemia acelerou os processos de transformação digital nas empresas que precisavam fazer parte dos produtos financeiros oferecidos pelas Fintechs, mas, nos próximos anos, a tendência será de estabilização e consolidação desses novos usuários do ecossistema, o que não significa a existência de uma bolha, mas o fim da especulação.
A empresa holandesa de capital de risco Finch Capital, que apoiou financeiramente algumas startups Fintech, observa que fatores como a guerra cada vez mais tensa pelos melhores talentos tecnológicos, aumento das taxas de juros, o arrefecimento de IPOs e SPACs e o aumento de regulamentações do escrutínio regulatório do setor colocará obstáculos ao crescimento das Fintechs em parte da Europa e a consequência disso será sentida nas Fintechs da América Latina, que têm sua origem e sua principal fonte de financiamento no Velho Continente.
Agora, as demissões em startups aumentaram 350% no último ano (2022), enquanto o financiamento caiu 30%. Uma tendência que atinge particularmente o setor das Fintechs, mas reflete a atual relutância em investir nelas, alimentada pelas consequências da pandemia, inflação e guerra na Ucrânia.
Porém, é importante esclarecer que esse “furo da bolha” depende muito da vertical que está sendo considerada; a última publicação da Finnovista Fintech Radar México (2023) aponta que o investimento em Fintechs na América Latina, durante o primeiro semestre de 2022, representou 38% do valor investido na região, o que mantém a tendência dos últimos anos como o setor mais importante de investimento de capital de risco. As startups da região atraíram USD 2,862 bilhões no primeiro semestre de 2022, segundo dados da Association for Venture Capital Investments in Latin America (LAVCA), o que implica uma queda de 27% em relação ao mesmo período de 2021, embora suponha uma normalização do investimento em Fintech após 2021 com crescimento acima de 200% face a 2020.
O crescimento do número de negócios no setor de Fintechs foi superior ao da indústria de capital de risco, com crescimento de 58% no primeiro semestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021, o que implica mais 15 pontos percentuais.
Por outro lado, os indicadores de desempenho, as receitas e o número de usuários de Fintechs continuam a aumentar de forma consistente, ano após ano. As empresas que estão nos escalões superiores de receita e número de funcionários pertencem, principalmente, aos segmentos de Digital Banking, Lending & Payments e Remittances.
Assim, as verticais de Crowdfunding e Wealth Management com mais inerência ao risco têm visto uma diminuição do capital de investimento do que nas empresas Fintech voltadas para o negócio de Business Lending, e isso se deve aos avanços tecnológicos que permitiram a inclusão indiscriminada de atores no ecossistema. No entanto, em uma vertical de empréstimos, o modelo de negócios requer uma análise mais abrangente de variáveis internas e externas construídas com um escore baseado em dados e inteligência artificial tanto do usuário final quanto do provedor de serviços.
Outro elemento que permite prever uma consolidação do ecossistema em vez de crescimento é que não há talento humano suficiente no mercado de tecnologia, especialmente na região da América Latina, e, embora já estejam trabalhando nisso, os primeiros resultados não serão visto no curto prazo.
Por fim, quanto ao mercado, indica-se que ao contrário das ponto-com, que, na época, saíram para brigar com as empresas existentes no mercado, as Fintechs são, ao contrário, uma aliada que busca oferecer soluções para as necessidades dos clientes, as quais a banca tradicional não conseguiu resolver com o uso da tecnologia. As novas disrupções, assentadas na convergência de tecnologias emergentes que exploram ao máximo o gigantesco volume de dados criados e tratados, com base em análises suportadas por poderosos algoritmos, são o elemento diferenciador do modelo de negócio.
É claro que nem todas as Fintechs se tornarão um unicórnio dentro do ecossistema, mas o panorama permite identificar mais uma consolidação dos avanços alcançados do que uma perda de mercado ou, no pior dos casos, um desaparecimento.
A indústria de Fintechs continua a crescer e é um balão, não uma bolha. Não devemos nos preocupar muito com o colapso da indústria, as empresas podem se unir e inovar para crescer. Nesse ritmo, a inovação se tornará mais importante, as empresas que se tornarem dinâmicas nessa direção provavelmente liderarão o espaço e se beneficiarão de uma maior estabilidade.