Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
Um exame das estatísticas das últimas décadas mostra o crescimento econômico da América Latina é caracterizado por ser altamente volátil em torno de uma média baixa e acompanhado por períodos de aceleração e desaceleração. Essas características não são neutras e têm implicações perversas. Afinal, a combinação de baixa persistência com alta descontinuidade do crescimento está associada à maior aversão ao risco, que estimula a especulação e encoraja as empresas a investirem em projetos de menor risco, mas de baixo retorno social. Acontece, ainda, que a pobreza e outros indicadores sociais também são bastante sensíveis àquela combinação nefasta.
De fato, evidências empíricas mostram que indicadores sociais melhoram durante períodos de aceleração e pioram durante períodos de desaceleração do crescimento. Ou seja, eles são pró-cíclicos. Mas, muito mais relevante do que a sensibilidade à volatilidade é a reação assimétrica dos indicadores sociais ao ciclo econômico. Isto ocorre porque os indicadores sociais são mais sensíveis aos períodos de desaceleração do que aos de aceleração.
A taxa de crescimento do índice de Gini, por exemplo, que mede a concentração da renda, tende a piorar bastante mais durante períodos de desaceleração do que melhorar durante períodos de aceleração do crescimento. Como consequência, a concentração da renda deteriora rapidamente durante períodos de estagnação, mas recupera-se lentamente durante períodos de crescimento.
Situação qualitativamente semelhante ocorre com a participação do jovem no mercado de trabalho, taxa de crescimento da taxa de desemprego, dentre outros indicadores sociais relevantes. Essa relação assimétrica ajuda a explicar por que vários indicadores sociais avançaram vagarosamente nas últimas décadas na região, em especial nas décadas de 1980 e 1990, e está por trás da ainda bastante desigual distribuição da renda. Sugere, também, que, da perspectiva do pobre, tão ou mais importante que crescimento elevado é crescimento sustentado.
Simulações sugerem que, tivera a região evitado os mais severos anos de colapso do crescimento das últimas décadas, tal como as crises dos anos 1980, início dos anos 2000 e a que passou nos anos recentes, o PIB per capita seria ao menos 20% maior do que o efetivamente registrado.
São muitos os fatores por trás da reação assimétrica dos indicadores sociais à volatilidade do crescimento econômico. Um deles é a inflação. A inflação tende a ser mais elevada durante períodos de desaceleração do que durante períodos de aceleração e corrói especialmente as rendas dos grupos mais vulneráveis. Outros fatores são a tendência de deterioração dos serviços públicos, como educação e saúde, e a piora das condições do mercado de trabalho durante os períodos de desaceleração. Como os grupos mais vulneráveis são mais dependentes desses serviços e da renda do trabalho, eles tendem a ser especialmente prejudicados. A concentração dos ativos (terras, imóveis, ativos financeiros e outros) e o limitado acesso dos mais pobres ao crédito, seguros e outros instrumentos financeiros também colaboram para explicar a assimetria.
É improvável que a grave crise atual leve à alta da inflação e seus efeitos calamitosos para os mais vulneráveis em razão de temas macro e microeconômicos variados. Porém, a crise tem características únicas e com efeitos substancialmente mais adversos e complexos que as anteriores. Para além da restrição de crédito, das enormes dificuldades da crise para as micro, pequenas e médias empresas, que são particularmente predominantes no emprego formal na região, das dificuldades dos informais e trabalhadores por conta própria, dentre tantos outros efeitos, há que se considerar ao menos três outros fatores que poderão colaborar para a possível forte deterioração dos indicadores sociais.
O primeiro refere-se à situação pretérita à crise do Covid-19. Muitos países da região já enfrentavam dificuldades econômicas e sociais ainda antes da crise, com baixo crescimento e elevação da pobreza, da informalidade e do desemprego.
O segundo é que novas tecnologias de produção e de gestão da produção estão se popularizando em razão dos modelos de negócios dos desenvolvedores, gestores e distribuidores daquelas tecnologias. Acontece que essa “comoditização tecnológica” está levando a que empresas, mesmo as de países em desenvolvimento, adotem novas tecnologias que são, ao final do dia, poupadoras de mão de obra.
O terceiro é que num provável contexto de mortalidade relativamente mais alta de empresas com custos mais elevados e com padrões de produtividade e competitividade mais baixos, observaremos, então, alteração na composição setorial e nos perfis das empresas que seguirão ativas no pós-crise. Assim, não será exagero esperar que a “empresa representativa” que entrou no túnel da recessão do Covid-19 será diferente daquela que sairá dele. A mudança no perfil será reforçada pelas empresas que entrarão no mercado no período pós-crise, que se beneficiarão de lições aprendidas e, provavelmente, iniciarão atividades já com tecnologias e modelos de negócios ainda mais sofisticados.
Se, de um lado, empresas pouco competitivas sairão do mercado, de outro lado, aquelas empresas são, invariavelmente, relativamente mais intensivas em trabalho. Como a empresa representativa que surgirá no outro lado do túnel empregará relativamente menos trabalhadores, então é provável que haja aumento do desemprego estrutural para além do aumento do desemprego em geral. Num contexto de lenta recuperação da economia, aquele aumento deverá vir acompanhado de mais crescimento da informalidade, pobreza e desigualdade. A OIT inicialmente estimou que a pandemia elevará o estoque de desemprego em nível global em até 25 milhões de trabalhadores, número que a própria instituição já admitiu estar subestimado.
Muito se avançou na área social nos últimos anos na América Latina, mas ainda é cedo para se baixar a guarda, especialmente quando se levam em conta os novos desafios, riscos e incertezas, internas e externas, que nos rodeiam neste momento e que poderão ter substanciais novos impactos nos indicadores sociais.
A crise do Covid-19 e a proteção das conquistas dos indicadores sociais requerem ao menos quatro conjuntos de políticas. Primeiro, será importante ter em conta a necessidade de ampliar redes emergenciais de proteção social, fortalecer programas de emprego e ampliar programas de empreendedorismo, capacitação e educação profissional. Deve-se, inclusive, considerar a criação de programas de renda básica universal.
Segundo, deve-se apoiar as micro, pequenas e médias empresas com linhas de crédito, garantias, reprogramação de pagamentos de impostos e outros instrumentos que contribuam para que elas sigam em condições de retomar a atividade econômica mais adiante e mantenham seus funcionários durante a quarentena.
Terceiro, políticas que reduzam a elevada exposição dos grupos mais vulneráveis aos períodos de desaceleração combinadas com políticas que aumentem a participação desses grupos nos benefícios gerados pelos períodos de aceleração do crescimento. Políticas sociais de caráter anticíclico e acesso e garantia de mais e melhores serviços públicos são exemplos dessas políticas.
Quarto, políticas econômicas que promovam o crescimento sustentado. Tais políticas devem visar minimizar a exposição da economia a choques, valorizar políticas fiscal e monetária críveis, atacar os constrangimentos ao crescimento, tais como a baixa produtividade do trabalho e os gargalos da infraestrutura, explorar os gigantescos espaços de ganhos de eficiência e de produtividade, as oportunidades de industrialização das vantagens comparativas, incluindo agricultura, extração mineral, pré-sal, biodiversidade, energias renováveis, fármacos e indústria aeroespacial, as novas fronteiras de desenvolvimento no interior de vários países, o mercado doméstico e regional e as compras governamentais como instrumento de alavancagem de novas tecnologias, inovações e soluções.
Com a eclosão da pandemia e preocupado com a agenda acima, o Banco de Desenvolvimento da América Latina - CAF disponibilizou linhas de crédito emergenciais para apoiar os países no combate imediato à crise sanitária, bem como linhas de crédito mais amplas de suporte orçamentário. O Banco está apoiando os bancos de desenvolvimento nacionais com novos recursos e instrumentos financeiros e não financeiros para ações voltadas às micro, pequenas e médias empresas e a recuperação da economia. Também está apoiando com firmeza as instituições financeiras de microcrédito, dentre tantas outras providências que apoiarão, direta e indiretamente, os grupos mais vulneráveis da nossa região.
A noite será longa e requererá esforços decisivos e coordenados para mitigarem riscos de deterioração dos indicadores sociais e otimizarem e potencializarem as políticas de recuperação econômica no mais curto espaço de tempo.