Letras, bytes e pandemia

Data do artigo: 17 de julho de 2020

Autor del post - Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-

Um dos consensos que está emergindo com a pandemia é que estamos entrando numa nova economia, que será diferente da que estamos deixando para trás. Embalados pelas circunstâncias e por modelos de negócios que massificam o acesso à novas tecnologias, o virtual e o intangível ganharão ainda maior relevância no dia a dia das pessoas e das empresas. Evidências abundam nesta direção e talvez a mais reveladora seja o extraordinário desempenho recente das grandes empresas de tecnologia nas principais bolsas globais.

A nova economia atende a muitos interesses, incluindo o distanciamento social, o aumento da eficiência, a redução de custos e a adoção de métodos produtivos mais sustentáveis. Parece incontestável, portanto, que o maior acesso à tecnologias de home-office, plataformas digitais profissionais, automação, inteligência artificial e tantas outras tecnologias de produção, gestão e organização da produção trará benefícios para todos. Parece.

Infelizmente, o mundo é mais complicado. De fato, tanto países, como, também, distintos extratos sociais e segmentos de empresas de um mesmo país estão diferentemente posicionados para se beneficiarem das virtudes da nova economia. Isto porque encontram-se em diferentes estágios da transformação digital e das competências requeridas para o uso pleno daquelas tecnologias. Logo, é improvável que a nova economia seja neutra do ponto de vista de oportunidades. Nesse novo ambiente, é provável que habilidades e competências cognitivas ganharão ainda maior relevância no mercado de trabalho e maior influência na determinação da competitividade das empresas e até dos países.

A América Latina está preparada para a nova economia? Para responder a esta indagação, deve-se mirar para além dos fatores habilitadores convencionais, como infraestrutura de tecnologia da informação, e focar no componente que realmente mais importa: o capital humano. Para uma perspectiva comparativa de como os países se alinham no tema, considere um relatório da OCDE que produziu estimativas de séries históricas internacionais sobre educação e outros indicadores econômicos.

Em 1870, a estimativa da escolaridade média formal da população da América Latina era de 0,6 ano. Naquele mesmo ano, Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia (ACEUNZ), países que tinham, naquela altura, condição histórica e política relativamente comparável à de países da nossa região, tinham escolaridade média de 5,5 anos. Em 1900, as médias eram de 1,4 e 7 anos, respectivamente. Logo, enquanto a imensa maioria da população latino-americana ainda era analfabeta, a daqueles países já tinha atingido níveis respeitáveis de escolaridade. Cento e dez anos mais tarde, a escolaridade média da nossa região era de 8,1 anos, marca relativamente mais próxima dos 13,5 anos de ACEUNZ. O problema é que esses países tinham atingido aquele patamar por volta do ano de 1925, o que nos leva à perturbadora conclusão de que o nosso atraso educacional seria de 85 anos.

Ainda mais perturbador são dois efeitos deletérios daquele atraso educacional. O primeiro, são os efeitos cumulativos do atraso ao longo do tempo em dimensões econômicas críticas, como desenvolvimento produtivo e tecnológico e competitividade internacional. O segundo é que, como mostra relatório da Unesco, grande parte dos jovens da nossa região não alcança níveis mínimos exigidos de proficiência em capacidade leitora e em matemática ao concluírem o ensino fundamental. A falta dessas competências básicas tem implicações dramáticas para o desenvolvimento de outras habilidades e competências e para a inserção no mercado de trabalho formal. Logo, embora o diferencial de escolaridade média entre a América Latina e países hoje avançados tenha reduzido, o desafio já não é somente quantitativo, mas, também, qualitativo, ou da capacidade de as crianças e jovens aprenderem e desenvolverem capacidades.

No contexto da nova economia, o atraso educacional da América Latina poderá deixar ao menos seis legados. Primeiro, na medida em que educação está empiricamente associada à produtividade do trabalho, então o crescimento econômico dependerá, majoritariamente, da capacidade de incorporação de força de trabalho na economia e da capacidade de financiamento do investimento em estoque de capital. Segundo, na medida em que educação está empiricamente associada ao uso de novas tecnologias, a economia da região poderá seguir tecnologicamente atrasada. Terceiro, na medida em que educação está empiricamente associada ao rendimento do trabalho, grande parte da população seguirá percebendo salários baixos, o que alimentará duas das nossas maiores chagas: a pobreza e a desigualdade. Quarto, é provável que testemunharemos aumento do desemprego estrutural e da informalidade. Quinto, na medida em que a educação também está associada empiricamente às condições de saúde, então o atraso educacional poderá ter influências na exposição da população à novas pandemias. E sexto, embora a escolaridade média da América Latina tenha aumentado, os custos econômicos e sociais do hiato qualitativo serão maiores no futuro próximo do que no passado recente.

O que fazer a esta altura? Será preciso entender que atraso nas letras e nos bytes não rima com pandemia nem com nova economia. Teremos que entender que na economia global do intangível, o que importa para a prosperidade das nações não é apenas usar, mas, sobretudo, desenvolver, gerenciar e distribuir tecnologias. Para isto, será preciso ambição e estimular, com muita determinação, vigor e senso de urgência, a educação formal e profissional de altíssima qualidade, a ciência e a tecnologia e o empreendedorismo, bem como atividades econômicas que valorizem aquelas competências.

Para que essa agenda tenha chance de sucesso, será preciso eleger o conhecimento como o alicerce do nosso crescimento econômico e do desenvolvimento social e mobilizar forças políticas em torno da defesa do quadrinômio investimento, emprego, produtividade e competitividade.

Jorge Arbache

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Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-

Antes de su ingreso a CAF fue Secretario de Asuntos Internacionales del Ministerio de Planificación, Desarrollo y Gestión de Brasil y Secretario Ejecutivo del Fondo de Inversión Brasil-China. También fue economista jefe en el Ministerio de Planificación en Brasil; Asesor económico principal de la Presidencia de BNDES y Economista Principal del Banco Mundial en Washington, DC. También es profesor de economía en la Universidad de Brasilia. Arbache tiene más de 28 años de experiencia en las áreas de gobierno, academia, organizaciones internacionales y sector privado. Su interés radica en agendas de crecimiento económico y políticas sectoriales que incluyen comercio internacional, inversión, productividad, competitividad, innovación, economía digital, industria y servicios. Es autor de cuatro libros y docenas de artículos científicos publicados en revistas académicas internacionales. Es licenciado en Economía y en Derecho y Doctor en Economía por la Universidad de Kent (Reino Unido).

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