Marcas e riqueza

Data do artigo: 09 de janeiro de 2020

Autor del post - Jorge Arbache

Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-

Este artigo também foi publicado no Valor Econômico

Indicadores convencionais, como participação no PIB e no emprego, corroboram a já conhecida tese de que o setor de serviços se tornou a maior e a mais influente atividade da economia moderna. Mas indicadores menos convencionais também reforçam a tese. Considere o caso das marcas. O mais recente ranking das marcas mais valiosas do mundo (www.brandz.com) mostra que empresas de tecnologia, serviços financeiros, entretenimento, logística, telecom e outros serviços predominavam com larga folga na lista das 100 marcas mais valiosas de 2019.

Dentre as dez marcas mais valiosas, nove eram do setor de serviços. Mas nem sempre foi assim - em 2006, primeiro ano do ranking, a participação de marcas de empresas de serviços era substancialmente menor. Marcas valiosas não são obra do acaso e estão normalmente associadas à empresas dinâmicas, inovadoras e em setores em ascensão e à fortes e coordenados investimentos. Se, de um lado, marcas de setores com a “face” do século XXI estão ganhando relevância, de outro lado, marcas de setores com a “face” do século XX estão perdendo relevância. Em 2006, 13 marcas de carros listavam entre as 100 mais valiosas; em 2019, apenas três figuravam na lista. mais valiosas; em 2019, apenas três figuravam na lista. Dentre as marcas que mais ganharam valor no último ano estão aquelas envolvidas com a oferta de cada vez mais amplo de soluções para os clientes e com forte apelo aos temas da experiência e lealdade do usuário.

Dentre as explicações do substancial crescimento da participação de marcas de empresas de serviços estão a ascensão da economia de plataformas, o crescimento do comércio de serviços entre fronteiras, o aumento da importância dos serviços B2B nas cadeias de produção e na gestão e mudanças nas preferências dos consumidores.

Em 2006, as 100 principais marcas estavam avaliadas em US$ 1,4 trilhão; em 2019, estavam avaliadas em US$ 4,7 trilhões. Essa incrível valorização é reflexo, de um lado, da globalização e da consolidação dos mercados. De outro, das mudanças estruturais na forma de criar riqueza. De fato, muitas marcas se tornaram o componente mais valioso dos bens e serviços por projetarem valor e confiança ao consumidor e pela noção de reputação. Marcas reputadas abrem e criam mercados e até viabilizam o comando de cadeias de valor e de distribuição.

Mas as marcas não caminham só e estão normalmente acompanhadas de outros ativos intangíveis, incluindo patentes, acordos de royalties, certificações, design, contratos de serviços, acordos de franchising e bancos de dados de clientes e mercados. Estudos mostram que ativos intangíveis já perfazem a maior parte dos ativos de muitas das maiores empresas globais e estimativas sugerem que as marcas de gigantes da tecnologia corresponderiam a cerca de 30% dos respectivos valores de mercado daquelas empresas.

Marcas valiosas refletem a posição de empresas e de países na “cadeia alimentar” da agregação global de valor e estão associadas à capacidade de influência e de crescimento do faturamento. Não por acaso, marcas e outros ativos intangíveis estão no centro da agenda da moderna política industrial e estão por trás de muitas das mais contundentes medidas governamentais recentes, inclusive geopolíticas, de defesa de interesses de empresas e de seus ativos intangíveis.

Nesta toada, para muito além de buscar produzir bens e serviços de mais alta qualidade e confiabilidade, a China também está trabalhando para estabelecer e consolidar marcas globais. Dentre as dez marcas mais valiosas, duas já são chinesas e outras tantas já figuram entre as 100 mais valiosas. E a América Latina? Algumas características se destacam no perfil das marcas mais valiosas da região: elas pertencem, majoritariamente, a empresas de setores convencionais e apenas algumas poucas têm presença extra-regional significativa.As 50 marcas mais valiosas da região tinham, juntas, avaliação de mercado equivalente a 40% do valor da marca global mais valiosa, a Amazon. Considerando o perfil baixo das nossas marcas, parece razoável supor que a região ainda não se deu conta da importância das marcas como instrumento de geração de riqueza e de inserção nos mercados internacionais “pela porta da frente”. E, ao que parece, o problema não é de desconhecimento. Afinal, a região já tem experiências bemsucedidas de criação e estabelecimento de marcas globais - pense nas sandálias Havaianas e nos aviões da Embraer, para citar apenas dois exemplos.

Potencial não falta e a região poderia trabalhar com mais vigor para desenvolver marcas globais. Um caminho natural são as áreas em que já temos presença importante em cadeias de valor. Sugestões quase óbvias incluiriam cafés, proteínas animais, frutas, moda, design, culinária, produtos naturais, produtos de beleza, biodiversidade, certas manufaturas, novas energias e tantas outras áreas em que já temos vantagens comparativas estáticas e dinâmicas reveladas.

Para ilustrar o potencial, considere o caso do café. O mercado da bebida está passando por forte expansão e transformação, o que cria enormes oportunidades de negócios. Porém, como mostrou estudo da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, parcela residual do valor final da bebida servida num coffee shop ou numa cápsula fica para o agricultor. Ganha dinheiro com café quem cria marcas, inova, oferece qualidade e praticidade ao cliente, distribui e, sobretudo, comanda as cadeias de valor. O estudo do café é uma verdadeira aula de moderna política industrial e de colaboração bem-sucedida entre governo e setor privado.

O caminho a seguir é trabalhoso, mas é recompensador. Afinal, a região tem muitas “sandálias Havaianas” dormentes e já mostrou enorme capacidade para inovar. O que nos resta, agora, é desenhar estratégias e políticas mais eficientes, desenvolver parcerias vencedoras e partir para o mãos à obra.

Jorge Arbache

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Jorge Arbache

Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-

É formado em Economia e Direito e doutor em Economia pela Universidade de Kent . Foi Secretário de Relações Internacionais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Brasil e Secretário Executivo do Fundo de Investimento Brasil-China. Também foi economista-chefe do Ministério do Planejamento no Brasil; Assessor econômico sênior da Presidência do BNDES e economista sênior do Banco Mundial em Washington, DC. É professor de economia na Universidade de Brasília. Arbache tem mais de 28 anos de experiência nas áreas de governo, academia, organizações internacionais e setor privado. Seu interesse reside nas agendas de crescimento econômico e nas políticas setoriais que incluem comércio internacional, investimento, produtividade, competitividade, inovação, economia digital, indústria e serviços. Ele é autor de quatro livros e dezenas de artigos científicos publicados em revistas acadêmicas internacionais. É o fundador do blog economiadeservicos.com, que é o principal fórum de discussões sobre serviços e economia digital no Brasil.

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