Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
Espera-se que o recente conflito na Europa Oriental gere uma expansão da pandemia e leve a uma recuperação mais lenta da economia global. Deve também ampliar a magnitude de um movimento que já estava em andamento: a “geopolitização” do comércio e dos investimentos, que ganhou força com a tensão nas relações econômicas entre os Estados Unidos e a China. Esse movimento está na base de medidas políticas como o nearshoring.
Entretanto, as medidas que surgiram foram ainda mais contundentes. Os Estados Unidos aprovaram pacotes de política industrial para substituir importações críticas e controlar exportações de tecnologias e estão avaliando fusões e aquisições. O Japão, por sua vez, apresentou recentemente ao parlamento um pacote de medidas para proteger suas cadeias de suprimentos, promover a autonomia do setor e controlar fusões, aquisições e exportação de bens e serviços selecionados. Alguns países vêm adotando políticas semelhantes, enquanto outros instituem margens preferenciais para a produção nacional nas compras públicas e tarifas de exportação.
Os impactos de tais medidas serão devastadores para a globalização e, em um futuro próximo, teremos de conviver com uma economia global mais segmentada, com custos de produção mais elevados, alguma disrupção no mercados financeiro e de capitais e com mais intervenções públicas nos mercados e na internet.
Tudo isso é negativo para a América Latina e Caribe, que sofreu com a Covid e vem, com grande dificuldade, promovendo políticas para impulsionar a reativação de negócios e do emprego. Além disso, também nos penaliza, pois reduz a eficiência dos mercados internacionais dos quais a região se beneficia para abastecer suas mesas de alimentos e suas empresas de insumos, máquinas e tecnologia.
Se, por um lado, a região está bastante exposta aos efeitos da geopolítica sobre os mercados, por outro, os países da região podem se beneficiar. De fato, o México e os países da América Central e Caribe parecem estar particularmente bem posicionados para fazê-lo. Afinal, encontram-se geograficamente próximos dos Estados Unidos, já têm experiência em investimentos industriais internacionais, refletida pela respeitável base de zonas francas, e se beneficiam de acordos de livre comércio, como o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) e o Acordo de Livre Comércio Centro-Americano (DR-CAFTA), firmado entre Estados Unidos e República Dominicana, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua para acesso preferencial ao mercado norte-americano. Também são favoráveis as estruturas demográficas jovens e os baixos custos trabalhistas, o uso do dólar como moeda oficial em alguns países, o uso dos padrões norte-americanos e a alta integração dos mercados financeiros com o mercado dos EUA.
Não é por acaso que os manufaturados já representam nada menos que 79% das exportações do México, 73% de El Salvador, 57% da República Dominicana e Costa Rica e 42% da Guatemala. Tudo isso faz desses países candidatos naturais para o nearshoring.
Por outro lado, os países que pouco participam das cadeias produtivas norte-americanas estão mais longe de usufruir das mesmas condições atrativas e devem buscar outros meios. O Paraguai, por exemplo, geograficamente distante dos Estados Unidos, está montando uma base de zona franca voltada para seus grandes vizinhos, Argentina e Brasil. Portanto, os benefícios potenciais da proximidade são assimétricos.
Embora o nearshoring ajude a promover o emprego e as exportações, as zonas francas não são panaceias nem garantem o desenvolvimento econômico abrangente ou a integração econômica subrregional. A evidência empírica sugere que tal mecanismo deve ser visto como um ponto de partida e não um ponto de chegada para um processo de desenvolvimento econômico mais amplo.
Certamente, zonas francas são mais que bem-vindas, ainda mais em uma região com uma população tão urbanizada e com taxas de informalidade trabalhista que podem ultrapassar 70%. Os países, no entanto, devem ser mais ambiciosos e transformar oportunidades, como a realocação próxima em motores de crescimento com efeitos econômicos mais profundos e permanentes. Para isso, são necessárias políticas públicas e privadas que capitalizem esse base de oportunidades.
Estão entre as medidas para capitalizar o nearshoring como ferramenta de desenvolvimento: normas e mecanismos para regular a relação entre as zonas francas e os territórios aduaneiros nacionais de forma a estimular uma industrialização mais abrangente e com sinergias e complementaridades com as empresas locais; programas permanentes de capacitação da força de trabalho; apoio de universidades locais para o desenvolvimento industrial; promoção da inovação e da tecnologia; fomento à formação de cadeias produtivas locais; diversificação de fornecedores; estímulo à sustentabilidade como parte integrante do modelo de negócios; programas de qualidade e competitividade; promoção dos fatores facilitadores do comércio eletrônico; desenvolvimento da infraestrutura; digitalização de empresas e cadeias produtivas; diversificação de mercado; acordos comerciais e facilitação; harmonização normativa; e fortalecimento de instituições públicas relevantes.
Por fim, o objetivo das políticas não deve ser apenas atrair empresas, mas também criar as condições necessárias para que se enraízem, expandam negócios e invistam, atraiam fornecedores, agreguem mais valor e contribuam para a formação de clusters. Vale sempre lembrar que as vantagens comparativas não são o destino e podem ser construídas. China, Coreia do Sul e Cingapura estão lá para ajudar a contar essa história.