O dilema emprego versus tecnologia

Data do artigo: 11 de março de 2021

Autor del post - Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-

O maior desafio do desenvolvimento é criar empregos produtivos. Afinal, para muito além de crescimento econômico, emprego também está estreitamente associado à qualidade de vida das pessoas e à estabilidade social e política. Embora emprego já esteja permanentemente na agenda, o tema ganhou ainda maior atenção nas últimas décadas em razão da globalização. Argumentam os céticos que a globalização da produção teria desviado postos de trabalho para países em desenvolvimento abundantes em mão de obra barata, gerando desemprego e estagnando salários.
O tema ganhou novo ímpeto com a crescente automação de atividades repetitivas, que estaria supostamente aumentando a produtividade, mas destruindo postos de trabalho. Mas uma nova fase estaria em gestação com o surgimento de tecnologias como inteligência artificial e machine learning, que permitirão automatizar também tarefas não repetitivas.
Evidências empíricas têm confirmado que tecnologias estariam por detrás de debilidades dos mercados de trabalho, alimentando o dilema emprego-tecnologia. Mas evidências também apontam que a destruição de postos de trabalho tem sido contrabalançada, ao menos em parte, pela criação de empregos em atividades emergentes como desenvolvimento, gestão e distribuição de tecnologias sofisticadas de gestão e produção, serviços e plataformas digitais, e-commerce e tantas outras inovações fornecidas de forma remota e em nível global e que fazem cada vez mais parte do dia a dia das pessoas e das empresas.
Mas esse debate está focado em países avançados. E o que estaria passando nos países da América Latina? A despeito da abundância de mão de obra e da já relativamente baixa participação dos custos laborais nos custos totais de muitos setores, muitas daquelas tecnologias também têm sido paulatinamente introduzidas na região.
Novos modelos de negócios dos desenvolvedores, gestores e distribuidores de tecnologias, que “comoditizam” tecnologias sofisticadas; exigências de atendimento a padrões técnicos e regulatórios como condição para adentrar e participar de mercados internacionais – pense nas exigências fitossanitárias para que frutas sejam colhidas e embaladas por meio mecânico; e efeito demonstração, que influenciaria as preferências dos consumidores, estariam entre as explicações para a adoção de tecnologias poupadoras de trabalho numa região onde ele é abundante e que passa pelo bônus demográfico.
A comoditização de tecnologias afeta os mercados de trabalho da região por vários canais. Um deles está associado à tecnologias que aumentariam a informalidade e a precarização do emprego, como é o caso de plataformas digitais de serviços de transporte individual. Um outro é a substituição de pessoas por tecnologias mesmo em atividades voltadas para mercados internos, como call centers robotizados. Um terceiro é o reshoring, ou o emprego de tecnologias sofisticadas para viabilizar economicamente o retorno para países avançados de plantas antes operando em países em desenvolvimento – pense nas evidências do reshoring para a indústria automotiva do México ou para a indústria têxtil de El Salvador. Assim que os trabalhadores estariam competindo com “robôs” em países avançados e aqui mesmo na região.
No topo dessas mudanças viria a pandemia, que tem contribuído para acelerar a substituição de pessoas por tecnologias. Parece, portanto, razoável considerar que estaríamos testemunhando uma alteração das vantagens comparativas da região em desfavor do trabalho e é provável que experimentemos queda do emprego gerado por cada ponto percentual de aumento do PIB. Mais que dilema, parece que a região se encontra numa armadilha.
Será que teríamos ido longe demais com a substituição de pessoas por tecnologias? Trata-se de questão ainda sem respostas claras, mas evidências empíricas para os Estados Unidos mostram que a adoção em larga escala de automação não teria tido os efeitos esperados de aumento da produtividade. Dentre as possíveis causas estariam que a automação excessiva não necessariamente leva à redução esperada de custos; que os custos sociais da automação poderiam ser excessivos e contraproducentes; e que a excessiva automação levaria ao enrijecimento de tarefas e à perda de oportunidades de interação, que permite o aumento da produtividade do trabalho.
E será que teríamos ido longe demais na América Latina? De forma geral, parece razoável admitir que seria possível gerir o tema com um pouco mais de olhar local. Mas é também preciso considerar que os espaços de manobra para uma região que chegou tarde na agenda tecnológica e que necessita integrar-se mais à economia mundial são limitados. Por isto, será necessário tentar transformar ameaças em oportunidades.
De fato, é possível usar conhecimentos já disponíveis para desenvolver ou adaptar tecnologias e inovações que valorizem a importância do trabalho, ao invés de substituí-lo, em especial em setores que ajudem a criar mais e melhores oportunidades de emprego e que beneficiem a muitas pessoas. Oportunidades não faltam e incluem tecnologias para melhorar a qualidade e a disponibilidade de serviços de educação, saúde e transporte público, habitação popular e tecnologias para o trabalho remoto.
Há, também, enormes espaços para tecnologias que ajudem a viabilizar a industrialização das nossas vantagens comparativas, agregando valor à agricultura, mineração, óleo e gás, biodiversidade, águas e florestas, novas energias, mudanças climáticas e tantos outros setores em que a região tem enorme potencial de negócios e empregos. Esse tema é especialmente relevante porque a região tem a maior população urbana do mundo. Há, ainda, tecnologias que ajudem a viabilizar a expansão dos mercados internos de consumo, a integração de mercados regionais e a digitalização de pequenas e médias empresas.
Em razão da urgência e da natureza dos desafios, as políticas públicas terão papel determinante na transformação de ameaças em oportunidades. Temas regulatórios, de investimentos em ciência e tecnologia, capacitação, compras públicas e colaborações internacionais e público-privadas, bem como comércio internacional e taxação, em especial de bigtechs, deverão fazer parte das agendas de emprego dos governos da região.

Jorge Arbache

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Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-

Antes de su ingreso a CAF fue Secretario de Asuntos Internacionales del Ministerio de Planificación, Desarrollo y Gestión de Brasil y Secretario Ejecutivo del Fondo de Inversión Brasil-China. También fue economista jefe en el Ministerio de Planificación en Brasil; Asesor económico principal de la Presidencia de BNDES y Economista Principal del Banco Mundial en Washington, DC. También es profesor de economía en la Universidad de Brasilia. Arbache tiene más de 28 años de experiencia en las áreas de gobierno, academia, organizaciones internacionales y sector privado. Su interés radica en agendas de crecimiento económico y políticas sectoriales que incluyen comercio internacional, inversión, productividad, competitividad, innovación, economía digital, industria y servicios. Es autor de cuatro libros y docenas de artículos científicos publicados en revistas académicas internacionales. Es licenciado en Economía y en Derecho y Doctor en Economía por la Universidad de Kent (Reino Unido).

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