Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
As últimas décadas testemunharam um intenso fluxo e refluxo da localização geográfica dos investimentos globais. Seguindo a ordem liberal que foi estabelecida no período pós-guerra, por volta da década de 1980, houve um movimento crescente de transferência de plantas industriais de produção e exportação para a Ásia em virtude do baixo custo da mão de obra disponível lá. Nascia a fragmentação da produção, ou a globalização como a conhecemos.
Nessa viagem, a China acumularia massa industrial crítica e experiência empresarial e se tornaria o principal destino do investimento estrangeiro direto – e a grande “fábrica do mundo”. Essa ordem viria a se expandir, dando origem a uma crescente interdependência econômica, comercial e de investimentos, cujos benefícios seriam compartilhados por muitos na forma de bens de consumo de baixo preço. O rápido crescimento da renda, no entanto, combinado às mudanças demográficas, mais tarde, levaria a China a promover a realocação de suas próprias plantas industriais para países da região asiática com mão de obra ainda mais barata, ao mesmo tempo em que redirecionaria a atenção de seu parque industrial para estágios mais sofisticados das cadeias de valor.
Porém, essa migração da indústria para a Ásia não seria indolor. A estagnação econômica nas antigas regiões industriais dos Estados Unidos e da Europa levaria a crescentes polêmicas sobre os benefícios da globalização, que reverberariam em campanhas políticas e até mesmo no Brexit. A crise de fornecimento de medicamentos importados e outros suprimentos na China e o colapso da logística durante a pandemia forneceriam ainda mais munição para os críticos da globalização. Foi nesse ambiente, e regado pela crescente disputa geopolítica entre os Estados Unidos e a China, que conceitos como nearshoring e reshoring seriam cunhados, os quais pregam as supostas virtudes de trazer de volta para casa as plantas industriais americanas que operam na Ásia. No entanto, é improvável que esses conceitos tenham os efeitos sociais pretendidos. E a principal razão é que a comoditização das tecnologias incentiva a automação de novas plantas.
O próximo passo nessa reversão do investimento viria das políticas de controle de capital e exportação dos EUA e da Europa, bem como de generosos programas de subsídios e protecionismo à indústria, o que alteraria a ordem do comércio e a geografia do investimento. Infelizmente, a globalização como a conhecemos está chegando ao fim, e com ela muitos de seus benefícios, como o consumo das classes média e baixa. Os princípios liberais que nortearam a destinação dos investimentos perdem espaço e a geopolítica e as intervenções de mercado entram em cena. Mas o capital é fungível e sempre detecta negócios. Para mitigar os potenciais efeitos nocivos do protecionismo “Made in China”, as empresas chinesas estão transferindo fábricas para o México para acessar os mercados dos EUA e do Canadá a partir daí, beneficiando-se da logística e do acordo comercial USMCA.
As andanças da geografia dos investimentos também não parariam por aí, pois há diferentes forças sobre a mesa que influenciam sua direção, algumas delas até com sinais trocados, em um tabuleiro complexo e repleto de interesses e intervenções. Um exemplo é a guerra na Ucrânia, que, combinada com a pandemia e as agendas geopolíticas, levaria o mercado de energia a uma instabilidade e incertezas de oferta sem precedentes. Os preços, especialmente na Europa, atingiriam níveis recordes, algo insustentável para muitos setores e empresas. Certamente, variações consideráveis nos custos de energia elétrica têm implicações na competitividade e, até mesmo, na sobrevivência das empresas, sobretudo das mais expostas ao comércio internacional, o que já está causando realocações.
A crescente implementação de regulamentos ambientais também está influenciando a geografia do investimento. As empresas sob pressão para descarbonizar já estão transferindo usinas para regiões abundantes em energia verde, seguras e com preços marginais em queda e, se possível, menos expostas a intensos problemas geopolíticos. Trata-se do powershoring. Eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes também estão influenciando as estratégias de localização.
A resiliência, portanto, está se tornando um elemento central da geografia dos investimentos, enquanto eficiência e custos começam a perder um pouco de relevância. No entanto, os elementos de custo, como a energia verde, continuarão a exercer uma influência importante na tomada de decisões, especialmente em setores com utilização intensiva de energia. Afinal, não há como ignorar, por exemplo, que os custos de produção de hidrogênio a partir de eletricidade renovável podem ser de USD 3-4/kg na China e nos Estados Unidos e de USD 5-7/kg no Japão e na Europa, enquanto no Brasil e em outros países da região, chegam a ficar USD 1/kg ou menos. Tudo indica que a desconcentração e a diversificação da localização geográfica das fábricas se tornarão questões críticas para as estratégias corporativas de segurança produtiva e de mercado, especialmente para empresas com presença global.
Números preliminares indicam que o Brasil e o México, países que enfrentam diversos desafios, atraíram US$ 91 bilhões e US$ 37 bilhões, respectivamente, em investimento estrangeiro direto em 2022, níveis elevados para os padrões históricos. Para 2023, as perspectivas são ainda melhores. Essa é uma evidência a favor da diversificação geográfica da produção, apontando para novas vias de oportunidade para os países em desenvolvimento.
A geografia do investimento provavelmente permanecerá volátil, mas as empresas também devem procurar maneiras de continuar a mitigar o risco com base em estratégias adaptáveis. Para a América Latina e o Caribe, que têm tantas soluções para oferecer aos investidores, é hora de trabalhar em uma agenda de fatores facilitadores que tornem a região uma opção ainda mais atraente para o investimento estrangeiro direto.