O que podemos aprender com as mulheres de Portugal

Data do artigo: 26 de janeiro de 2021

Autor del post - Carlos Santiso

Director de Innovación Digital del Estado, CAF -banco de desarrollo de América Latina-

Este artigo foi publicado originalmente no Apolitical.

Um fato que é muito conhecido: Portugal é um dos pioneiros digitais de nosso tempo.

Quando visitei pela primeira vez Portugal e sua agência digital, AMA, no início de 2018, fiquei muito impressionado com o foco inabalável de sua estratégia para melhorar a vida das pessoas, colocando a experiência das pessoas com a burocracia no centro de seus esforços para transformar o governo.

As pessoas, não a tecnologia, vinham conduzindo as reformas. Desde então, estou convencido de que há algo especial na abordagem de Portugal que tornou a transformação digital mais empática. Não surpreendentemente, o primeiro dos quatro objetivos estratégicos da nova abordagem para modernizar o estado entre 2020–2023 é investir nas pessoas.

De acordo com o índice de e-governo das Nações Unidas, publicado em julho de 2020, Portugal continua a avançar na transformação digital e posiciona-se como um polo tecnológico na Europa. Em 2019, ingressou na Digital 9, um grupo dos principais governos digitais do mundo.

O que talvez seja ainda menos conhecido é a abordagem interessante e inovadora de Portugal para alcançar suas proezas digitais. Três características principais se destacam: manter a simplicidade, definir o tom a partir do topo e colocar as mulheres no comando..

O papel principal e central das mulheres é uma escolha deliberada, não uma coincidência. E isso atingiu resultados impressionantes. A seguir, apresento um esboço das iniciativas mais atrativas com as quais todos podemos aprender.

 

Uma abordagem “Simplex”

Em Portugal, o principal objetivo dos reformadores é tornar o governo mais ágil e que os serviços públicos sejam mais fluidos, reduzindo a burocracia e a carga regulatória. Em outras palavras, se esforçam para simplificar o governo. Estão colocando as pessoas no centro e reorganizando os serviços em torno dos acontecimentos da vida.

Tais esforços incluíram um portal único de serviços digitais, acompanhado de uma expansão dos centros de atendimento presencial, por meio dos “quiosques cidadãos” ou Loja de Cidadão.

Outras medidas emblemáticas incluem um novo cartão cidadão, a iniciativa de licença zero, um processo de simplificação dos procedimentos administrativos regulamentares relacionados com a atividade económica e o registo de empresas.

Esses esforços exigiram níveis extraordinários de coordenação entre muitos órgãos públicos e, portanto, um forte estímulo a partir do centro do governo. O cartão cidadão, por exemplo, envolveu 14 entidades de cinco ministérios diferentes.

A simplificação está no cerne da estratégia digital de Portugal, exemplificada por sua iniciativa emblemática de maior sucesso, denominada Simplex. Simplex é a principal iniciativa de desburocratização para digitalizar e simplificar os serviços públicos, por meio de metas anuais e projetos selecionados em consulta com cidadãos e autoridades. Os líderes responsáveis ??pela transformação digital persistem com essa mesma abordagem de racionalização de gestão, ano após ano, desde o seu início, em 2006.

Ao longo dos seus 14 anos de existência, 1.500 medidas foram implementadas para melhorar a concepção e a entrega de serviços digitais, por meio da abordagem Simplex.

Em seu cerne, trata-se de uma abordagem participativa, envolvendo cidadãos e servidores que colaboram para a identificação de ineficiências, o que tem promovido uma maior colaboração entre todo um conjunto de entidades públicas que trabalham para um fim comum.

Para as pessoas atuando em segundo plano, o processo era tão importante quanto o produto. Também foram alcançados benefícios políticos, ao gerar apoio da população para sustentar a iniciativa ao longo do tempo. No dia 15 de julho de 2020, o primeiro ministro António Costa lançou a nova rodada do programa para os próximos dois anos.

Mais importante ainda, o Simplex criou uma cultura de inovação no setor público, ajudando a aumentar a confiança no governo.

 

Mulheres digitais

Uma segunda característica fundamental das reformas portuguesas tem sido a forte tração política por trás delas, que se manteve nas últimas duas décadas. A agenda digital foi impulsionada a partir do próprio centro do governo, para estimular reformas críticas e, muitas vezes, controversas em agências que tendem a proteger seus poderes.

Esse impulso de cima para baixo foi complementado com um forte compromisso com a coordenação entre agências e consulta às partes interessadas, gerando apoio dentro e fora do governo. Também está respaldado pela capacidade de implementação de uma agência autônoma tecnicamente competente, criada em 2007. Este arranjo de governança proporcionou notável continuidade à agenda.

Porém, nenhuma dessas conquistas teria sido possível sem uma terceira característica da agenda digital do país e, possivelmente a mais fascinante: o protagonismo que as mulheres têm desempenhado em sua configuração e promoção.

Penso que esta é uma das razões da empatia que é parte integrante da filosofia digital centrada nas pessoas em Portugal, combinando a definição de uma agenda de cima para baixo com abordagens participativas.

Isso também explica os avanços que o país tem feito na transformação de seus tribunais, como reconhece a OCDE. No atual governo, as mulheres ocupam cargos-chave na governança da agenda digital, nomeadamente Alexandra Leitão, ministra de Modernização do Estado, sua secretária de Estado, Fátima Fonseca, e a presidente da agência digital, Sara Carrasqueiro.

O Ministério da Justiça também é administrado por mulheres, com Francisca Van Dunem como ministra da Justiça, e Anabela Pedroso, que supervisiona a reforma judicial.

Isso não é uma coincidência, mas uma tendência. As mulheres estiveram no comando em momentos críticos da transformação digital do país. A agenda digital, por exemplo, foi promovida pela “dupla digital” que promoveu as reformas administrativas entre 2015 e 2018, tendo Maria Manuel Leitão Marques como ministra da Presidência e Modernização Administrativa e Graça Fonseca como sua secretária de Estado, cargo que Leitão Marques havia ocupado, entre 2007 e 2011.

Leitão Marques também foi responsável pela agenda de cidadania e igualdade de gênero, incorporando essas prioridades à agenda digital. Entende-se que o digital tratava-se de uma ferramenta crucial para realizar sua tarefa de uma forma verdadeiramente transformadora.

No CAF -banco de desenvolvimento da América Latina, tivemos o prazer de entrevistá-la para uma análise da abordagem de Portugal ao digital (com publicação prevista para o início de 2021, em colaboração com a AMA). Ela afirmou: “Desde o início, vi que a mera digitalização dos serviços públicos não era suficiente. Às vezes, pode ser ainda pior. Havia o risco de ser criada uma burocracia eletrônica”.

 

Uma trajetória digital para o nosso tempo

A carreira de Anabela Pedroso é ilustrativa do papel central e duradouro das mulheres na agenda digital.

Atribui-se a ela ter trazido a revolução digital para o setor judiciário quando assumiu as rédeas como secretária de Estado da Justiça em 2015. O principal objetivo da iniciativa de justiça digital Justiça + próxima, que liderou, é tornar a administração da justiça mais simples, mais inteligente e mais próxima dos cidadãos.

Anteriormente, havia sido a primeira chefe da agência digital recém-criada e uma força motriz por trás de outras iniciativas emblemáticas, como centros de serviços integrados, carteira de identidade digital e a plataforma de interoperabilidade do governo, iniciativas que aumentaram a legitimidade da agenda.

O papel de liderança das mulheres na transformação digital em Portugal deu continuidade ao propósito e à filosofia subjacentes às reformas, evitando mudanças radicais de objetivos e abordagens.

Agora, como membro do parlamento europeu, Leitão Marques está trabalhando “para prevenir o preconceito de gênero na inteligência artificial, devido à sub-representação das mulheres nos conjuntos de dados e também na promoção da compilação de dados segregados por gênero para melhor informar políticas públicas, como a digital”, apontou na mesma entrevista.

As mulheres moldaram e promoveram a reforma digital em Portugal. Isso é o que a torna tão única. E acho que é algo com que todos podemos aprender.

Carlos Santiso

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Carlos Santiso

Director de Innovación Digital del Estado, CAF -banco de desarrollo de América Latina-

Carlos Santiso es Director de Innovación Digital del Estado en CAF desde 2018. En las últimas dos décadas, ha trabajado en más de dos docenas de países en diversas capacidades en bancos multilaterales de desarrollo, agencias gubernamentales, e organismos internacionales. Antes de unirse a CAF dirigió la división de Innovación para los Servicios Ciudadanos del Banco Interamericano de Desarrollo, que integro en 2011 para liderar la División de Capacidad Institucional del Estado. Anteriormente, se desempeñó como gerente sectorial de gobernabilidad en el Banco Africano de Desarrollo entre 2007 y 2011, como asesor de gobernabilidad del ministerio británico para el desarrollo internacional entre 2002 y 2007 y como oficial principal en el Instituto Internacional para la Democracia y la Asistencia Electoral entre 1996 y 2000. Comenzó su carrera como asesor en la Oficina del Primer Ministro francés entre 1995 y 1996. Es miembro fundador de la junta asesora del Centro para la Gobernabilidad Democrática en Burkina Faso. Carlos tiene un doctorado. en economía política comparada de la Universidad Johns Hopkins (2006), un máster en política económica internacional de la Universidad de Columbia (1995) y un máster en política pública del Institut d’Etudes Politiques de Paris (1993). 

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