Pablo Sanguinetti
Ex vicepresidente de Conocimiento, CAF
A corrupção na América Latina é vista, há muito tempo, como uma das principais preocupações da população, tanto por sua incidência cotidiana como por suas consequências econômicas e políticas. A percepção da corrupção na região é ligeiramente superior à média global e muito maior do que a média dos países desenvolvidos, de acordo com a Transparência Internacional.
Além disso, o Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED2019) do CAF concluiu que 51% dos latino-americanos consideram a corrupção o principal problema em seus países (acima das condições econômicas, do acesso à moradia e aos serviços ou da insegurança) e que 23% dos cidadãos denunciam já terem sido provocados com relação a pagamento de propina nos últimos 12 meses.
Há razões convincentes para essa preocupação. A corrupção reduz a capacidade do Estado de fornecer bens e serviços públicos de qualidade, limitando o crescimento econômico. Talvez, no entanto, sejam mais importantes as consequências para as instituições de governo: a sensação por parte dos cidadãos de que a corrupção está generalizada prejudica a confiança na democracia.
Essa realidade fez com que os governos latino-americanos reagissem, principalmente por meio da implementação de instrumentos legais e do fortalecimento dos órgãos de justiça. Além disso, vários países estão empreendendo iniciativas para aumentar a transparência e melhorar a prestação de contas. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para preencher lacunas legais e garantir a eficácia de muitas das medidas que estão sendo implementadas.
O estabelecimento de uma agenda anticorrupção eficaz na América Latina deve incluir ações em quatro áreas, que se complementam e potencializam mutuamente. A primeira da lista é melhorar os mecanismos de regulamentação e controle da função pública. Isso envolve a combinação de regras ex ante que limitem as atribuições e a discricionariedade dos servidores (que decisões podem tomar e como) e controles ex post para fiscalização dessas decisões e ações, uma vez que tenham sido executadas. Em outras palavras, é necessário adotar critérios objetivos para a tomada de decisões (por exemplo, no caso de compras públicas e contratações), reforçar as instâncias de fiscalização (como os órgãos de auditoria) e fortalecer os sistemas de justiça com procedimentos e protocolos que facilitem investigações e a geração de provas (como o mecanismo da delação premiada).
A segunda frente de ação diz respeito à melhoria dos mecanismos de entrada na política e em cargos públicos. Isso implica a seleção de profissionais capazes, com baixa tolerância à corrupção e sem relações com clientes ou interesses particulares, a fim de garantir a independência no exercício dos cargos e um sistema eficaz de contrapesos no Estado. No caso de cargos políticos, os sistemas eleitorais devem procurar maximizar a pluralidade e a concorrência. Para isso, a regulamentação do financiamento de campanhas, com o estabelecimento de limites de contribuições de empresas e indivíduos e de despesas eleitorais, pode ajudar.
A terceira medida implica envolver o cidadão no monitoramento das ações de funcionários públicos e na promoção da prestação de contas. Um requisito indispensável é tornar as informações acessíveis por meio de leis de acesso à informação e de governo aberto, por exemplo. Além disso, deve haver canais de comunicação além do voto, como a criação de espaços para participação e denúncia, por meio de plataformas digitais ou redes sociais, promovidos pelo próprio Estado.
Finalmente, é essencial melhorar os regulamentos para controlar a influência dos interesses de empresas e de indivíduos nas decisões do Estado. Para conseguir isso, são necessárias leis que penalizem as pessoas jurídicas envolvidas no pagamento e oferta de subornos. A regulação dos conflitos de interesses e de atividades de lobby também é necessária. Nas contratações públicas e iniciativas de PPP, é importante fortalecer as capacidades das entidades contratantes para evitar que contratos inadequados resultem em renegociações onerosas na etapa posterior à licitação.
Nos próximos anos, os países da região têm uma tarefa importante pela frente: restaurar a confiança dos cidadãos em suas instituições públicas, por meio de uma gestão transparente, que minimize as possibilidades de prática de corrupção. E isso só será alcançado com Estados mais transparentes e eficientes no uso dos recursos públicos, que punam irregularidades e sejam sensíveis às necessidades reais dos cidadãos.