Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
O iPhone é um produto industrial ou um serviço? Como o iPhone é produzido com alumínio, plásticos e outros materiais e é fabricado numa típica linha de montagem, então, muitos diriam, é um produto industrial. Mas, como a maior parte do valor adicionado do iPhone remunera serviços como P&D, softwares embarcados, funcionalidades, marca, design e distribuição, então, muitos diriam, é essencialmente um serviço. Do ponto de vista do usuário, iPhone sem softwares não tem valor, e o mesmo é valido para softwares sem equipamento físico para acessá-los. Esse aparente imbróglio conceitual destaca uma das características da moderna atividade industrial, qual seja, a íntima combinação da indústria com serviços numa relação de mútua dependência para criar valor e a dificuldade para se identificar a linha divisória que separa as duas atividades.
Mas nem sempre foi assim. A história econômica de países como Inglaterra e Estados Unidos mostra que, ao longo do século XIX e primeira metade do século XX, a maior parte das etapas da produção de um determinado bem estava concentrada no próprio chão de fábrica, o que ajuda a explicar o então rápido aumento da participação da indústria no PIB. Mas a história econômica também mostra que o aumento da relevância da indústria seria acompanhado da introdução de novas tecnologias e inovações e de novos modelos operacionais. O outsourcing de etapas da produção entraria em cena e muito do que até então era próprio da atividade industrial pouco a pouco se converteria em serviços descentralizados prestados por terceiros, dando fulcro a uma crescente complementaridade e interação funcional entre indústria e serviços que elevaria o valor adicionado total, ao tempo em que reduziria a participação relativa da manufatura no PIB.
O estágio atual do desenvolvimento industrial em vários países avançados é reflexo daquele padrão: indústria modesta acompanhada de elevada densidade de laboratórios de P&D, universidades engajadas com a indústria, serviços avançados de distribuição, marcas, marketing, serviços financeiros e tantos outros serviços específicos voltados para a agregação de valor industrial. De fato, em vários segmentos, a contribuição desse rico ecossistema de serviços pode ser muito superior à contribuição do chão de fábrica. Os Estados Unidos são um exemplo ilustrativo. Muito embora a manufatura representasse apenas 12% do PIB em 2021, a atividade industrial, incluindo aquele ecossistema, era ao menos 2,5 vezes maior, respondia por nada menos que 66% dos investimentos privados totais em P&D e foi uma das principais responsáveis pela recuperação da economia americana na crise financeira de 2008 e na fase pós-pandemia. O setor industrial como um todo tem, portanto, grande influência nos destinos da economia americana.
Países de industrialização tardia, como a Coreia do Sul, vêm perseguindo aquele mesmo modelo de desenvolvimento industrial. Embora a indústria ainda participasse com elevados 26% do PIB em 2021, são as tecnologias, inovações e outros serviços que estão determinando, e cada vez mais, a verdadeira influência do setor industrial. Como resultado, marcas coreanas de produtos tecnologicamente avançados, como autos, chips e eletrônicos, já competem em nível global e já até assumiram a liderança em alguns segmentos. Na China, a indústria responde por 27,5% do PIB, mas cada vez mais a influência do setor industrial é determinada pelo desenvolvimento tecnológico, marcas, redes de distribuição e outros serviços. É provável que a participação da manufatura no PIB de ambos os países diminua nos próximos anos, mas também é provável que aumente a influência da atividade industrial.
Essa discussão parece pertinente num contexto em que a política industrial está retornando, e com força, às políticas públicas. Até mesmo países desenvolvidos que até pouco tempo atrás se opunham às políticas industriais estão, agora, buscando aumentar a produção manufatureira local, inclusive com medidas intervencionistas e protecionistas e com subsídios generosos. Exemplos não faltam. Considere o Inflation Reduction Act, o Chips and Science Act, o Buy American Act ou o Reshoring, dos Estados Unidos; ou considere o Green Deal Investment Plan, o Critical Materials Plan, o Next Generation EU ou o Made in Europe Partnership, da União Europeia. É provável que essas políticas sejam bem-sucedidas em promover o aumento da produção industrial, mas é a disponibilidade de um ecossistema industrial pujante e inovador que fará a diferença.
Países emergentes também estão buscando maior protagonismo industrial. Índia, Indonésia, México, Vietnam, Brasil, Costa Rica, Honduras, Chile e tantos outros perseguem esta trilha. Mas, poderão eles competir com países ricos? A relativamente modesta capacidade financeira para prover apoio fiscal e a indisponibilidade de um comparável ecossistema de serviços industriais os colocam em desvantagem e condena alguns países a se limitarem a acolher maquilas.
A esta altura, para competir e ter um lugar ao sol na indústria global, será necessário focar e concentrar esforços para desenvolver tecnologias, inovações, logística, marcas e tantos outros serviços industriais, bem como trabalhar nos fatores habilitadores que viabilizem a industrialização das vantagens comparativas e competitivas de cada país. Afinal, ali residem as melhores e mais plausíveis oportunidades dos países emergentes. No caso, da América Latina, por exemplo, deveriam ser consideradas, dentre outras, a industrialização do agro, pecuária, pesca, mineração, terras raras, florestas e a bioeconomia, bem como a industrialização por meio das energias verdes e renováveis e dos biocombustíveis, tal como defende a estratégia de negócios do powershoring.
Para ter mais chances de sucesso, a política industrial de países emergentes terá que ser pragmática, mirar alvos com olhos de águia e promover o desenvolvimento de um ecossistema industrial, que é elemento fundamental para uma transformação produtiva sólida, autossustentada e competitiva.