Serviços e a moderna política industrial

Data do artigo: 13 de abril de 2023

Autor del post - Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-

O iPhone é um produto industrial ou um serviço? Como o iPhone é produzido com alumínio, plásticos e outros materiais e é fabricado numa típica linha de montagem, então, muitos diriam, é um produto industrial. Mas, como a maior parte do valor adicionado do iPhone remunera serviços como P&D, softwares embarcados, funcionalidades, marca, design e distribuição, então, muitos diriam, é essencialmente um serviço. Do ponto de vista do usuário, iPhone sem softwares não tem valor, e o mesmo é valido para softwares sem equipamento físico para acessá-los. Esse aparente imbróglio conceitual destaca uma das características da moderna atividade industrial, qual seja, a íntima combinação da indústria com serviços numa relação de mútua dependência para criar valor e a dificuldade para se identificar a linha divisória que separa as duas atividades.

Mas nem sempre foi assim. A história econômica de países como Inglaterra e Estados Unidos mostra que, ao longo do século XIX e primeira metade do século XX, a maior parte das etapas da produção de um determinado bem estava concentrada no próprio chão de fábrica, o que ajuda a explicar o então rápido aumento da participação da indústria no PIB. Mas a história econômica também mostra que o aumento da relevância da indústria seria acompanhado da introdução de novas tecnologias e inovações e de novos modelos operacionais. O outsourcing de etapas da produção entraria em cena e muito do que até então era próprio da atividade industrial pouco a pouco se converteria em serviços descentralizados prestados por terceiros, dando fulcro a uma crescente complementaridade e interação funcional entre indústria e serviços que elevaria o valor adicionado total, ao tempo em que reduziria a participação relativa da manufatura no PIB.

O estágio atual do desenvolvimento industrial em vários países avançados é reflexo daquele padrão: indústria modesta acompanhada de elevada densidade de laboratórios de P&D, universidades engajadas com a indústria, serviços avançados de distribuição, marcas, marketing, serviços financeiros e tantos outros serviços específicos voltados para a agregação de valor industrial. De fato, em vários segmentos, a contribuição desse rico ecossistema de serviços pode ser muito superior à contribuição do chão de fábrica. Os Estados Unidos são um exemplo ilustrativo. Muito embora a manufatura representasse apenas 12% do PIB em 2021, a atividade industrial, incluindo aquele ecossistema, era ao menos 2,5 vezes maior, respondia por nada menos que 66% dos investimentos privados totais em P&D e foi uma das principais responsáveis pela recuperação da economia americana na crise financeira de 2008 e na fase pós-pandemia. O setor industrial como um todo tem, portanto, grande influência nos destinos da economia americana.

Países de industrialização tardia, como a Coreia do Sul, vêm perseguindo aquele mesmo modelo de desenvolvimento industrial. Embora a indústria ainda participasse com elevados 26% do PIB em 2021, são as tecnologias, inovações e outros serviços que estão determinando, e cada vez mais, a verdadeira influência do setor industrial. Como resultado, marcas coreanas de produtos tecnologicamente avançados, como autos, chips e eletrônicos, já competem em nível global e já até assumiram a liderança em alguns segmentos. Na China, a indústria responde por 27,5% do PIB, mas cada vez mais a influência do setor industrial é determinada pelo desenvolvimento tecnológico, marcas, redes de distribuição e outros serviços. É provável que a participação da manufatura no PIB de ambos os países diminua nos próximos anos, mas também é provável que aumente a influência da atividade industrial.

Essa discussão parece pertinente num contexto em que a política industrial está retornando, e com força, às políticas públicas. Até mesmo países desenvolvidos que até pouco tempo atrás se opunham às políticas industriais estão, agora, buscando aumentar a produção manufatureira local, inclusive com medidas intervencionistas e protecionistas e com subsídios generosos. Exemplos não faltam. Considere o Inflation Reduction Act, o Chips and Science Act, o Buy American Act ou o Reshoring, dos Estados Unidos; ou considere o Green Deal Investment Plan, o Critical Materials Plan, o Next Generation EU ou o Made in Europe Partnership, da União Europeia. É provável que essas políticas sejam bem-sucedidas em promover o aumento da produção industrial, mas é a disponibilidade de um ecossistema industrial pujante e inovador que fará a diferença.

Países emergentes também estão buscando maior protagonismo industrial. Índia, Indonésia, México, Vietnam, Brasil, Costa Rica, Honduras, Chile e tantos outros perseguem esta trilha. Mas, poderão eles competir com países ricos? A relativamente modesta capacidade financeira para prover apoio fiscal e a indisponibilidade de um comparável ecossistema de serviços industriais os colocam em desvantagem e condena alguns países a se limitarem a acolher maquilas.

A esta altura, para competir e ter um lugar ao sol na indústria global, será necessário focar e concentrar esforços para desenvolver tecnologias, inovações, logística, marcas e tantos outros serviços industriais, bem como trabalhar nos fatores habilitadores que viabilizem a industrialização das vantagens comparativas e competitivas de cada país. Afinal, ali residem as melhores e mais plausíveis oportunidades dos países emergentes. No caso, da América Latina, por exemplo, deveriam ser consideradas, dentre outras, a industrialização do agro, pecuária, pesca, mineração, terras raras, florestas e a bioeconomia, bem como a industrialização por meio das energias verdes e renováveis e dos biocombustíveis, tal como defende a estratégia de negócios do powershoring.

Para ter mais chances de sucesso, a política industrial de países emergentes terá que ser pragmática, mirar alvos com olhos de águia e promover o desenvolvimento de um ecossistema industrial, que é elemento fundamental para uma transformação produtiva sólida, autossustentada e competitiva.

Jorge Arbache

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Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-

Antes de su ingreso a CAF fue Secretario de Asuntos Internacionales del Ministerio de Planificación, Desarrollo y Gestión de Brasil y Secretario Ejecutivo del Fondo de Inversión Brasil-China. También fue economista jefe en el Ministerio de Planificación en Brasil; Asesor económico principal de la Presidencia de BNDES y Economista Principal del Banco Mundial en Washington, DC. También es profesor de economía en la Universidad de Brasilia. Arbache tiene más de 28 años de experiencia en las áreas de gobierno, academia, organizaciones internacionales y sector privado. Su interés radica en agendas de crecimiento económico y políticas sectoriales que incluyen comercio internacional, inversión, productividad, competitividad, innovación, economía digital, industria y servicios. Es autor de cuatro libros y docenas de artículos científicos publicados en revistas académicas internacionales. Es licenciado en Economía y en Derecho y Doctor en Economía por la Universidad de Kent (Reino Unido).

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