Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
A América Latina foi a região mais golpeada pela recessão do Covid-19 e as estimativas sugerem que a recuperação será relativamente lenta. A crise apontou oportunidades de negócios para uma recuperação mais rápida, forte e resiliente em áreas como mudanças climáticas e transformação digital. Por certo, são agendas de especial relevância para a região em razão do enorme potencial de negócios associados à área ambiental e dos imensos espaços por preencher com a transformação digital do setor produtivo.
Mas a modernização do setor de serviços também pode ser um caminho para reativar a economia e promover um padrão de crescimento mais sustentável e sustentado. E razões para isto não faltam. De um lado, os serviços perfazem ao menos 60% do valor adicionado das economias da região, hospedam a vasta maioria das empresas – ao menos 9 de cada 10 micro, pequenas e médias empresas estão no setor de serviços –, respondem por ao menos 69% do estoque de emprego e por 8,4 de cada 10 novos empregos criados.
De outro lado, a produtividade do trabalho no setor é baixa e está estagnada e corresponde a apenas 18% da produtividade americana. Parte da explicação desse hiato se deve à concentração em segmentos de baixo dinamismo, como muitos dos voltados ao consumidor final, e a que muitos daqueles negócios sejam informais. Considerando o tamanho e o potencial de aumento da produtividade, programas de modernização do setor de serviços poderão trazer benefícios amplos e imediatos à recuperação.
Mas os benefícios podem ser ainda mais potentes. Isto porque, primeiro, os serviços converteram-se na mais importante infraestrutura habilitadora da produção e do investimento em razão da servicificação e da servitização da produção. A terceirização, a subcontratação e os novos modelos de negócios levaram a que os serviços passassem a ocupar funções importantes nas cadeias de valor da manufatura e até da agricultura e mineração e, assim, se tornassem fatores determinantes da geografia dos investimentos e da diversificação e sofisticação produtiva. Trata-se de serviços financeiros e de logística, telecomunicação e seguros, mas, também, de tantos outros serviços, como os voltados para a pesquisa e desenvolvimento, suporte à produção e às cadeias de valor, vendas, distribuição e pós-vendas.
Uma segunda razão é que os serviços se converteram no mais relevante celeiro de inovação e empreendedorismo e na nova fronteira de negócios rompedores. E, terceira, porque os serviços são importante elo de ligação entre as economias da região e a economia global. Quarenta e oito porcento do conteúdo exportado pelo Brasil são serviços “embarcados” nos produtos; no caso do México, são 44% e, no da Argentina, 38%. No México, os serviços, incluindo os importados, são elementos determinantes da integração do país às cadeias industriais globais. Mas os serviços são importantes também para o comércio de commodities, pois respondem por 22% do valor adicionado das commodities agrícolas e por 35% das commodities minerais exportadas pelo Brasil.
Durante os anos de boom da década de 2000 a importação de serviços nas quatro maiores economias da região cresceu a uma taxa anual superior a 17%, número muito maior que o do crescimento do PIB. Em 2014, as importações correspondentes chegaram à cifra recorde de US$ 159 bilhões e a um déficit de US$ 74 bilhões. Já nos anos de estagnação que se seguiram, as importações reduziram significativamente – apenas em 2020, a contração chegou a 31%. Assim, as importações de serviços têm relevância não apenas para a produção, mas, também, para as contas externas, e destaca a contribuição do setor para a dinâmica econômica e a relevância do acesso a serviços para a recuperação da região.
A pandemia também mostrou que um setor de serviços moderno e eficiente é a espinha dorsal do enfrentamento de situações de catástrofes. De fato, países com melhores infraestruturas de serviços se saíram melhor na execução de políticas públicas emergenciais e se mostraram mais resilientes. De serviços de saúde básica, análises clínicas e reabilitação a serviços de logística e distribuição, serviços financeiros, governo eletrônico e serviços digitais, todos se revelaram elementos críticos para o combate à pandemia e à crise econômica e social. Mas a pandemia também contribuiu para alertar sobre a importância dos serviços para as ODS e para o enfrentamento das mudanças climáticas, que requer um conjunto específico de serviços para apoiar os países na adaptação e mitigação de riscos.
Por fim, a crise recente também mostrou que temas de estrutura de mercado e geopolíticos podem ter implicações não negligenciáveis para o funcionamento dos mercados internacionais de serviços e, desta forma, para o acesso a serviços produtivos fundamentais. Tais ameaças têm levado autoridades de países avançados a fomentarem serviços considerados estratégicos e a reformarem regulações para salvaguardarem os seus interesses. Como bem ilustra a atual crise global de serviços de logística, perturbações de mercado podem ser altamente danosas para a recuperação econômica dos países da região, cujo crescimento tanto depende de importações.
O crescimento sustentado e resiliente da região pela via dos serviços requer políticas que mirem um setor de serviços moderno, eficiente, diversificado e competitivo e que seja um aliado do setor produtivo. Isto, por sua vez, requer senso de prioridade, identificação dos nós de serviços que constrangem a produção, capacitação de trabalhadores e empresas, acesso a financiamento e a tecnologias, políticas de investimentos, acordos comerciais, apoio às agendas de P&D e empreendedorismo, regulação moderna e muita colaboração internacional.