Medimos bem a pobreza na América Latina?

Data do artigo: 23 de fevereiro de 2016

Autor del post - Ana Mercedes Botero

Directora de innovación social en CAF

Embora a resposta seja correta (muitas das grandes classificações da pobreza se baseiam na renda),seria mais completa se fossem incluídos alguns indicadores que vão além do bolso, como, por exemplo, a segurança física, o bem-estar psicológico e as relações sociais.

O exemplo de Florencia, uma mulher de baixos recursos da República Dominicana, é bem ilustrativo: durante toda sua vida foi pobre. Há dois anos, conseguiu ter uma renda estável que lhe permitiu melhorar sua situação. No entanto, quando perguntamos sobre sua experiência, o que ela acreditava que tinha mudado sua situação era o fato de poder tomar suas próprias decisões e ser considerada pela comunidade. No caso dela, sentir-se empoderada contribuiu para melhorar sua situação e, principalmente, a acreditar que podia melhorá-la.

Casos como o dela tornam evidente que variáveis socioemocionais desse tipo são imprescindíveis para determinar se uma pessoa é pobre ou não, e, por isso, deveríamos incluí-las nas medições que fazemos da pobreza.

Esses indicadores devem ser levados em conta quando avaliamos a pobreza da população da região. E, para conseguir isso, nos próximos anos, teremos que quantificá-los.

É isso que defendemos no relatórioDimensões que faltam na medição da pobreza, realizado conjuntamente pelo CAF - banco de desenvolvimento da América Latina - e pela Universidade de Oxford, que pretende promover um debate sobre como incorporar essas variáveis socioemocionais nos projetos, programas e políticas públicas de desenvolvimento.

A publicação destaca as seguintes dimensões que faltam na medição da pobreza:

  1. Empoderamento e diligência. Relacionados com a autonomia, a autodeterminação, a liberação, a participação e a autoconfiança.
  2. Segurança física. A falta dessa dimensão limita o desenvolvimento humano e a possibilidade de viver em liberdade. A violência é um problema de saúde pública, uma séria restrição aos direitos humanos e um obstáculo ao desenvolvimento efetivo da convivência.
  3. Capacidade de viver a vida sem sentir vergonha. Sua relação com a pobreza é relevante por valores intrínsecos e instrumentais. A estigmatização social da pobreza, a discriminação, a humilhação ou a perda de dignidade limitam seriamente a possibilidade de gerar capacidades que superem essa situação.
  4. Qualidade do emprego. Quatro áreas que refletem o bem-estar das pessoas no trabalho estão incluídas: proteção, renda, segurança no trabalho e uso do tempo.
  5. Relacionamento social. Refere-se às relações interpessoais e às redes de proteção e afeto. Sua ausência produz isolamento e solidão social.
  6. Bem-estar psicológico. Contempla capacidades emocionais e aspectos relacionados ao sentido, significado e satisfação da vida.

Vale ressaltar que esses indicadores não pretendem substituir os tradicionais, mas complementar outras classificações da pobreza, a fim de tornar os programas e as políticas públicas mais eficientes ao compreender melhor a realidade dos mais vulneráveis.

 

Como quantificamos as variáveis subjetivas?

Por serem dimensões subjetivas, foi feito um esforço para estabelecer critérios para incluir indicadores quantificáveis, comparáveis internacionalmente e que permitam identificar mudanças que possam ser produzidas no tempo. Isso explica por que a aplicação desses indicadores é um dos principais desafios no médio e longo prazos.

É evidente que as políticas públicas exigem uma radiografia certeira e precisa da situação da pobreza em todas as suas dimensões; do contrário, corremos o risco de não combater a pobreza em todas as suas formas, já que cada dimensão está relacionada com os aspectos fundamentais do fenômeno.

Aceitar ampliar a medição da pobreza para além de domínios tradicionais como a renda, a educação, a saúde ou o nível de vida, implica debater sobre a importância de indicadores de outra natureza, que são valorizados pelas pessoas pobres, com diversas razões para fazê-lo.

 

Consenso internacional

Já houve várias iniciativas para incorporar aspectos dessas dimensões que faltam. Muitos dos países que usam essas medições - ou estão em processo de adotá-las - estão explorando a possibilidade de incluir os indicadores sobre as dimensões ausentes. Por exemplo, El Salvador incluiu indicadores de violência, e o Chile está trabalhando atualmente para incorporar uma dimensão ambiental e de redes sociais na sua medição oficial.

Outro exemplo aparece nos Estados Unidos, onde o estigma associado ao uso dos cupons para a compra de alimentos, como parte de um programa governamental de assistência chamado Food Stamp Program, impedia as pessoas e suas famílias de utilizar esse benefício. Para reverter essa situação, os cupons foram substituídos por cartões de débito especializados, o que contribuiu para reduzir o constrangimento e a humilhação associados com o uso dos cupons e ajudou a aumentar a inscrição no programa e seu desenvolvimento.

Além disso, para introduzir esses indicadores nomainstream do desenvolvimento, vários ganhadores do Prêmio Nobel de Economia - Amartya Sen (1998), James Heckman e Daniel McFadden (2000), Joseph Stiglitz (2001), Daniel Kahneman (2002) e Angus Deaton (2015) declararam que o desempenho econômico não é suficiente como medida do bem-estar.

A importância desses novos aspectos de medição foi incluída na nova Agenda de Desenvolvimento Sustentável adotada em setembro de 2015 pela Organização das Nações Unidas. Alcançar os objetivos de desenvolvimento acordados requer a compreensão da intrincada relação de aspectos psicológicos, sociais, culturais e econômicos relacionados à vida das pessoas.

É hora de começarmos a incorporar esses aspectos intangíveis de forma mais rigorosa nas nossas medições. Só assim poderemos reduzir a brecha existente entre a forma de medir a pobreza e a maneira em que as pessoas de baixa renda percebem sua realidade.

 

Este post foi publicado simultaneamente na seção Future Planet do jornal El País     

Ana Mercedes Botero

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Ana Mercedes Botero

Directora de innovación social en CAF

Ana Mercedes Botero es directora de innovación social de CAF -banco de desarrollo de América Latina. Su trabajo se orienta a identificar ideas, procesos y modelos para el desarrollo de soluciones útiles y sostenibles a desafíos sociales que aquejan a América Latina. Trabajó  durante siete años en la Organización de Naciones Unidas en Nueva York y Ginebra en temas de seguridad internacional, tráfico ilícito de estupefacientes y derechos humanos. Participa del comité editorial de "Compromiso y Transparencia", es voluntaria de Olimpíadas Especiales Internacionales y fue Global Leader of Tomorrow  del Foro Económico Mundial. Tiene dos maestrías en la Universidad de Columbia en Nueva York, una en Derecho y otra en Relaciones Internacionales, y una especialización en la Escuela de Negocios Inalde de Colombia.  

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