Onde está o problema da baixa produtividade na América Latina?
Este artigo foi escrito por Lian Allub e Federico Juncosa
O progresso tecnológico recente e a adoção de novas tecnologias ao redor do mundo levaram a um aumento vertiginoso no volume de dados disponíveis. O valor de mercado de empresas como Facebook e Alphabet (Google), que não existiam há 20 anos, ultrapassou 500 milhões de dólares com um modelo de negócios que se baseia na capitalização do valor desses dados.
No setor público, as interações habituais das pessoas (físicas ou jurídicas) com o Estado refletem-se cada vez mais em um registro digital, embora haja um claro atraso para capitalizar o potencial desses dados, particularmente, para compreender e melhorar a produtividade das nossas economias. Neste artigo, vamos rever algumas iniciativas atuais dentro do CAF que superam as barreiras para o uso de dados administrativos e se baseiam neles para estudar a produtividade.
Uma iniciativa de grande alcance, potencializada pelo uso de dados administrativos, foi o último Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED 2018) intitulado Instituições para a produtividade: em prol de um melhor ambiente de negócios. Uma parte importante desse estudo foi localizar com precisão, para todos os países da região, o nível de agregação e o setor específico de atividade em que o atraso de produtividade é mais urgente em relação às economias mais desenvolvidas. Para isso, foi necessário levar a análise até as unidades que são, em última instância, responsáveis pela produtividade – as empresas que compõem o sistema de produção – tudo isso buscando preservar a comparabilidade entre os países.
Realizar análises no nível das empresas requer usar dados com grandes limitações de disponibilidade e confidencialidade: incluem informações sobre vendas, custos, lucros e patrimônio das empresas, o que, por sua vez, compromete a confidencialidade de seus proprietários. Para superar essas dificuldades, adotou-se a metodologia proposta por Bartelsman, Haltiwanger e Scarpetta (2009), denominada análise distribuída de microdados. Ela consiste no desenvolvimento de um protocolo de cálculo de indicadores que é aplicado de forma descentralizada na divisão proprietária dos dados em cada país. Ou seja, uma rotina é desenvolvida e é acompanhada por um manual, para gerar os indicadores desejados a partir do banco de dados de cada divisão. Esta rotina inclui salvaguardas para proteger a confidencialidade dos dados, garantindo que não seja possível identificar nenhuma empresa específica a partir dos indicadores calculados.
O esforço substancial para acessar esses dados foi frutífero: aprendemos que o problema da baixa produtividade da região em relação às economias desenvolvidas não se deve à sua estrutura setorial, ou seja, ao uso excessivo de recursos em setores de baixa produção, mas se manifesta em todos os setores da economia. Analisando níveis cada vez maiores de desagregação, descobrimos que, dentro de cada subsetor de atividade, existe uma alocação deficiente de fatores produtivos entre empresas, onde muitos recursos são destinados a unidades de baixa produtividade, especialmente dentro do setor manufatureiro. No entanto, mesmo se dedicássemos todos os recursos às empresas mais produtivas, teríamos pela frente um longo caminho para fechar a lacuna de produtividade em relação às economias desenvolvidas. Para atingir esse objetivo, devemos necessariamente aumentar a produtividade do conjunto de empresas.
Comprometidos com o objetivo de promover o uso de dados administrativos para a análise de produtividade, o CAF iniciou uma colaboração com a Rede de Pesquisa em Competitividade (COMPNET). Esta rede, originada por iniciativa do Banco Central Europeu, visa produzir um conjunto abrangente de indicadores de produtividade a partir de dados de empresas, que sejam comparáveis ao longo do tempo para os membros, e que estejam livremente disponíveis para a comunidade acadêmica e de políticas públicas. O CAF procura desempenhar um papel ativo nesta iniciativa, atuando como coordenador para a incorporação de países latino-americanos na Rede, entendendo que o aumento da disponibilidade de indicadores de produtividade na região promoverá a investigação do fenômeno e contribuirá para uma melhor concepção das políticas públicas.
Outra iniciativa do CAF em andamento, que foi potencializada pelo uso de dados administrativos, consiste no projeto Acesso a Oportunidades e Produtividade Urbana. Através de registros administrativos de segurança social, enriquecidos com registros de empresas de georreferenciamento da localização de estabelecimentos produtivos, a meta é compreender a dinâmica produtiva dentro dos limites da cidade para estudar fenômenos como a distribuição de oportunidades de trabalho, as economias de aglomeração e as áreas urbanas com maior dinamismo produtivo e maior criação de emprego. O objetivo adicional desta linha de pesquisa é elaborar instrumentos de política baseados em evidências para alavancar a produtividade e a inclusão social nas cidades da região.
A agenda de estudos urbanos tomou como protótipo a cidade de Buenos Aires, o que exigiu o esforço conjunto do CAF e do Ministério de Produção Trabalho argentino para possibilitar o uso dos registros administrativos para esse fim. A tarefa consistiu em dois eixos principais: o georreferenciamento da sede dos estabelecimentos de produção cadastrados e a agregação dos dados em unidades espaciais que permitam superar o problema da confidencialidade da informação, mantendo, ao mesmo tempo, a granularidade necessária para estudar esses fenômenos. Esta iniciativa deu seus primeiros frutos na produção do documento de trabalho Distribuição espacial do emprego formal na Cidade Autônoma de Buenos Aires. Por sua vez, os dados agregados e anonimizados são potencialmente um insumo de grande valor para as intervenções urbanas do CAF.
Os casos discutidos são exemplos promissores do uso dessa nova fonte de dados, os dados administrativos, para a análise de produtividade. Esses exemplos mostram que as barreiras para a utilização desses dados são substanciais, e que requerem investimentos para gerar a institucionalidade e as ferramentas tecnológicas necessárias para valorizá-los sem comprometer sua confidencialidade. No entanto, este é um investimento de alto retorno, pois a crescente disponibilidade, o baixo custo e a maior cobertura desses dados os transforma em aliados incomparáveis para a pesquisa, e, finalmente, para a concepção de políticas públicas que potencializem a produtividade e o desenvolvimento da região.