O Pacto Verde Europeu: quais são as implicações para as agroexportações latino-americanas?
Em dezembro de 2019 foi lançado o Pacto Verde Europeu, com a ambição de tornar a UE o primeiro continente climaticamente neutro até 2050. Baseia-se em sete pilares, cada um com uma estratégia de implementação: energia limpa, indústria sustentável com ênfase na economia circular, reconstrução e reforma de edifícios, mobilidade sustentável, biodiversidade, “Do Campo à Mesa” e eliminação da contaminação. Toda a estratégia se baseia em uma série de metas e compromissos, incluindo orçamentos de 1 bilhão de euros para apoiar a transição para a sustentabilidade na próxima década.
A Estratégia Do Campo à Mesa (ou F2F de Farm to Fork em inglês) foi lançada em maio de 2020 juntamente com a Estratégia da Biodiversidade no âmbito do Horizonte 2030, já incorporando o cenário da COVID. A UE destinará 40% dos fundos da Política Agrícola Comum (PAC) às ações da Estratégia F2F, vinculando a alimentação à saúde dos indivíduos, das sociedades e do planeta. Portanto, existem metas claras para reduzir o uso de pesticidas e antibióticos, impulsionar a agricultura sustentável, promover o consumo de proteínas de origem vegetal e fazer com que cada um dos elos da cadeia seja mais sustentável. Considerando que nem todos os elos dessa cadeia estão dentro da UE, a Estratégia assinala que promoverá “Alianças Verdes” por meio de cooperação técnica e de sua política comercial para estimular uma transição global. Isso tem implicações importantes para o agronegócio latino-americano.
Aspectos obrigatórios e vinculantes, como os limites máximos de resíduos de pesticidas, sofrerão mais exigências. Além disso, vários agrotóxicos nitrogenados e fosforados seriam incluídos nas listas de proibições, bem como antibióticos tradicionalmente utilizados para garantir a saúde vegetal e animal, mantendo sua produtividade. Como não há substituição imediata para esses elementos, representantes setoriais – tanto na UE como fora dela – indicam que a rentabilidade e o acesso ao mercado serão seriamente afetados. A UE receberá o apoio de recursos importantes de pesquisa, desenvolvimento e transferência tecnológica para facilitar a transição para modelos de produção sustentáveis.
Sem dúvida, os produtores latino-americanos também precisam de apoio técnico e financeiro para facilitar o mesmo processo. Deve-se considerar, por exemplo, que quase um terço da área cultivável da América do Sul está coberto por soja, que utiliza agrotóxicos que se encontram atualmente na mira da UE. Da mesma forma, a proteção de cultivos por meio do manejo integrado de pragas, controle biológico e outras práticas, será incentivada em muitos outros setores agropecuários. Para monitorar a redução do uso de pesticidas, estabeleceu-se um Índice Harmonizado de Riscos, uma vez que a mudança na UE já vem sendo avaliada há cinco anos.
Outros aspectos fundamentais dizem respeito às mudanças tecnológicas e de práticas para reduzir a contribuição das cadeias agroalimentares em termos de gases de efeito estufa e o desmatamento da base produtiva, incluindo as importações. Propõe-se incentivar modelos baseados na Agricultura Regenerativa, na Economia Circular e na Bioeconomia. Por sua vez, a Comissão responsável pela Estratégia F2F desenvolverá um Código de Conduta para Práticas de Negócios e Marketing, com um sistema de monitoramento permanente.
Como se viu mais claramente durante a pandemia, a América Latina ainda apresenta atrasos significativos nos sistemas de saúde integral, gestão de qualidade e inocuidade e comercialização adequada de seus alimentos, com diferenças entre os países, é claro. Os sistemas de vigilância e controle sanitário das exportações melhoraram em países com uma cesta de exportação significativa, mas os sistemas internos foram negligenciados. Por isso, o fato de os países precisarem se adequar a padrões mais elevados para cumprir as normas internacionais, os obriga a harmonizar suas normas e sistemas, beneficiando amplamente também sua própria população.
Grande parte dos recursos de cooperação UE-ALC e dos governos nacionais precisou ser aplicada no fortalecimento da chamada “infraestrutura de qualidade” (metrologia, normalização, acreditação e avaliação da conformidade). Da mesma forma, no desenvolvimento das capacidades do setor privado, tanto para esses aspectos como para avançar decisivamente em direção a modelos de produção mais sustentáveis.
Já no âmbito da nutrição e da saúde, a Estratégia aponta que 50% da população europeia tem sobrepeso e 16% obesidade, que é um fator de risco diante da COVID. Adquire importância, portanto, o incentivo de dietas saudáveis, fazendo com que estas sejam as alternativas mais acessíveis e atraentes. Esta é sem dúvida uma oportunidade para os “Superalimentos” latino-americanos, que já durante a pandemia mostraram um aumento significativo no consumo e que, em muitos casos, constituem modelos de produção orgânica ou outras abordagens de sustentabilidade, entre elas, várias árvores frutíferas importadas pela UE em grandes quantidades. Por fim, a digitalização dos setores produtivos nesse contexto surge para a ALC como uma das urgências, tanto para as áreas de apoio público quanto privado, uma vez que sistemas como o Blockchain, entre outros que o CAF vem incentivando, facilitarão a rastreabilidade das cadeias agroalimentares e seu consequente acesso ao mercado.