Delivery Units, dados e o futuro do governo nas cidades
O uso da tecnologia está mudando a vida das pessoas nas cidades e de como os centros urbanos têm evoluído para responder às suas necessidades. Essas mudanças se combinam a um movimento de crescente protagonismo das cidades na gestão dos desafios de desenvolvimento em nível global. Hoje em dia, é impossível não as considerar como parte integrante da equação para solucionar desafios relacionados a pobreza, segurança, mudanças do clima, entre outros. Nesse contexto disruptivo, a capacidade dos governos locais para gerir as problemáticas urbanas tem ganhado destaque, e o contexto da pandemia recente permitiu entender de maneira mais clara os vários elementos faltantes para governar as cidades de maneira eficaz.
No CAF, banco de desenvolvimento de América Latina, entendemos que um governo local inteligente não se faz sem infraestrutura, talento, parcerias e governança. Este último aspecto é particularmente importante, pois funciona como elemento articulador de estratégias de transformação digital, definindo o alcance, a direção, responsabilidades e procedimentos para a caminhada em direção a governos e territórios mais responsivos e resilientes. Além disso, uma sólida estrutura de governança também constrói bases para a sustentabilidade de iniciativas de transformação digital, que para ter sucesso precisam transcender o horizonte temporal dos ciclos políticos.
Quando tratamos de iniciativas estratégicas e intersetoriais, as Delivery Units, ou unidades de entrega, têm ganhado destaque como um elemento da governança desse processo. Em níveis nacionais de governo, modelos de gestão liderados por centros de governo e por Delivery Units são ferramentas importantes para o cumprimento dos objetivos prioritários e grandes projetos. Em geral, possuem cinco objetivos característicos: (i) gestão estratégica; (ii) coordenação interagências; (iii) monitoramento e melhoria do desempenho; (iv) gestão política das políticas públicas; e (v) comunicação e prestação de contas dos resultados perante a cidadania. Dentro dessas funções, as Delivery Units têm a responsabilidade de traduzir as prioridades dos governos em metas mensuráveis e por acompanhar seu cumprimento.
Esse modelo de atuação parece particularmente adequado a governos subnacionais, uma vez que eles têm papel direto na prestação de serviços públicos e interagem de maneira próxima com os cidadãos e cidadãs. Afinal, pode ser difícil avaliar a política macroeconômica de um país, mas qualquer um pode observar se as ruas estão limpas, os parques são seguros e o transporte público é pontual.
Numa recente publicação, analisamos 13 casos de cidades dentro e fora da América Latina que se utilizam de modelos de Delivery Units para levar à frente seus objetivos estratégicos. Embora bastante consolidados em cidades norte-americanas e europeias, as cidades da América Latina ainda não aproveitam de forma extensa os benefícios que esse modelo organizacional e de governança de agendas estratégicas pode trazer. Quando o fazem, acabam por dedicar-se a agendas relacionadas à execução de obras e infraestrutura por meio de escritórios de gestão de projetos, como no casos do estado de São Paulo, monitoramento do planejamento estratégico da cidade ou do ciclo de gestão do prefeito, como em Recife, Rio de Janeiro e Osasco, ou finalmente para monitoramento mais amplo de indicadores para prestação de contas aos cidadãos, a exemplo de Buenos Aires. Uma das principais razões para isso está no fato de que elas ainda estão fortemente atreladas ao perfil de liderança que os prefeitos ou governadores impõe, fazendo delas mais uma marca de sua gestão do que um instrumento duradouro de planejamento e monitoramento estratégico.
No entanto, com o protagonismo crescente das novas tecnologias e os benefícios evidentes do uso de dados para melhoria da gestão das cidades, um novo fenômeno vem ganhando relevância: a união das Delivery Units com a agenda de uso estratégico de dados nos governos. As unidades de dados tentam responder a uma demanda latente que se correlaciona ao aumento exponencial na disponibilidade de dados e informações no território ocorrido nos últimos anos. Partindo da premissa que não se pode gerir o que não se mede, essas instâncias têm a função de coletar dados, organizá-los e promover seu uso para uma melhor tomada de decisão. À essa convergência do uso intensivo de dados e das unidades de entrega estratégica dos governos damos o nome de Delivery Units 2.0
Neste Policy Brief, analisamos 12 casos de cidades ao redor do mundo que têm aproveitado a capacidade de entrega da Delivery Unit tradicional com os atributos tecnológicos das Unidades de Análise de Dados, gerando assim serviços radicalmente melhores aos cidadãos. As Delivery Units 2.0 podem atuar como aceleradoras da implantação do uso estratégico, intensivo e extensivo de dados na gestão da cidade. No trabalho, identificamos cinco modelos diferentes de formação e operação dessas unidades: (i) unidades de delivery e unidades de dados que cooperam; (ii) unidades de delivery tradicionais que absorvem funções típicas de tecnologias de dados; (iii) uma unidade de dados que ganha relevância a ponto de incorporar funções de Delivery Units; (iv) uma unidade de prontidão que ganha relevância estratégica em contextos de emergência e acaba por funcionar como uma Delivery Unit; e (v) uma unidade de operações/situação integrada ao centro de governo.
A agenda de uso de dados para a gestão das cidades se encontra em franca expansão, e o baixo número relativo de iniciativas identificadas nesses estudos mostra o seu potencial para os próximos anos. Os modelos de Delivery Units 2.0 são interessantes porque combinam inovação em governança, uso de dados e a agenda estratégica no centro das administrações. Ter esses elementos presentes na gestão local aumentam muito o impacto potencial das iniciativas dos governos, e precisamos de bons exemplos regionais que evidenciam o valor dos dados para os governos do futuro. O que falta aos governos para avançar nessa direção?