A inteligência artificial pode melhorar a administração da Justiça?
As oportunidades e os desafios da Inteligência Artificial (IA) estão intrinsecamente ligados ao desenvolvimento assimétrico que costuma ser inerente aos países da região da América Latina e do Caribe. É muito difícil desenvolver um ecossistema inclusivo e sustentável de automação e aplicação massiva de sistemas de IA com as organizações ainda trabalhando com processos e tecnologias de 70 anos atrás. Pobreza estrutural, problemas de acesso a serviços essenciais e falta de infraestrutura coexistem com ecossistemas muito embrionários de digitalização, conectividade e interoperabilidade.
Embora as novas tecnologias sejam ferramentas valiosas para acabar com a “burocracia da impressão” e, assim, abrir as portas para um Estado inteligente 4.0, muitos dos avanços na região são dificultados pelos desafios enfrentados pela digitalização de processos. Apesar disso, a justiça latino-americana desenvolveu soluções de IA que buscam superar esses desafios e problemas.
Para entender o possível impacto da adoção da IA na aplicação da Justiça na América Latina, a Diretoria de Inovação Digital do Estado, da Vice-presidência de Conhecimento do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina, conduz uma iniciativa regional para analisar a utilização da Inteligência Artificial aplicada ao setor de Justiça e avaliar seu potencial para reduzir e gerir três características principais de nossas sociedades: complexidade, incerteza e imprevisibilidade.
Uso estratégico de dados e Inteligência Artificial no setor público
A governança de dados é o “oxigênio da automação” e a base para a aplicação de todos os sistemas de IA. Em última análise, o objetivo é processar dados automaticamente para resolver problemas, ajudar os funcionários a complementar e aprimorar as habilidades humanas.
No setor público, o potencial da IA pode fornecer soluções de alto impacto nas esferas de saúde, educacional e judiciária, bem como no funcionalismo público, segurança e, em geral, na gestão das relações com os cidadãos. Além disso, permite uma maior acessibilidade aos serviços públicos, reduzindo substancialmente seus custos, ao permitir a automação dos processos e procedimentos públicos, oferecendo aos cidadãos a oportunidade de interagirem com o Estado de forma mais ágil, eficaz e personalizada.
A introdução de IA baseada em uma governança de dados adequada não só tem o potencial de otimizar o tempo da Justiça, mas também permite mitigar danos colaterais, aumentar a eficiência dos demais poderes e órgãos vinculados ao judiciário, na medida que permite atingir o objetivo de tratar de forma mais imparcial e equitativa os assuntos que afetam as empresas.
Desafios éticos da aplicação da Inteligência Artificial no setor público
O uso da IA em processos de tomada de decisão no setor público requer uma reflexão exaustiva em termos de ética e, de forma mais ampla, de governança. As tecnologias de IA podem aumentar as chances de discriminação, preconceitos negativos e podem prejudicar desproporcionalmente as comunidades marginalizadas. Por esse motivo, deve-se evitar que os conjuntos de dados utilizados pelos algoritmos dos sistemas de IA, durante as fases de treinamento, teste e operação, contenham vieses, imprecisões ou erros inadvertidos, por serem incompletos ou devidos a modelos de governança deficientes. Para isso, é fundamental que a etapa de governança de dados garanta o cumprimento de critérios quantitativos e qualitativos, bem como a integridade dos dados.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE e o Grupo de de Especialistas de Alto Nível em IA da Comissão Europeia reconhecem os requisitos essenciais que os sistemas de IA devem atender para serem considerados confiáveis: i) intervenção humana e supervisão; ii) robustez e segurança; iii) privacidade e governança/gestão de dados; iv) transparência e explicabilidade; v) diversidade, não discriminação e equidade; vi) bem-estar social e ambiental; e vii) responsabilidade e prestação de contas.
Experiências com a IA na América Latina
Pesquisas realizadas dão ênfase especial às experiências de uso de tecnologias emergentes na Justiça da América Latina e do Caribe. Nessa região, é crescente a demanda por assistência desse tipo de tecnologia, devido à assimetria entre o número de demandas e as pessoas destinadas a atendê-las. Ao mesmo tempo, nota-se que a rapidez e a agilidade da Justiça é um dos principais requisitos da cidadania.
O estudo sobre o uso estratégico de dados e Inteligência Artificial (IA) no setor público para geração de valor social e econômico, a ser publicado em breve pelo CAF no âmbito da Diretoria de Inovação Digital do Estado (DIDE), da Vice-Presidência de Conhecimento, tornou possível identificar uma série de boas práticas e lições aprendidas que devem ser levadas em consideração ao projetar, desenvolver ou implementar soluções de IA no setor público: 1) esclarecer que os objetivos devem ser voltados para tornar as tecnologias inclusivas, 2) que, antes do projeto ou desenvolvimento do sistema de IA, haja um diagnóstico da organização em questão, 3) que os trabalhadores desenvolvam novas competências e habilidades específicas tecnologias digitais e desaprendam técnicas, formatos e abordagens utilizadas sob o paradigma anterior, 4) que o sistema seja projetado tendo o usuário em mente, em um formato intuitivo e amigável, em uma linguagem clara e compreensível ao alcance de todos, 5) que o controle humano esteja presente em todo o ciclo de vida do sistema e, por fim, que receitas ou fórmulas de outros países com realidades, culturas, economias e ecossistemas diferentes, só poderiam gerar um efeito contrário ao desejado.
Em conclusão, no setor da Justiça, a automação de tarefas e documentos e a simplificação dos processos e procedimentos públicos podem ajudar a que os sejam resolvidos em menor tempo, tornando a Justiça mais eficiente e eficaz. Dessa forma, a democratização dos benefícios da IA contribuirá para uma capacidade mais justa do Estado de responder às crescentes demandas dos cidadãos.
Será realizado, em 15 de setembro, Fórum ExperiêncIA, dados e Inteligência Artificial no setor público em que este e outros casos serão discutidos em profundidade, por responsáveis por esta e outras experiências.