Como avançar com a agenda de infraestrutura?
A infraestrutura é uma das opções mais potentes para alavancar a recuperação e promover um padrão de crescimento mais sustentável e sustentado na região. Razões para isto não faltam e incluem o elevado multiplicador do investimento, a redução dos custos de produção, os impulsos à produtividade e à competitividade, sobretudo para micro, pequenas e médias empresas, o fomento à economia circular e à descarbonização e o combate à pobreza.
Mas, se os benefícios são assim tão flagrantes, então por que a nossa região registra elevado e crescente déficit de investimentos no setor? As explicações são muitas e uma das mais imediatas está associada às dificuldades fiscais por que já passavam vários governos, mas que foram exacerbadas pela pandemia, o que deverá constranger ainda mais a capacidade de investimento público no setor ao longo dos próximos anos. Neste contexto, a participação da iniciativa privada em projetos se torna ainda mais necessária e até crítica.
Embora com participação crescente, a presença privada e internacional em projetos de infraestrutura na região ainda é modesta, o que se deve, ao menos em parte, à ainda incipiente indústria de project finance (PF) e de PPP, modalidades que ainda estão por realizar o seu potencial e preencher muitas das lacunas da nossa ampla agenda de investimentos.
As baixas taxas de juros em países avançados e a elevada liquidez nesses mercados, combinados com a busca por diversificação de cadeias globais de valor e aproveitamento de oportunidades derivadas da necessidade de redução de hiatos de investimento em infraestrutura têm incentivado fundos e investidores internacionais a considerarem com mais atenção mercados como os da América Latina.
Após o choque causado pela pandemia, quando os números de novos negócios em PF encolheram significativamente, os ventos começaram a mudar e, ao final deste ano, os negócios deverão superar aqueles de 2019, ano pré-pandemia, com um salto de 32% em nível global. As estatísticas também são alentadoras para a região e estima-se que os recursos envolvidos em operações de PF neste ano superarão os US$ 20 bilhões, valor bem superior ao observado no ano anterior.
Embora já haja experiências e resultados satisfatórios de participação privada em projetos na região, será preciso fazer muito mais se quisermos escalar e elevar a agenda da infraestrutura à condição de vetor de transformação e crescimento. Afinal, PF e PPP requerem condições adequadas e apropriadas para a identificação e mitigação de riscos e para que os projetos estejam alinhados com os princípios orientadores de muitos dos investidores e fundos estrangeiros.
A boa notícia é que governos da região estão cada vez mais atentos à necessidade de terem uma política clara para o setor, aos benefícios de uma arquitetura jurídica e regulatória moderna, bem como à necessidade de promoverem programas de estímulo à infraestrutura para atrair o setor privado. Também estão atentos à temas como a incorporação dos SDG nos programas e projetos e à importância do controle da pandemia e do aumento do ritmo de vacinação como fatores atratores de investimentos.
Neste sentido, países como Brasil e Colômbia estão reformando e modernizando as suas normativas e reforçando as autoridades correspondentes, enquanto outros, como Panamá, República Dominicana, Paraguai e Costa Rica, estão introduzindo marcos legais e desenvolvendo os sistemas pertinentes.
O que mais os países da região poderiam fazer para acelerar a participação do setor privado na infraestrutura? As experiências internacionais sugerem alguns temas e, dentre eles, está uma governança sólida, o que passa pela criação ou fortalecimento de uma entidade reguladora forte e bem preparada e de uma unidade central de planejamento, coordenação e tomada de decisões e com o encargo de desenvolver estratégias. Também será útil que esta unidade promova a padronização de processos, procedimentos e documentos e que garanta a transparência e a accountability.
Outros temas são garantir que se incorporem desde o início aos projetos os princípios de ESG e as melhores práticas internacionais em assuntos ambientais e sociais; que haja um pipeline contínuo de projetos bem estruturados e financiáveis para ir a mercado; legislações descomplicadas e fáceis de entender, de forma a proteger investidores, projetos e consumidores; e a incorporação de novas tecnologias e digitalização. Medidas como estas ajudarão a trazer mais confiança a todos os envolvidos na indústria.
A atração de investidores estrangeiros também é convergente com as necessidades de promover e compartilhar na região conhecimentos sobre PF e PPP, formar capacidades profissionais especializadas e atrair financiamento e o mercado de capital globais, já que os mercados locais ainda não atendem a todas as expectativas de financiamento e soluções financeiras requeridas, em especial para projetos grandes e complexos.
As instituições financeiras multilaterais também podem contribuir para a formação e o fortalecimento da indústria por meio da capacitação, cooperação técnica para o desenvolvimento institucional, assessoramento financeiro e modelagens de PPP, atração de fundos não reembolsáveis para a preparação de projetos e instrumentos de mitigação de riscos políticos, bem como por meio de instrumentos financeiros como dívida e fundos de dívida, garantias, apoio em emissão de títulos, operações em moeda local, dentre outros instrumentos financeiros e não financeiros que podem ajudar a aumentar a qualidade e o rating dos projetos e abaixar os seus custos.
Só com boa infraestrutura não se vai longe, mas sem ela não se vai a lugar algum. O desenvolvimento do setor requer novos modelos de negócio e novos players e a incorporação de ideias com visão de futuro.