Alta tecnologia com baixa produtividade

16 de agosto de 2022

Como explicar a persistente pobreza e atraso econômico da América Latina e Caribe? As explicações são, obviamente, muitas, mas muitos analistas destacariam falta de reformas econômicas. Mas, quando olhamos mais de perto, vemos que a região tem experimentado sucessivas reformas desde ao menos os anos 1990. De fato, a região promoveu abertura econômica e meteu-se em acordos comerciais e de investimentos, flexibilizou leis de distintas áreas da economia, adotou novas políticas monetárias e fiscais, dentre outras tantas medidas. Mas, por que então a pobreza segue elevada e o crescimento econômico tem sido frustrante?

Para ajudar a desvendar a questão, considere uma importante variável: a produtividade. A produtividade da região representava 40% da americana em 1980, mas, hoje, corresponde a apenas 26%. Algo similar passa na comparação com países da Europa. Definitivamente, algo não vai bem nessa variável tão crítica. As explicações da baixa produtividade são várias, mas tomemos uma em particular. Evidências empíricas sugerem que defasagem no uso e aplicação de tecnologias de ponta e baixo aproveitamento daquele uso ajudariam a explicar parcela importante do diferencial de produtividade entre países.

A modo de exemplo, pense num caso bastante simples e familiar: o telefone celular. Para além de comunicação convencional e participação em redes sociais, o celular democratizou o acesso a um gigantesco rol de informações e bases de dados, aplicativos sofisticados para fins profissionais e de acesso a mercado, aplicativos acadêmicos, de conhecimento, aprendizagem e formação dentre outros tantos serviços com impacto potencial na produtividade. Mas, apesar disso, e apesar de tantas pessoas da região terem um celular – em 2020 havia 102 linhas de celular habilitadas para cada 100 pessoas, evidências mostram que o uso e o aproveitamento daquela tecnologia para fins profissionais eram bastante discrepantes entre pessoas da região e de países avançados. Algo similar se observa no uso de computadores, robôs, equipamentos de transporte, de construção civil e outras tecnologias. Como desvendar esse enigma de alta tecnologia com baixa produtividade?

A explicação mais potente está associada à deficiências em capital humano, desde baixa escolaridade à indicadores relevantes para a adoção e uso de tecnologias, como desenvolvimento cognitivo, habilidades específicas em áreas tecnológicas, disponibilidade de engenheiros e cientistas e disponibilidade de universidades e centros de pesquisa. Evidências mostram que o enorme atraso da região naqueles indicadores tem implicações como resistência à adoção e uso de novas tecnologias e métodos de trabalho, inabilidade na gestão de novas tecnologias, baixa qualidade dos produtos e serviços, pouca pontualidade com clientes, bem como desenvolvimento insignificante de novas tecnologias, mesmo em áreas em que países da região já têm presença produtiva relevante, como mineração e agricultura.

De fato, a história é profícua em mostrar como pouco e mal aproveitado uso de tecnologias pode ser punitivo. Tomemos o caso do Chile ao final do século XIX e início do século XX. Na virada do século, o país respondia por cerca de 40% do mercado mundial de cobre, mas, por volta de 1911, aquela participação havia caído para menos de 4% em razão de práticas primitivas de produção e pouco conhecimento de geologia e métodos avançados de processamento, o que levaria o país a experimentar queda significativa da produção. Apenas com a aquisição das minas chilenas por empresas estrangeiras que manejavam tecnologias avançadas é que o país voltaria a ter protagonismo no setor. Caso similar experimentou o México no mesmo período. Como contraponto, o desenvolvimento da indústria mineira americana no século XIX foi acompanhado por pesados investimentos em capital humano e em desenvolvimento científico e tecnológico, o que daria vazão a uma ampla gama de atividades derivadas diversificadas e sofisticadas e à uma crescente liderança em vários setores manufatureiros da correspondente cadeia de valor. A questão, portanto, é sobre o como e não somente sobre o que se produz.

Experiências do Brasil são reveladoras. Até por volta dos anos 1990, o país era importador líquido de alimentos, mas grandes investimentos em conhecimento, ciência e tecnologia, formação e extensionismo iniciados nos anos 1970 levariam o país a incorporar, adaptar e desenvolver tecnologias e aumentar a produtividade a ponto de se tornar um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. Uma outra experiência foram os pesados investimentos iniciados também décadas atrás na formação de engenheiros, técnicos e cientistas da área de petróleo, o que levaria o país não apenas a incorporar, mas, também, a desenvolver tecnologias em áreas avançadas como produção em águas super-profundas e pré- e pós-sal e se tornaria um dos maiores produtores mundiais de petróleo. Uma terceira experiência é o setor aeroespacial. Uma decisiva política de formação de engenheiros e técnicos também iniciada décadas atrás levaria o país a inicialmente incorporar e logo a desenvolver tecnologias que o levaria a assumir posição relevante na indústria global de aeronaves e outras tecnologias avançadas. Embora experiências como essas sejam bastante importantes, elas também revelam a necessidade de aterrizar a agenda de capital humano em favor de toda a economia e não de forma localizada, de tal forma a promover o aumento amplo e generalizado da produtividade, que é a receita mais perene para se romper com o atraso econômico e social.

Para que a região possa realizar todo o seu inigualável potencial de negócios em mudanças climáticas, bioeconomia, agricultura e mineração sustentáveis, segmentos industriais e outros tantos setores e desenvolver soluções adequadas ao contexto local, será fundamental investir em capital humano, gestão, ciência, tecnologia e inovação. Afinal, já aprendemos que a simples importação de tecnologias não nos leva longe. Somente assim será possível crescer a taxas mais elevadas, gerar empregos de qualidade e promover qualidade de vida digna para toda a população.

Autores:
Jorge Arbache
Jorge Arbache

Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-