A América Latina e Caribe (ALC) é uma das regiões menos integradas comercialmente. De fato, apenas 15% das suas exportações se destinam aos próprios países da região. Para referência, na União Europeia aquele coeficiente é de 55% e no Tratado de Livre Comércio da América do Norte é de 38%. As justificativas para promover maior integração regional são velhas conhecidas nossas, mas, à elas, temos que agregar novas justificativas, como a crescente onda de protecionismo em nível global, temas geopolíticos, que estão bloqueando o funcionamento do comércio e da OMC, debilidades das cadeias globais de valor, tal como expostas pela pandemia e pela guerra da Ucrânia, e temas ambientais.
A experiência da região mostra que a integração é um desafio que vai muito além da assinatura de acordos comerciais e redução de tarifas de bens. Desafios logísticos para transporte de mercadorias, variadas e complexas barreiras não tarifárias, múltiplos temas de facilitação de comércio e baixa complementariedade produtiva entre países, que impede a formação de cadeias regionais de valor, estão entre os temas relevantes. Mas a integração regional poderia beneficiar-se de um leque mais amplo de comércio. Ali poderiam estar incluídos o comércio de serviços, a agenda digital, a integração energética e a integração de políticas e negócios ambientais. Claro, cada uma dessas agendas é um mundo à parte e tem as suas próprias dimensões, mas todas elas são altamente promissoras. A modo de exemplo, considere o caso dos serviços.
Os serviços são a principal atividade econômica dos países da região, com média de 65% de participação no PIB, número comparável ao da União Europeia. Por certo, há muita variância entre países. No Brasil, os serviços passam de 73% do PIB, enquanto na Argentina, Paraguai e Venezuela a participação é bem menor. Na cesta de consumo domiciliar, os serviços podem passar de 70% do total dos gastos, o que destaca o imenso potencial do comércio de serviços de consumo pessoal. Mas os serviços de apoio às atividades econômicas podem ser ainda mais atrativos. Afinal, a participação dos serviços nas cadeias de valor é elevada e seguirá crescendo em razão da arquitetura de produção e gestão baseada no outsourcing.
O comércio de serviços corresponde a apenas 6% do PIB da região, enquanto é de 26% na União Europeia. As exportações intrarregionais de serviços correspondem a 11% do total da ALC e, portanto, é um número não muito distante do observado nas exportações gerais da região. Porém, trata-se de uma fração pequena de uma fração pequena, o que revela o imenso espaço de crescimento daquele comércio.
Para além do potencial de negócios, vale considerar outros aspectos positivos. O comércio de serviços requer substancialmente menos investimentos em logística e em capex e, desta forma, os prazos, custos e riscos envolvidos podem ser significativamente menores do que no comércio de mercadorias. Muitos serviços são produzidos por pequenas e médias empresas, incluindo startups dinâmicas e inovadoras, sendo que muitas delas são geridas por jovens e por mulheres. Os serviços são a atividade que mais gera emprego por dólar exportado. E, finalmente, a produção de serviços está concentrada em cidades médias e grandes, que é onde está a maior parte da população e os grandes bolsões de pobreza da região.
O comércio de serviços não substitui o comércio de bens. Evidências empíricas mostram que um está atado ao outro por uma relação simbiótica, o que se deve à natureza das cadeias de produção e à necessidade de serviços para o comércio de bens. Ademais, quanto mais diversificada for a pauta de comércio de bens, desproporcionalmente maior será a contribuição de serviços requeridos, seja pela via direta, tais como serviços de distribuição, transportes, manutenção de equipamentos e serviços legais e financeiros, seja pela via indireta, tais como serviços “embutidos” nas mercadorias, tais como patentes, P&D e marcas. Agregue-se, ainda, que a presença comercial em serviços gera conhecimento de mercado, cria vínculos e parcerias com empresas locais, promove investimentos e identifica novas oportunidades de negócios.
Embora ainda modesto, abundam as estórias de sucesso no comércio regional de serviços em áreas como tecnologia da informação, serviços financeiros, seguros, serviços de apoio a negócios em geral, construção civil e serviços de transporte. O próximo passo é escalar e ampliar a intensidade e o leque de atividades.
O e-commerce poderia ter contribuição quase imediata na integração regional, aumentando as opções dos consumidores e abrindo novas fronteiras de negócios para empresas da região. O aumento do turismo regional e dos serviços culturais também poderia contribuir para a integração regional.
Avançar na agenda de comércio de serviços requer enfrentar desafios e, dentre os mais importantes, estão a harmonização regulatória e de padrões, a simplificação e a digitalização de procedimentos. Para além desta agenda, a expansão do comércio se beneficiaria de esforços em áreas como acesso a crédito para financiamento à produção e à exportação, fomento à inovação e ao desenvolvimento de novas tecnologias, capacitação, melhoria de gestão, serviços de extensionismo para pequenas e médias empresas, mais e melhores informações sobre oportunidades de mercado e agendas de facilitação de comércio e investimentos. Para a expansão do e-commerce regional seria útil revisar temas específicos, incluindo o de minimis, o comércio por transporte aéreo e assuntos cambiais, sistemas de pagamentos e seguros.
A proposta de valor do comércio regional de serviços é valiosa e os seus benefícios podem ser expressivos para a ampliação da integração regional e para a formação de um padrão mais sofisticado e ambicioso de comércio e investimentos na região.
Jorge Arbache
Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
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