A perversa “loteria do berço”
19 de dezembro de 2022
É indiscutível que a América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo. Desde os tempos coloniais, a má distribuição da riqueza e das oportunidades nos caracterizou de forma persistente. Embora vários indicadores de desenvolvimento econômico e social revelem uma notável melhoria ao longo das últimas décadas, os mesmos desequilíbrios de sempre continuam.
Fornecer um diagnóstico atualizado, que também incorpore elementos que sirvam para mudar o estado atual das coisas, foi o objetivo do Relatório de Economia e Desenvolvimento que preparamos no CAF e que acaba de vir a público. “Desigualdades herdadas” é o título do estudo, que enfoca a baixa mobilidade intergeracional como causa do que nos acontece.
O diagnóstico confirma que vivenciamos um fenômeno que tem muito de inercial, com suas raízes na perversa “loteria do berço”, uma vez que fatores como local de nascimento, características do domicílio, gênero e pertencimento a um determinado grupo étnico operam tanto como um fardo quanto como um facilitador para atuar na vida. Tanto no que diz respeito às possibilidades de boa formação de capital humano quanto de acesso a empregos de qualidade e acumulação de ativos, os dados já foram lançados a favor de uns e contra outros.
Um caso típico é o da educação. Mostramos como a proporção de crianças nascidas na década de 1980 que conseguiram concluir a faculdade e que vieram de famílias cujos pais não a completaram é de apenas 12%. Por outro lado, essa probabilidade para aqueles com pais formados é próxima de 50 por cento.< / p>
Pontos de partida que são diferentes na prática acabam determinando o destino e o futuro de uma determinada pessoa quando esta chega ao mercado de trabalho. Além disso, a informalidade é muito mais prevalente entre as famílias mais pobres, que têm dificuldade em ter casa própria ou em regularizar um título de propriedade. O caso das mulheres, cujas desvantagens são ainda maiores e que se encontram presas em armadilhas que impedem seu progresso, merece menção especial.
Dessa forma, vivemos em uma região onde o que acontece com nossos filhos ou conosco já está pré-estabelecido por fatores alheios ao nosso controle. Há mobilidade social, mas muito menos do que em outras latitudes, onde o terreno é mais plano para todos.
Sem dúvida, muitos dos flagelos que experimentamos são ao mesmo tempo causa e efeito do que afirmo. A falta de equidade, além de condenável do ponto de vista do desenvolvimento individual, tem impacto negativo no crescimento ou na estabilidade política e institucional, corroendo a confiança dos cidadãos na democracia.
Não é à toa que surgem protestos diante da percepção de que sair às ruas é uma forma de pressionar por soluções que não chegam por meio dos canais estabelecidos. Outros flagelos, como a violência ou as atividades ilícitas, incluindo o tráfico de drogas, se alimentam do caldo de cultura das injustiças.
Por isso, o relatório que divulgamos também é um chamado à ação e ao fortalecimento da presença do Estado. Para começar, é preciso nivelar as condições iniciais relacionadas ao acesso e à qualidade da aprendizagem desde a mais tenra idade. Isso precisa ser complementado com mercados de trabalho que promovam a mobilidade e busquem igualar o potencial produtivo dos trabalhadores. Também é preciso acrescentar políticas que passem pelo acesso ao crédito formal ou pelo fortalecimento dos regimes de proteção social, entre outros.
Nesse contexto, o CAF, como banco da recuperação econômica e social da América Latina, se propôs a impulsionar investimentos nas regiões e setores mais vulneráveis da população, como os afrodescendentes e os indígenas. Um exemplo disso é o Programa de Prosperidade na Colômbia que, por meio do financiamento de um total de 1,2 bilhão de dólares e da constituição de um fundo de pré-investimento, direciona suas ações nas regiões mais pobres do país para promover maior equidade e inclusão social, bem como promover o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Vencer a batalha contra a desigualdade não é fácil, mas é do interesse de todos. Existem maneiras específicas de fazer isso que exigem vontade, liderança e visão de longo prazo. No CAF, apoiamos essa tarefa crucial para o futuro da região.
Sergio Díaz-Granados
Presidente Ejecutivo, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-
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