O debate sobre política industrial mudou, e rapidamente, tanto de rumo como de intensidade. O tema, que até pouco tempo atrás era visto por muitos com suspeita em razão de seu alegado intervencionismo em mercados, entrou com força na pauta de política econômica de países desenvolvidos, incluindo Estados Unidos e União Europeia. As justificativas dessa mudança incluem geopolítica, busca de independência e autonomia produtiva, geração de emprego e renda e até controle da inflação.

Nos Estados Unidos, o governo do presidente Obama publicou documentos sobre os benefícios de uma política industrial ativa num contexto de crescente complexidade estratégica e de concentração de mercados, e da necessidade de proteger empregos. No governo Trump, a Casa Branca implementou políticas comerciais e de investimentos para proteger a indústria controversas desde a perspectiva da OMC e introduziu a política de “reshoring” de promoção da volta para casa de fábricas americanas sediadas na China. O governo Biden combinou ambas as estratégias para conformar uma política industrial ainda mais ampla e ambiciosa. A Comissão Europeia, por sua vez, já há anos vinha discutindo documentos de política industrial. Mais recentemente, passou a implementar aquelas políticas justificadas, dentre outros, na defesa de interesses estratégicos e na necessidade de promover a economia digital, a transição energética e a agenda de sustentabilidade. Em ambos os casos, a política vem ancorada em substanciais recursos orçamentários.

No frigir dos ovos, saem de cena a promoção do livre comércio e das cadeias globais de valor e entra em cena a promoção das cadeias locais de valor. É uma mudança radical e com muitas implicações. Mas, ainda, mais disruptiva é a crescente tendência de fragmentação de padrões e normas internacionais, incluindo em finanças, sistemas produtivos, economia digital e em serviços, com impactos potencialmente profundos nos mercados.

E a América Latina e Caribe (ALC), como se coloca nessa agenda em mutação? A região se beneficiou da globalização e do livre comércio que reinaram em décadas recentes. Afinal, a população em geral passou a consumir tecnologias, eletrônicos, têxteis e bens industriais variados a preços acessíveis, com benefícios mensuráveis no bem-estar e até na pobreza. Para não ir longe, pense na popularização do telefone celular na região. O protecionismo, o subsídio, o debilitamento da institucionalidade do comércio mundial e a fragmentação de padrões não atendem, portanto, aos interesses da região.

O que fazer? A esta altura, parece pouco realista esperar que o livre comércio voltará à cena no horizonte previsível e parece mais razoável esperar que viveremos num ambiente de mais, e não de menos intervenções nos mercados. Neste contexto, a região deveria antecipar-se para proteger os seus interesses, o que poderá incluir a promoção da sua indústria. Mas, qual política industrial a região deveria promover?

De partida, há que se reconhecer que a região apresenta uma gama de situações. Há países que se industrializaram e se desindustrializaram, como o Brasil, há outros que iniciaram uma industrialização que logo perdeu fôlego, e há outros que praticamente nunca entraram num ciclo de desenvolvimento industrial. Finalmente, há país que avançou no setor industrial, mas dentro de um marco muito específico, como a participação no acordo comercial Estados Unidos, México e Canadá.

Diferentemente dos países avançados, cujas motivações para a promoção de políticas industriais passam, primordialmente, por temas geopolíticos, na ALC as motivações passam, primordialmente, pela agenda social e pela necessidade de alterar o padrão de inserção no comércio global.

Numa conjunção em que a atividade industrial emprega cada vez mais ciência, tecnologia, inovação, talentos e novos modelos de negócio e em que os mercados estão cada vez mais concentrados, parece pouco razoável esperar que políticas industriais convencionais serão eficazes. Para dar frutos, será preciso empregar uma política industrial com abordagem pragmática, vislumbrar alternativas e enfocar na agregação de valor, no uso de tecnologias avançadas e no aumento da produtividade e competitividade de tal forma a aproximar a região da economia global. Dito isto, quais seriam as oportunidades para a região?

A região deveria promover negócios associados a nichos de mercado afeitos às condições dos nossos países. Poder-se-ia considerar ao menos duas avenidas. Uma primeira seria composta por negócios que a região já tem vantagem comparativa e que já dispõe de conhecimento, talentos, experiência, regulação e instituições apropriadas àquelas atividades. Dentre as atividades com essas características estão a agricultura, proteínas animais, mineração, óleo e gás, florestas e biodiversidade. A captura de valor viria do processamento e distribuição de alimentos, processamento e enriquecimento de minerais, indústria do óleo e gás, drogas medicinais e cosméticos, dentre tantos outros. Trata-se, portanto, da diversificação da produção em cadeias das quais já participamos.

Uma segunda avenida está associada ao powershoring, tal como temos discutido neste espaço, explorando as capacidades únicas da região para disponibilizar energia verde, segura, barata e abundante e o imenso potencial de desenvolvimento do mercado de carbono. Trata-se de oportunidades de atração de investimentos diretos estrangeiros industriais, em especial de países que estão sob pressão geopolítica, de custos e da agenda de compliance ambiental, fatores que têm ameaçado a competitividade e até a sobrevivência de empresas.

Ambas as avenidas estão ancoradas em bases realistas, são potentes e altamente promissoras, podem gerar muito emprego formal, valorizam o parque industrial já existente, ajudam a formar cadeias locais e regionais de valor e podem contribuir de forma decisiva para modernizar a economia da região. Para tanto, será preciso implementar, em diálogo e coordenação com o setor privado, políticas e medidas específicas que reduzam a percepção de risco e fomentem a previsibilidade, identifiquem e tratem de elos fracos das cadeias produtivas e enfoquem em incentivos microeconômicos adequados e sustentáveis.

Diferentemente de outras políticas industriais, essas são virtuosas, pois não estão necessariamente condicionadas a protecionismo e subsídios, geram resultados de interesse global e compartilham oportunidades com investidores estrangeiros. Ou seja, são políticas que param de pé diante da região e do mundo.

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Autores:
Jorge Arbache
Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-