Anos atrás, publicamos neste mesmo espaço um texto sobre os desafios e perspectivas para o crescimento econômico da América Latina e Caribe (ALC). Muito se passou na economia global desde então alterando de forma significativa muitos parâmetros econômicos fundamentais e, desta forma, o crescimento que se observaria.

Dentre as alterações inesperadas estão incluídas uma devastadora pandemia, a guerra na Europa, o aumento das tensões geopolíticas, o processo de desglobalização, o aumento das barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias e as intervenções nos fluxos de capitais e nas fusões e aquisições. Mas não foi só. A taxa de crescimento econômico em nível global despencaria e é provável que tenhamos entrado num novo padrão de crescimento, este, mais baixo e com mais pobreza e desigualdade. Mas tampouco parou ali. A volatilidade tornou-se parte do dia a dia nos mercados, nos preços e na vida das pessoas e das empresas, o horizonte temporal encurtou e a percepção de incerteza e de riscos se generalizou. A inflação alcançaria patamares há muito não vistos e adentraríamos num ambiente de ameaça de estagflação. E indicadores de desempenho e de monitoramento de mercado perderiam potência para guiar decisões, o que dá uma ideia de como os mercados se desorganizaram.

Num ambiente como este, investimentos de maior impacto – normalmente aqueles que requerem capital de longo prazo e custo de capital mais favorável, como as infraestruturas – se retraem e dão lugar a movimentos especulativos. Para a ALC, que já vinha experimentando crescimento abaixo da média mundial, esse ambiente seria especialmente danoso. A região precisa desesperadamente encontrar o fio da meada do crescimento e recuperar o tempo perdido, se quiser manter a paz social e a estabilidade política. Afinal, prosperidade compartilhada é grande aliada das democracias.

Mas o maior desafio da região não é crescer de maneira pontualmente rápida, mas crescer de forma sustentada. Crescimento sustentado refere-se a um padrão de crescimento caracterizado por marcha persistente e pouco volátil da taxa de crescimento. E não é preocupação menor. Evidências empíricas mostram que o grande salto dos países que hoje já são economias avançadas decorreu de períodos longos de crescimento econômico a taxas moderadas, mas persistentes no tempo, e não a taxas elevadas, mas erráticas, viabilizando, assim, um processo cumulativo e permanente de transformação econômica e social. Afinal, crescimento sustentado vem acompanhado de ambiente econômico mais previsível e de menos incertezas, requisitos fundamentais para se planejar, poupar, investir e alocar recursos de forma mais eficiente.

Nesse contexto global tão complexo, onde deveríamos apostar as nossas fichas para promover o crescimento sustentado da ALC? Preferencialmente, em atividades que ocuparão um lugar privilegiado na estrutura de demanda mundial ao longo das próximas décadas e que estejam ancoradas em setores em que a região já tem vantagens comparativas e competitivas. E também deveríamos apostar no gigantesco potencial de crescimento dos mercados interno e regional.

Quanto à parte internacional, ali estão incluídas as demandas de setores como alimentos, mineração e mudanças climáticas. A modo de exemplo, a Agência Internacional de Energia estima que serão necessários investimentos anuais no setor de energia de ao menos US$ 4 trilhões para que se possa alcançar a neutralidade de carbono no globo até 2050. Já o aumento da classe média na Ásia implicará aumento desproporcional do consumo per capita de grãos, proteínas, frutas e tantos outros alimentos.

A ALC ocupa lugar de destaque na produção agrícola e já é um dos maiores exportadores do mundo. Mas as condições para o aumento da produção sustentável são inigualáveis, o que dá à região espaço de manobra para ser muito mais ambiciosa e almejar agregar valor e exportar alimentos processados, que empregam muito mais gente, geram muito mais renda e fomentam cadeias de valor locais e regionais.

No que tange à mineração, a região também é muito bem-dotada e o futuro passa por aqui. Afinal, está na ALC muito do minério de ferro de mais alta qualidade, fundamental para o aço verde, e muitas das maiores reservas de lítio, níquel e tantos outros minérios críticos e até decisivos para o crescimento econômico mundial, o que também dá respaldo para a industrialização e exportação de valor agregado.

E, finalmente, a ALC tem posição invejável para gozar dos muitos benefícios do powershoring. A região é uma gigantesca potência energética com grande protagonismo em energias limpas e renováveis e em biocombustíveis e está desenvolvendo novas tecnologias e novas soluções para apoiar a transição climática. A grande capacidade de produzir energia verde, segura, barata e abundante, o distanciamento de temas geopolíticos e o aumento do compliance ambiental global põe à região condição privilegiada para receber plantas industriais estrangeiras intensivas em energia e que buscam proteger os seus interesses corporativos contribuindo, assim, para a aceleração e redução dos custos da descarbonização dos países de origem daquelas plantas, tais como os países europeus.

Apesar das dificuldades, há motivos para otimismo. Desde distintos indicadores, a região tem mostrado que é resiliente à crises e que goza da confiança dos investidores. De fato, a ALC é a maior receptora líquida de investimento direto estrangeiro em nível mundial e isso diz muito. Realizar todo o potencial de crescimento requer uma importante capacidade, pública e privada, de mobilização de recursos financeiros e não financeiros e de políticas públicas bem desenvolvidas, articuladas e implementadas. A ALC poderá ter um grande protagonismo na arena global e ser fonte de soluções e de crescimento sustentado e sustentável que beneficie à sua própria população e à população mundial. Será preciso, para isto, saber reconhecer, valorizar e aproveitar o imenso potencial que temos em nossas mãos.

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Autores:
Jorge Arbache
Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-