Descarbonização e comércio internacional

Data do artigo: 09 de novembro de 2023

Autor del post - Jorge Arbache

Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-

Em breve haverá mais uma COP que, uma vez mais, tratará do cumprimento do Acordo de Paris para limitar o aumento da temperatura média do planeta a até 1,5C. Esses esforços são mais que necessários, afinal, a despeito de a temperatura média do planeta estar subindo mais rapidamente do que o previsto e de haver evidências inequívocas de associação entre mudanças do clima e aumento da intensidade dos eventos climáticos extremos, não se vê, até o momento, o senso de urgência que a situação requer.

Vemos, isto sim, grande e crescente atenção às oportunidades de negócios associadas à mudança do clima e políticas que miram interesses locais, quando o tema transcende fronteiras e requer cooperação e ações coordenadas e coletivas. A modo de exemplo, mais de 85% dos novos projetos de energia verde se concentram em alguns poucos países desenvolvidos e na China, como se fora possível se salvar sozinho, enquanto países em desenvolvimento enfrentam grandes dificuldades de acesso a financiamentos e tecnologias para a adaptação e mitigação.

Embora os esforços de países avançados e da China para avançar com a transição energética sejam importantes, afinal, são eles os maiores emissores de gases de efeito estufa, ainda serão necessárias várias décadas para que as respectivas matrizes elétricas sejam carbono-neutras. A preocupação aumenta ainda mais quando testemunhamos atrasos e flexibilizações nas metas e nas políticas ambientais de vários países avançados e quando também testemunhamos crescente onda popular de oposição às políticas de descarbonização. Este tema está se tornando tão complexo e divisivo que já até faz parte de campanhas eleitorais e já até está levando empresas a revisarem planos de investimentos verdes naquelas economias.

Para preservar o planeta, será preciso lançar mão de um arsenal mais amplo de instrumentos, e um deles é o comércio internacional. De fato, a interconexão econômica entre países oferece oportunidades únicas para a descarbonização. Considere o powershoring. A América Latina e Caribe (ALC) tem a matriz energética elétrica mais verde do mundo e vários países já têm matrizes praticamente verdes ou bastante verdes, resultado de vantagens comparativas ambientais, grandes esforços prévios de investimentos em energias renováveis e do desenvolvimento de tecnologias e cadeias de valor de biocombustíveis e outras tecnologias sustentáveis. Tudo isto coloca a região numa posição privilegiada de time-to-market e de estruturas de custo atrativas para produzir manufaturas verdes. Além disto, políticos e a população em geral apoiam políticas de sustentabilidade.

Pense nos casos do aço verde e do combustível de aviação sustentável (SAF). Países da ALC dispõem de minério de ferro de alta qualidade, amplos recursos hídricos e energia renovável para produção de hidrogênio verde (H2V), elementos requeridos para a produção do aço limpo, insumo crítico para esverdear muitas cadeias de produção mundo afora. Países da região também já dispõem da biomassa e outras condições necessárias para produzir SAF de maneira bastante competitiva.

Ao acolher cadeias industriais intensivas em energia e acelerar a oferta de manufaturados verdes para o mundo, o powershoring reduz os custos e os prazos da descarbonização, ajuda no enfrentamento das resistências às políticas ambientais em países avançados e atende aos interesses corporativos de competitividade, compliance e descarbonização. Portanto, o powershoring promove a eficiência enquanto atende aos interesses de todos.

Mas há outros canais por meio dos quais o comércio internacional pode acelerar a descarbonização. O comércio encoraja a disseminação de tecnologias mais limpas e inovadoras, facilita o acesso às tecnologias de energias renováveis, promove a eficiência energética por meio da troca de conhecimentos e produtos inovadores e estimula cadeias de suprimentos mais verdes. O comércio internacional também premia, via mercado, países que buscam liderar investimentos e tecnologias de práticas sustentáveis, estimulando uma corrida global por novas soluções. O mercado global de créditos de carbono e de serviços ambientais também estimula a descarbonização e a preservação. E o comércio internacional pode funcionar como plataforma de colaborações e parcerias.

Mas, a despeito dos evidentes benefícios do comércio para a descarbonização, há desafios. Políticas protecionistas, de discriminação e de subsídios na área verde implementadas por países avançados já vêm causando profundas distorções nos sistemas de preço e na alocação de recursos e investimentos, alienando principalmente países em desenvolvimento. Igualmente, políticas que levam à virtual paralização do sistema de soluções de controvérsias e outros marcos institucionais no âmbito da OMC também limitam a contribuição do comércio para a descarbonização. Outro grande desafio é a imposição unilateral, por parte de países avançados, de regras, padrões, certificações e outros mecanismos e barreiras não tarifárias que neutralizam vantagens comparativas e competitivas ambientais, em especial de países da ALC. A falta de uma arbitragem internacional imparcial e equilibrada para determinar e monitorar padrões, normas e barreiras não tarifárias na área verde pesa para converter a agenda de descarbonização numa agenda inclusiva e de empoderamento coletivo. Um outro desafio é a imensa desigualdade no acesso a tecnologias sustentáveis e a financiamentos e garantias para viabilizar investimentos verdes em países em desenvolvimento. Finalmente, é essencial que haja coerência e equilíbrio entre políticas ambientais, comerciais e de desenvolvimento econômico e social de forma a que a descarbonização leve em conta as imensas diferenças e necessidades entre países.

O comércio talvez seja a agenda com abordagem mais holística para a promoção da descarbonização. Afinal de contas, o comércio acelera os tempos e reduz os custos da transição e ainda combina a agenda climática com agendas de interesse nacional, de transição verde e justa e de interesses corporativos. Portanto, não é exagero considerar o comércio como sendo um dos mais poderosos catalisadores nas lutas contra as mudanças climáticas e contra as resistências às políticas de sustentabilidade.

Jorge Arbache

Fechar modal
Jorge Arbache

Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-

É formado em Economia e Direito e doutor em Economia pela Universidade de Kent . Foi Secretário de Relações Internacionais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Brasil e Secretário Executivo do Fundo de Investimento Brasil-China. Também foi economista-chefe do Ministério do Planejamento no Brasil; Assessor econômico sênior da Presidência do BNDES e economista sênior do Banco Mundial em Washington, DC. É professor de economia na Universidade de Brasília. Arbache tem mais de 28 anos de experiência nas áreas de governo, academia, organizações internacionais e setor privado. Seu interesse reside nas agendas de crescimento econômico e nas políticas setoriais que incluem comércio internacional, investimento, produtividade, competitividade, inovação, economia digital, indústria e serviços. Ele é autor de quatro livros e dezenas de artigos científicos publicados em revistas acadêmicas internacionais. É o fundador do blog economiadeservicos.com, que é o principal fórum de discussões sobre serviços e economia digital no Brasil.

Categorias
Água Recursos hídricos gestão Drenagem Potavel e saneamento Irrigacao Meio ambiente Negócio verde Mudança climática Gestão ambiental Cidades Competitividade urbana Desenvolvimento urbano Infraestrutura e mobilidade Energia Energía eficiente e renovável Infraestrutura energética Integração energética Venezuela Uruguai Trinidad e Tobago República dominicana portugal Perú Paraguay Panama México Argentina Barbados Bolivia Brasil Caribe Chile Colombia Costa rica Ecuador El Salvador espana Europa Jamaica biodiverciudades transicionVerde Inovação Transporte Gerenciamento do tráfego Mobilidade urbana Segurança rodoviária Infraestrutura rodoviária Logística

Notícias em destaque

Imagen de la noticia

Água, Meio ambiente, Cidades

05 dezembro 2024

Imagen de la noticia

Meio ambiente, Brasil, Cidades

05 dezembro 2024

Imagen de la noticia

Água, Meio ambiente, Cidades

19 novembro 2024

Imagen de la noticia

Água, Meio ambiente, Treinamento

19 novembro 2024

Mais notícias em destaque

Assine nossa newsletter