O que esperar da América Latina e Caribe em 2024
11 de janeiro de 2024
Previsões sobre o futuro econômico da América Latina e Caribe (ALC) invariavelmente têm um tempero amargo. Razões para o pessimismo incluem a baixa produtividade, baixa participação em cadeias globais de valor, baixo investimento em ciência e tecnologia, deficiências de capital humano, deficiências regulatórias e de institucionalidade, alta informalidade, gestão fiscal desafiadora, limitações de financiamento, poupança e investimento, crime, dentre outros temas conhecidos.
Mas é preciso levar em conta também o copo meio cheio. E razões para otimismo não faltam. Para não ir longe, pense em um par de temas. Um primeiro é a demografia. A população da região ainda é relativamente jovem e o pico populacional deverá ocorrer em quatro a cinco décadas, com implicações potencialmente importantes para o investimento, o consumo e a competitividade. Um segundo tema é a produtividade. Sim, a produtividade da região é estruturalmente baixa, porém, o espaço de “low-hanging fruits” para aumentá-la é enorme e intervenções pontuais e baratas podem ter impactos econômicos desproporcionalmente elevados e rápidos.
Agora, considere a política econômica. Como outras regiões, a ALC também ficou exposta à disrupção das cadeias globais de valor nos anos da pandemia, mas gestão monetária prudente levou a um controle exemplar da inflação, com taxas substancialmente menores e menos persistentes que a dos países avançados. E algo virtuoso também se vê na gestão macroeconômica prudente, que tem sido, grosso modo, mantida mesmo em contextos de mudanças de orientação política de governos.
Mas os atrativos da região vão além. A região, como nenhuma outra, tem enorme potencial para se converter num grande motor de soluções para a descarbonização e para a escassez de alimentos. Diferentemente do que vemos em países avançados, a agenda de sustentabilidade não é uma cunha que divide o debate político. Ao contrário, é ponto de convergência na formulação de políticas públicas, o que tem ajudado a ampliar e acelerar aquelas agendas.
A crescente necessidade mundial para acelerar a descarbonização cria enorme espaço de influência para a região. Pense no powershoring, a estratégia empresarial de localização geográfica da produção associada à disponibilidade de energia verde, segura, barata e abundante. De fato, a região tem a matriz elétrica mais limpa do mundo – Uruguai e Paraguai, por exemplo, têm matrizes elétricas praticamente 100% verdes e a do Brasil é 85% verde – enquanto isto, a média global é uma fração desse valor, o que torna a região atrativa para investimentos industriais intensivos em energia.
A região tem enorme potencial para produção de hidrogênio verde (H2V) a custos competitivos, tem grandes reservas de muitos dos mais importantes minerais críticos da nova economia, como o lítio, cobre, níquel, grafite, silício, terras raras, minério de ferro de alto teor e tantos outros, têm muita água doce, muitos ricos e variados biomas e florestas, gigantesco potencial para a bioeconomia, muitas terras férteis ainda disponíveis, muita biomassa, incomparável potencial para participar e expandir o mercado de carbono e é líder global em tecnologias, modelos de negócios e produção de biocombustíveis. A região também é candidata natural a participar da diversificação geográfica da produção manufatureira associada à constituição de redes de resiliência a fenômenos climáticos extremos e tem sido alvo do nearshoring e do friendshoring, estratégias de relocalização de plantas industriais, que antes estavam parqueadas na Ásia, para atender aos mercados dos Estados Unidos e Europa.
Com esse conjunto único de atributos, a região pode produzir bens industriais com muito menos emissões que países avançados e com um time-to-market e estrutura de custos sem comparação. A agricultura, por sua vez, pode expandir significativamente a produção, ao tempo em que avança em tecnologias sustentáveis e regenerativas, uso de terras degradadas e outras técnicas amigáveis ao meio ambiente. O powershoring já está atraindo investimentos e alí incluem-se o aço, H2V, cimento, papel e celulose, fertilizantes, SAF, vidros, cerâmicas, química e outros setores que precisam descarbonizar para proteger a competitividade empresarial e atender ao compliance ambiental.
E considere a geopolítica. Diferentemente de outras regiões, a ALC está protegida de muitos dos mais complexos temas, o que lhe proporciona espaço para explorar oportunidades de comércio e investimento de forma pragmática. Esse tema não é menor, afinal, a geopolítica determina, e cada vez mais, a localização de investimentos.
Assim que a região se apresenta para o mundo como fonte de soluções para grandes temas, e tudo isto pode criar as bases para um crescimento não apenas mais sustentável, mas, também, mais sustentado. Mas, para que a região possa realizar todo aquele potencial, será necessário focar na agregação de valor, que os mercados internacionais funcionem e que medidas protecionistas unilaterais, subsídios, imposição de regras, padrões, certificações e outros mecanismos e barreiras não tarifárias que neutralizam as vantagens comparativas e competitivas ambientais da ALC sejam tratados.
De acordo com estimativas do FMI, a região deverá crescer modestamente em 2024, mas em patamar bem superior ao dos países avançados, e a diferença para a média dos países emergentes vem diminuindo. Não será surpresa, como já aconteceu recentemente, que o crescimento registrado seja maior que o esperado. A despeito da queda do investimento direto estrangeiro (IDE) em nível global, a participação relativa e absoluta da região no IDE vem aumentando, tendo passado de 9% do total, em 2021, para 16%, em 2022, e as projeções indicam novos aumentos. Mesmo num contexto fiscal e internacional complexos, alguns países da região têm experimentado melhoria de indicadores de risco e várias das maiores gestoras globais de fundos já estão aumentando a exposição em ALC.
A despeito das dificuldades que temos, há evidências de que a ALC estará melhor na foto neste ano e de que os ventos do futuro deverão insistir em nos favorecer. Toca a nós – governos, setor privado, bancos e organizações multilaterais – fazermos a nossa parte para ajudar a transformar todo aquele potencial em realidade.
Jorge Arbache
Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-
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