Como mitigar a frustração com a agenda do clima
12 de março de 2024
Temos presenciado crescente incômodo com a agenda do clima em países desenvolvidos. As frustrações têm motivações variadas, mas vale destacar as relacionadas com o aumento percebido no custo de vida, o ônus percebido com o financiamento da transição para fontes de energia renovável, os impostos sobre carbono e emissões, os impostos para financiar gastos públicos, e a percepção de que o tema do meio ambiente comprime taxas de retorno de investimentos.
Esta frustração é inquietante, pois compromete aquele que talvez seja o mais urgente desafio que temos diante de nós. Para que a agenda do clima possa resistir às críticas e ampliar a base de apoio, será necessário que ela priorize as pessoas. E, para isto, será preciso encontrar meios que brindem o mundo com soluções verdes, seguras, baratas e eficientes. Pense no tamanho do desafio da Europa, que se comprometeu em reduzir as emissões em nada menos que 55% até 2030.
Recentemente, a Comissão Europeia anunciou proposta de meta de 90% até 2040. Devido aos elevados custos das opções de descarbonização, não será nada fácil às regiões desenvolvidas alcançarem metas ambiciosas de corte de emissões e em prazos relativamente curtos sem frear o crescimento econômico.
A região da América Latina e Caribe (ALC) pode ajudar a atacar desafios como esse. Afinal, a região já tem a mais verde das matrizes elétricas, pode aumentar a oferta de energia renovável a custos marginais decrescentes e o custo da energia renovável pode ser bastante competitivo para padrões internacionais. Países com esses atributos estão bem-posicionados para participarem da estratégia empresarial do powershoring e acolher plantas intensivas em energia que necessitam descarbonizar e reduzir custos em passo acelerado.
A produção manufatureira sob condições do powershoring pode ser determinante para resguardar interesses corporativos, mas, também, das pessoas. De fato, o powershoring pode contribuir para reduzir custos com energia, eliminar custos com direitos de emissão, acelerar a colocação de produtos verdes no mercado, reduzir gastos com compliance ambiental e reduzir impostos. Com isto, pode-se fornecer mais rapidamente ao mercado internacional insumos e bens de consumo verdes e a preços mais acessíveis.
Setores de altas emissões, como o aço, ferro, alumínio, cerâmica, vidro, fertilizantes, cimento, hidrogênio e química, estão especialmente expostos às normas ambientais que impactam custos e preços finais. Considere o caso do aço, que responde por entre 7% e 9% de todos os gases de efeito estufa do planeta, e cujo custo para conversão de plantas maduras pode ser proibitivo. Na União Europeia, o aço responde, sozinho, por 22% de todas as emissões industriais. O aço de baixas emissões produzido em zonas de powershoring poderia ter amplas repercussões águas abaixo em processos produtivos que usam o metal, ajudando a baratear e a esverdear carros, construção civil e outros bens de interesse popular – para referência, o aço e o alumínio podem representar 70% do peso de um carro de porte médio. A estratégia do powershoring também pode apoiar o atingimento das NDC de países que importam e substituem o aço e outros insumos verdes, bem como a redução do custo da transição energética desses países. Ao aliviar a carga fiscal e a inflação que pesam sobre os ombros das pessoas, o powershoring se apresenta como aliado da descarbonização e poderia ajudar a angariar a necessária simpatia para com a agenda do clima.
Mas, para que a ALC possa contribuir, é necessário que o comércio seja peça do tabuleiro da descarbonização. Porém, o que vemos é uma crescente politização e mercantilização da agenda verde em países desenvolvidos, com crescente protecionismo tarifário e não tarifário, crescente discriminação contra produtos verdes importados, subsídios sem precedentes para a produção local de bens verdes, mesmo que não sejam nada competitivos, e bloqueio a novos acordos de comércio. Tudo isto desorganiza mercados, interfere na alocação de recursos, fomenta ineficiências e eleva preços e a dívida pública.
Para além de frustrar seus próprios cidadãos, a atual política de países desenvolvidos também pode gerar frustração em cidadãos de países em desenvolvimento. Afinal, aquelas intervenções em mercados reduzem a atratividade de investimentos verdes em países do sul, promovem desvios de investimento e elevam o custo do capital naqueles países. Tudo isto neutraliza vantagens comparativas e oportunidades de monetizar negócios verdes que poderiam ser cruciais para financiar a adaptação e a mitigação.
Mas países da ALC também têm elevado potencial e competitividade para a produção de biocombustíveis e hidrogênio verde, têm muitas das maiores reservas de minerais estratégicos, a mais rica biodiversidade e gigantesco potencial de mercado de carbono e de bioeconomia. E a região também tem muita água doce e enorme capacidade para aumentar a produção agrícola para apoiar a luta global contra a insegurança alimentar. Mas, tal qual ocorre com o bloqueio ao comércio, também observamos manifestações que neutralizam o potencial nestas outras áreas. Pense nas resistências às soluções baseadas na natureza e à cobrança por serviços ambientais.
A ALC é considerada a região cujos políticos e a população mais guardam simpatia pela agenda do clima. Todavia, este panorama poderá se alterar em razão da escassez de meios e recursos para combater os efeitos da mudança do clima. A fragmentação dos mercados internacionais e a visão imediatista poderão ser especialmente danosas para países em desenvolvimento com mercados internos pequenos e que enfrentam ainda mais restrições e desafios.
Para avançar, será preciso estimular o comércio de produtos de baixo carbono com mecanismos comerciais preferenciais, rastreabilidade e comprovação de origem. O G20 e a COP30 no Brasil são oportunidades valiosas para tratar desses temas e da sua relação com a descarbonização nos países desenvolvidos, o desenvolvimento econômico e social e o financiamento da agenda do clima em países em desenvolvimento.
Jorge Arbache
Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-
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