3 experiências latino-americanas para enfrentar desafios das cidades
Nas cidades da América Latina, os formuladores de políticas públicas tomam, diariamente, decisões que afetam a dinâmica cotidiana dos cidadãos. As avaliações de impacto podem contribuir para a geração de conhecimento sobre os problemas urbanos e as políticas públicas que lhes dizem respeito?
As decisões referentes às políticas públicas das cidades têm impacto direto em nossas vidas, desde o planejamento das vias para evitar congestionamentos até as políticas de segurança para evitar o avanço das taxas de criminalidade. É fundamental que essas decisões sejam baseadas nas evidências disponíveis, adquiridas a partir das diferentes experiências de concepção, implementação ou avaliação das políticas.
Seguem abaixo casos de avaliações de impacto que buscam contribuir para a geração de conhecimento em torno de três problemas urbanos:
Inadimplência fiscal local
A cobrança de impostos é uma atividade essencial para os governos locais. Os impostos são alocados para financiamento de despesas relacionadas a serviços públicos básicos, como transporte público e limpeza, além de atividades culturais e recreativas. Portanto, é essencial que os governos locais tenham uma capacidade de arrecadação eficiente, sendo a redução das taxas de inadimplência uma questão fundamental.
O que mostra a evidência? Diversas experiências foram realizadas na tentativa de identificar formas de reduzir as taxas de inadimplência no pagamento de impostos locais e uma das estratégias a partir da qual os governos podem aprender inclui o envio de lembretes com componentes comportamentais para os contribuintes inadimplentes. Por exemplo, o CAF -banco de desenvolvimento da América Latina- conduziu uma avaliação de impacto junto à Prefeitura de Sucre (Caracas, Venezuela), a qual demonstrou que o envio de lembretes via e-mail expressando claramente as possíveis consequências legais do não pagamento de impostos no prazo e facilitando o pagamento online aumentou em 10 pontos percentuais a probabilidade de pagamento das dívidas em um período de dois meses.
Criminalidade urbana
Nas cidades, a criminalidade tende a se concentrar em áreas específicas. Segundo Blattman, et al (2017), os homicídios ocorridos em Bogotá, bem como 25% dos crimes registrados no período de 2012 a 2015, foram concentrados em 2% das ruas da cidade. Essas áreas costumam se tornar a sede local de crimes, como roubo ou homicídio, e até de atividades ilícitas, como o tráfico de drogas. Portanto, é vital que os governos urbanos implementem políticas efetivas que ajudem a reduzir a criminalidade nessas regiões, bem como na cidade como um todo.
O que mostra a evidência? Um programa que fornece insights interessantes para os formuladores de políticas é o de patrulhamento centralizado, o qual consiste em concentrar o patrulhamento policial em locais de conflito, identificados como áreas com altas taxas de criminalidade, delineando uma estratégia frequente e padronizada de vigilância para essas zonas específicas. Por exemplo, o CAF participou de uma avaliação de impacto que mediu a eficácia de uma política de patrulhamento em locais de conflito de Bogotá, na Colômbia, em que serviços municipais, como iluminação e limpeza de ruas, também foram reforçados nas áreas patrulhadas. Depois de ter sido implementada essa estratégia, as áreas que receberam intervenções apresentaram redução nas taxas de criminalidade de 0,3 desvios-padrão. Embora haja evidências de deslocamento de crimes a residências para outras áreas da cidade, as lições aprendidas com essa experiência constituem uma contribuição valiosa em termos de análise da dinâmica e direcionamento da criminalidade, impactando, portanto, na tomada de decisões relacionadas à segurança local.
Transporte público ineficiente
Dispor de um sistema eficiente de transporte público, com capacidade instalada para atender toda a demanda de maneira eficaz e que forneça a conectividade ideal a seus usuários, é um dos aspectos-chave da vida nas cidades. No entanto, de acordo com o Índice de Transporte Público do Moovit, a América Latina está relativamente atrasada nessa área. Das 100 cidades melhor posicionadas no índice, a cidade melhor classificada da região aparece apenas em 47º lugar – São Paulo, a primeira a apresentar indícios de progresso no transporte público na América Latina.
O que mostra a evidência? A quantidade de estudos rigorosos sobre o tema do transporte urbano é muito limitada. No entanto, isso representa uma oportunidade para os formuladores de políticas se concentrarem em gerar evidências que sirvam de aprendizado para experiências futuras. Por exemplo, em Bogotá, na Colômbia, o impacto do sistema de transporte massivo Transmilenio (TM) foi avaliado, em termos do tempo total de viagem dos usuários em comparação com usuários de outros meios de transporte. Os resultados indicam que o Transmilenio impacta, em maior grau, os indivíduos dos estratos mais vulneráveis, que reduziram seu tempo total de viagem em 24,5%.
Por outro lado, o CAF está avaliando a eficácia de algumas melhorias na ferrovia Belgrano Sur em questões de conectividade, na Argentina, e, embora ainda não tenhamos resultados dessa avaliação, um dos aprendizados preliminares concentra-se na importância de dispor de meios de transporte que levam em conta a dinâmica dos cidadãos para prestar um serviço verdadeiramente eficaz em termos de conectividade. Embora as evidências sobre o assunto sejam limitadas, casos como a avaliação do Transmilenio e do Trem de Belgrano demonstram como novos meios de transporte público, ou avanços nos já existentes, podem contribuir para a melhoria da mobilidade urbana em nossa região e destacam a importância da geração continuada de evidências sobre o assunto, como mecanismo de aprendizagem constante.
Ainda que os exemplos mencionados não constituam uma solução única para os problemas levantados, nem necessariamente sejam aplicáveis a todas as cidades, o processo de aprendizagem que eles geram para os governos é de grande valor. Instituições como a Behavioral Insights Team (BIT) publicaram documentos resumindo as descobertas das mudanças na gestão de certos programas urbanos e sua eficácia, mantendo uma abordagem semelhante à do CAF, trabalhando lado a lado com os formuladores de políticas. Dessa forma, aprendizagem contínua pode ser gerada, não apenas orientada para os resultados de uma avaliação específica, mas também contribuindo para a incorporação do conhecimento adquirido ao longo do processo de avaliação, a geração de habilidades dentro da instituição e a discussão global sobre como podemos usar os dados e as evidências que geramos para formular políticas cada vez mais robustas e melhorar os processos públicos e torná-los mais eficazes.