América Latina segue atrasada na oferta de um ensino secundário de qualidade

Um novo estudo do CAF e da organização R4D oferece uma série de recomendações para reduzir os altos níveis de abandono escolar no ensino secundário – cerca de 40% –, com a finalidade de promover que todos os jovens adquiram as habilidades necessárias para atuar com sucesso no mercado de trabalho e na vida social e, assim, impulsionar o desenvolvimento socioeconômico da região.

15 de agosto de 2018

Coletar dados precisos sobre os alunos e programas, envolver mais os pais e as famílias, melhorar a qualidade dos docentes e incorporar a perspectiva de gênero nas políticas públicas educacionais. Estas são algumas das recomendações que o relatório “Políticas para melhorar a permanência e a conclusão do ensino médio na América Latina e no Caribe”, elaborado pelo CAF -banco de desenvolvimento da América Latina- e pela organização Resultados para o Desenvolvimento (R4D), propõe para reduzir o abandono escolar e alcançar uma educação secundária universal e de qualidade na América Latina e no Caribe.

A publicação, baseada na análise de quatro iniciativas escolares no México e Chile, destaca que, atualmente, apenas 59% dos estudantes latino-americanos concluem o ensino secundário – sendo os maiores índices de conclusão registrados pelas mulheres –, uma taxa muito inferior à esperada, considerando que o ensino secundário é obrigatório na maioria dos países da região.

Embora a evasão na educação secundária varie significativamente entre os países, o relatório sugere que tal fato condiciona o crescimento econômico e contribui para a disseminação da economia informal, que, atualmente, emprega praticamente metade dos trabalhadores latino-americanos. Além disso, as pessoas que deixam a escola mais cedo tendem a passar mais tempo desempregadas e a dispor de menos ferramentas para lidar com os desafios que surgem durante e após o período escolar.

“Nos últimos 20 anos, a América Latina teve progressos significativos em termos de acesso ao ensino secundário, tanto homens quanto mulheres. De qualquer forma, os altos níveis de evasão do ensino secundário representam um freio no desenvolvimento socioeconômico da região e exigem soluções coordenadas para fazer com que mais alunos possam concluir seus estudos e contribuir em seus futuros empregos para aumentar a produtividade e a competitividade da América Latina”, explica Julián Suárez, vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável do CAF.

Para conter as taxas de abandono escolar no ensino secundário, o relatório propõe nove recomendações, que devem ser implementadas tendo em conta a perspectiva de gênero, com base na qualidade dos ambientes de aprendizagem, abordagens inclusivas e participativas, dados e orientação, coordenação e investimento em capacidade escolar.

  1. Melhoria do ambiente escolar para promover uma sensação de pertencimento. Estratégias potenciais para melhorar o ambiente escolar incluem o desenvolvimento de planos de aperfeiçoamento escolar, treinamento dirigido de conscientização para os professores (inclusive em relação a gênero), garantia de que os alunos em situação de risco recebam atenção individualizada e agrupamento de estudantes que enfrentam desafios semelhantes, além de oferecer apoio direcionado a esses alunos.

  2. Maior relevância dos currículos escolares e incremento da qualidade pedagógica para melhorar o vínculo com o mercado de trabalho e a continuação dos estudos pós-secundários. Entre as medidas para melhorar a qualidade na aprendizagem destaca-se a incorporação de treinamento em habilidades socioemocionais, que aborda um preocupante desequilíbrio entre o que os alunos aprendem na escola e as habilidades socioemocionais desejadas pelos empregadores. Outras medidas incluem, por exemplo, um maior apoio aos estudantes no planejamento da transição da escola para o mercado de trabalho. 

  3. Incorporar a perspectiva de gênero para a concepção de iniciativas para reduzir a evasão escolar. Iniciativas para o ensino secundário devem considerar como e onde o gênero pode influenciar a participação de diferentes atores e os efeitos dos programas. Avaliações de impacto podem gerar evidências sobre o motivo pelo qual diferentes grupos abandonam a escola, a fim de identificar maneiras de responder e adaptar as estruturas de avaliação sensíveis ao gênero. 

  4. Ampliar a participação dos pais e das famílias. Para alcançar a participação dos pais e das famílias, podem ser implementadas atividades gerais e mais preventivas, além de respostas orientadas para objetivos específicos (mensagens de texto ou visitas domiciliares), para famílias com um menor nível de participação. Iniciativas para envolver os pais podem ser desenvolvidas na escola, em casa e na comunidade de forma mais ampla. 

  5. Sistemas de alerta precoce nos níveis nacional e local. Estes devem incluir componentes de identificação e resposta para garantir que os alunos correspondentes recebam o apoio necessário para permanecer na escola. A identificação deve utilizar dados secundários disponíveis (frequência, comportamento e desempenho dependendo da série), enquanto as respostas devem estender-se ao aluno e sua família e incluir abordagens personalizadas e acompanhamento de longo prazo. 

  6. Fortalecer os dados sobre a implementação. Programas para reduzir o abandono escolar exigem dados precisos sobre como as atividades são implementadas, seus efeitos e o que falta para melhorar as iniciativas e efetivamente expandir os programas. Portanto, estratégias adequadas de monitoramento, avaliação e aprendizagem devem ser integradas aos modelos de programa desde a fase de concepção. 

  7. Fortalecer a coordenação entre as iniciativas nacionais e regionais. A comunicação e coordenação formais entre iniciativas aplicadas direta e indiretamente para reduzir as taxas de abandono escolar devem ser aprimoradas. Uma vez alinhadas ao nível nacional, as iniciativas devem ser trabalhadas em estreita colaboração com os funcionários do sistema educacional estadual ou regional e apoiá-los no sentido de facilitar a implementação local.

  8. Proporcionar recursos para apoiar a tomada de decisões nas escolas. As escolas são, muitas vezes, alvo de dezenas de intervenções que buscam gerar mudanças, o que pode levar à duplicação de esforços, ao uso ineficiente de recursos e à sobrecarga de agentes escolares para coordenar atividades. Esses desafios podem ser amenizados, garantindo que as escolas entendam e organizem planos de acordo com suas necessidades e possíveis soluções, tenham autonomia para decidir como reagir melhor e receber recursos e apoio contínuos.

  9. Investir em capital humano. Os agentes escolares são os profissionais que têm maior proximidade com os estudantes e podem identificar, apoiar e monitorar os alunos que demonstram risco de abandono de maneiras contextualmente relevantes. É necessário um investimento adicional em capital humano existente ou novo para gerar um impacto de longo prazo e favorecer, de fato, o aproveitamento da capacitação, das ferramentas e outros insumos dos programas. 


Lições aprendidas no México e no Chile

As lições aprendidas com estudos de caso do México – por meio dos casos “Construye T” e “Yo No Abandono” – apontam que iniciativas para frear o abandono escolar estão evoluindo e que houve uma mudança de percepção, passando de considerá-lo comportamento de risco para vê-lo como sintoma da necessidade de mudanças mais amplas no âmbito do sistema educacional.

Em vez de focar apenas nos alunos em situação de risco ou nos jovens mais vulneráveis, “Construye T” e “Yo No Abandono” adotam abordagens mais amplas e positivas. Ao mesmo tempo, as bolsas de estudo e outros apoios financeiros para alunos de baixa renda continuam sendo um importante complemento para as soluções em nível escolar para abordar a questão da repetência, sendo que a pobreza e as restrições econômicas ainda representam um obstáculo significativo para que os alunos possam concluir o ciclo de ensino secundário.

No caso do Chile, os dados e o sistema de metas da JUNAEB [Junta Nacional de Apoio Escolar e Bolsas de Estudo] e do programa “Aquí Presente” foram analisados.  Em ambas as iniciativas são combinadas diferentes estratégias para identificar os alunos em situação de risco e lidar com a questão. De um lado, um sistema de alerta precoce em nível nacional, como o da JUNAEB, pode identificar com antecedência e em escala os grupos de alunos que tendem a abandonar os estudos e atribuir recursos e intervenções para reduzir o risco. De outro, uma iniciativa localizada nas escolas, como a “Aquí Presente”, com pessoal dedicado ao programa em tempo integral, pode lidar rapidamente com as necessidades dos alunos, compreender o porquê da situação de risco e desenvolver uma solução personalizada.

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