Ideias para curtir as cidades sem isolamento

“Visiones del Desarrollo” é uma seção oferecida pelo CAF -banco de desenvolvimento da América Latina- que analisa os principais temas de desenvolvimento da região. Os artigos contidos na seção são publicados simultaneamente nos sites do Página Siete (Bolívia). Portafolio (Colômbia), La Nación (Costa Rica), El Comercio (Equador), La Prensa (Panamá), ABC Color (Paraguai), El Comercio (Peru), El País (Uruguai), El Nacional (Venezuela).

04 de junho de 2021

E se convertermos as ferrovias esquecidas em ciclovias?  E se transformarmos os restaurantes populares em espaços ventilados para que também seja possível estudar, brincar e ter mais segurança? Se o problema é o acesso à água, por que não implementamos um coletor de água da chuva no coração do bairro com um design de vanguarda e que também sirva para fornecer internet e eletricidade? Essas e outras ideias que surgiram durante a pandemia, além de demonstrarem a criatividade e a capacidade de resiliência da sociedade latino-americana, são sinais da aspiração por um futuro urbano melhor disponível para todos.

As políticas de isolamento por meio de quarentenas rigorosas e toques de recolher para evitar aglomerações nas cidades têm uma resposta cada vez mais limitada frente à necessidade de sair em busca de uma renda que não chega aos lares, em uma região onde a informalidade atinge 54% em média, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Chegou a hora de buscar soluções dentro das próprias comunidades para desfrutar de cidades protegidas e sem isolamento.

"Água!", por exemplo, é uma proposta que começa a marcar o cenário das possibilidades abertas pelo desenvolvimento de sistemas descentralizados na prestação de serviços em bairros que não se conformam facilmente com os rigores das redes centralizadas de água potável, eletricidade e telecomunicações", explica Ana María Durán Calisto, arquiteta, planejadora urbano-ambiental, pesquisadora e escritora equatoriana, referindo-se à ideia do brasileiro Mateus Henrique Hillebrand de instalar um mobiliário urbano multifuncional a fim de melhorar questões urgentes em assentamentos informais.

Bairros que cuidam” descreve uma resposta física e social gestada nos bairros populares de Lima. A ideia propõe uma visão de longo prazo para transformar panelas comuns em equipamentos produtivos que transcendam a emergência e potencializem o papel das mulheres como agentes de recuperação em suas comunidades, lançando as bases para um ambiente acessível, vivo e inclusivo, como explica Paula Villar Pastor, representante dessa proposta.

“As propostas oferecem possíveis cursos de ação. Uma forma de conceber o espaço e sua articulação social, a relação com o ambiente natural, a infraestrutura como objeto de reflexão, a forma de produzir e remunerar esforços; o desafio aqui é encontrar uma mensagem com base em uma abordagem local, em um diálogo interativo entre programa e design", diz Andrés Borthagaray, arquiteto, diretor para a América Latina do Instituto para a Cidade em Movimento da Argentina, e jurado do Concurso de ideias COVID-19: novas oportunidades para cidades sustentáveis, organizado pelo CAF e pela Fundação Avina.

ERES: Espaços de Resiliência Urbana” é um projeto liderado por Matias Gatti González que reivindica a rua como um espaço público primário, com intervenções estratégicas em ruas secundárias de bairros vulneráveis que podem ser convertidas em áreas de uso comum e até mesmo em áreas destinadas somente a pedestres. Embora inicialmente concebida como resposta à crise sanitária e social, a ideia contempla a possibilidade de tornar sustentável a dinâmica gerada nos espaços em que ocorreu a intervenção. 

“A proposta desloca a usual centralidade da praça e do parque para reconhecer a rua como primeiro espaço público e como extensão das moradias populares. É justamente com base no potencial de criação de um tecido comunitário e de espaços de convivência e troca produtiva que o projeto propõe uma imagem futura de ruas voltadas para o uso dos moradores desse espaço e não de veículos motorizados", destaca Lorena Ruiz, doutora em sociologia pela Universidad Complutense de Madrid, pesquisadora, professora e colaboradora da Medialab Prado em Madrid, Espanha.

Antes da pandemia, na América Latina, uma em cada três famílias vivia em moradias inadequadas, sem espaço ou sem serviços básicos para desenvolver uma vida digna, muito menos para cumprir as rígidas regras de distanciamento social impostas pela COVID-19. Os efeitos de uma crise sem precedentes só aprofundaram os problemas estruturais de desigualdade e exclusão nas cidades latino-americanas e por isso é urgente promover novas formas de fazer-cidade e acessar os benefícios da urbanização.

"Em meio a um contexto de severas restrições à mobilidade e ao contato social, é muito importante reconhecer e promover abordagens da sociedade organizada que visem criar de forma sustentável, a partir do espaço público ou de zonas alternativas de integração, ambientes urbanos mais produtivos, inclusivos e ambientalmente responsáveis", diz Pablo López, coordenador da iniciativa Cidades com Futuro do CAF.

As ideias e o compromisso das comunidades, de especialistas e de autoridades permitirão que as cidades encontrem nas restrições da crise pequenos nichos de inovação e criatividade para transcender em direção a um futuro de oportunidades.

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