Inclusão Digital: chave para o progresso

Nos últimos cinco anos, a digitalização na América Latina contribuiu 4,3% para o Produto Interno Bruto regional e gerou mais de 900.000 empregos

27 de julho de 2015

O acesso à Internet mudou a vida de Cecilia Beltramo. Há quase uma década, esta tradutora e editora argentina, de 59 anos, trocou a cidade grande pela vida no campo. Graças à tecnologia, Beltramo pôde substituir o escritório e a poluição por uma sala de trabalho com vista para os pampas argentinos.

Mas, a conexão com o mundo a partir de uma área localizada 135 quilômetros ao sudoeste de Buenos Aires não foi fácil.

À procura desta conectividade, Beltramo percorreu 25 quilômetros para chegar à cidade mais próxima e pagou 10.000 dólares para a única pessoa na região com experiência na construção de torres.

"A única maneira de ter Internet foi através da construção de uma torre e, quando apareceu a oportunidade de construí-la, não tive dúvidas", conta Beltramo.

"Quem construiu a torre foi um senhor bem, bem idoso, conhecido como o 'torrero', porque seu trabalho era construir torres parecidas com a minha para a cooperativa que presta serviços elétricos na localidade de Lobos".

"A torre" é uma construção de metal de 30 metros de altura, equipada com um para-raios e em cuja extremidade se instala um equipamento que aponta para uma antena localizada em uma cidade próxima. A antena capta o sinal e converte a casa de Beltramo em uma das poucas residências na área com acesso à Internet.

Assim, a casa de Beltramo tornou-se um ponto de encontro para crianças que aproveitam a conectividade para fazer suas lições de casa.

A experiência Beltramo é prova de quão avançado o setor da tecnologia da informação e comunicação (TIC) está na América Latina, e quanto mais ainda precisa ser feito para que se obtenha a melhoria da relação entre o acesso à Internet e a geração de riqueza e inclusão social.

Segundo o Índice TIC do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina-, organização que financia vários projetos de digitalização na região, a brecha digital é de 50%. Isso significa que a metade dos latino-americanos não tem qualquer acesso à rede. Apenas 10% têm acesso a conexões de banda larga e 20% estão conectados através da banda larga móvel.

Já com relação às empresas, a penetração é muito maior. De acordo com o estudo "O ecossistema e a economia digital na América Latina", que será publicado em breve e que é patrocinado pelo CAF, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), CET.LA Associação Ibero-americana de Centros de Pesquisa e Empresas de Telecomunicações (AHCIET) e Fundação Telefônica, o uso do computador, Internet e correio eletrônico no setor manufatureiro do continente atingiu níveis que superam os 70%. No entanto, no que diz respeito à cadeia de suprimentos e aos canais de distribuição, o setor manufatureiro ainda tem que superar alguns obstáculos para progredir na sua digitalização.

Em comparação, a porcentagem de estabelecimentos manufatureiros na Suécia que interagem com o governo através da Internet chegou a 88,8% em 2009 (contra uma média de 45,7% para a América Latina), a porcentagem dos que adquiriram bens eletronicamente na Alemanha foi de 48% em 2007 (contra 41,7% na América Latina), enquanto 44,3% dos estabelecimentos no Reino Unido receberam pedidos de compra através deste mesmo meio em 2008 (contra 32,42% na América Latina).

"A redução da brecha digital pode ser obtida através de esforços públicos e privados", afirma Mauricio Agudelo, especialista de telecomunicações do CAF.

"São necessários 143 bilhões de dólares adicionais para fechar essa brecha digital até 2020", diz o especialista. "E, estes 143 bilhões não virão sozinhos se não existir um marco institucional que promova o investimento, a concorrência, que diminua a incerteza das empresas".

Agudelo participou recentemente no Congresso Latino-Americano de Telecomunicações 2015, em Cancun, organizado pelo CAF, Associação Interamericana de Empresas de Telecomunicações (ASIET), Secretaria de Comunicações e Transportes do México (SCT) e GSMA. Um dos temas discutidos no congresso foi a importância do investimento em infraestrutura como um catalisador do crescimento social e econômico.

Segundo dados do CAF, em um estudo realizado em conjunto com ASIET, CEPAL e Fundação Telefônica, nos últimos cinco anos a digitalização na América Latina contribuiu 4,3% para o Produto Interno Bruto regional e gerou mais de 900.000 empregos, tornando-se um elemento-chave para atenuar a atual desaceleração econômica.

"Este é um mercado que contribui significativamente para o PIB das economias", afirma Agudelo. "Especialistas do setor classificam esse mercado como um setor transversal que contribui indiretamente para outros setores".

Como exemplo, Agudelo cita os setores de serviços, turismo, serviços financeiros, mineração e agricultura.

"Apesar da desaceleração que a América Latina está experimentando, uma maior presença deste setor na economia melhora a produtividade e acelera as taxas de crescimento dos países", diz o especialista.

Com isto em mente, alguns governos da região já lançaram iniciativas.

O Governo do Chile promoveu o programa 'Startup Chile'. Este projeto visa atrair empreendimentos em sua fase inicial com o objetivo de que usem o país como uma plataforma para sair ao mundo. E, a cidade de Medellín, na Colômbia, está em pleno desenvolvimento de um distrito tecnológico que visa atrair empresas relacionadas à ciência e tecnologia, especialmente nos setores de saúde, energia e TICs.

A isso se soma a crescente penetração da telefonia móvel, o que facilita cada vez mais a conectividade dos latino-americanos.

"Tanto o setor de telecomunicações como os governos atribuem, cada vez mais, à banda larga móvel um enorme potencial para reduzir a brecha digital", afirma Gustavo Fontanals, especialista em telecomunicações e pesquisador da Universidade de Buenos Aires.

"Isso vai depender da implantação de políticas de promoção que assegurem que os desenvolvimentos cheguem às áreas menos rentáveis ??e que se dirijam a reduzir os preços dos serviços", explica. "Através de políticas como esta se permitiria o acesso a setores da população que estão desconectados até agora".

Setores como o das crianças que vivem na zona rural e que vão à casa de Beltramo para fazer lição de casa na sombra da sua torre de metal.

 

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