Nove lições para reduzir o efeito de desastres naturais nas cidades da América Latina

Uma nova publicação do CAF e da The New School apresenta seis estudos de caso de resiliência urbana na América Latina, dos quais uma série de lições podem ser extraídas para contribuir para a redução da vulnerabilidade das cidades a desastres naturais.

11 de abril de 2019

Em um contexto marcado por eventos naturais extremos cada vez mais intensos e frequentes, as cidades latino-americanas devem se preparar melhor para garantir a segurança de seus habitantes e sua sustentabilidade econômica. Para isso, é fundamental que as políticas urbanas integrem elementos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e implementem ações coordenadas e intersetoriais, de acordo com as particularidades de cada cidade, segundo o relatório Enfrentando o Risco, publicado pelo CAF – banco de desenvolvimento da América Latina, em parceria com o Observatório para a América Latina da The New School.

O relatório analisa os casos de Manizales (Colômbia), La Paz (Bolívia), Cuenca (Equador), Cubatão (Brasil), Santa Fé e Pilar (Argentina) e descreve diferentes problemas e enfoques da abordagem institucional na gestão da resiliência, para, finalmente, apresentar nove lições e recomendações para reduzir a exposição a desastres e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. 

Segundo o relatório, as ameaças que, no passado, eram sazonais e bastante previsíveis (como períodos de seca e chuvas) estão se tornando cada vez mais imprevisíveis hoje em dia. Portanto, pensando no futuro, as cidades latino-americanas devem analisar os padrões históricos de desastres, mas também serão obrigadas a aprender com as experiências de outras cidades para desenvolver soluções mais criativas para novas ameaças. 

“É necessário elaborar estratégias integrais e modelos de intervenção que permitam abordar a gestão de riscos a partir de múltiplos níveis de governo, com ênfase especial no âmbito urbano. Entender com maior profundidade o papel da gestão local e implementar medidas intersetoriais consistentes também são elementos fundamentais para tornar as cidades mais resilientes”, explica Julián Suárez Migliozzi, vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável do CAF. 

Embora as lições propostas no relatório não sejam concebidas como guias de adaptação para outras cidades, podem se tornar referências para a formulação de políticas públicas de gestão de riscos.

O relatório apresenta as seguintes lições: 

  1. Tirar proveito das novas tecnologias para avaliação de riscos: estudos científicos podem permitir estabelecer padrões de segurança em áreas de risco.

  2. Multidimensionalidade da vulnerabilidade e das respostas: o desenvolvimento urbano e territorial deve ser incorporado à gestão de riscos. O mapeamento de vulnerabilidades pode contribuir para uma maior compreensão do risco e para identificar áreas que requerem atenção especial.

  3. Reforçar as redes de aprendizagem: as redes de troca de experiências, boas e ruins, entre as cidades ajudam na tomada de decisões mais acertadas.

  4. Planejamento para momentos de incerteza: uma estratégia de gestão de riscos deve ser capaz de se adaptar, acomodando seus requisitos e suas especificações a diferentes casos, circunstâncias e atores. A gestão de riscos requer cooperação e adaptação para garantir a viabilidade das estratégias e sua sustentabilidade ao longo do tempo.

  5. Pensar com originalidade: dado o contexto cada vez mais imprevisível, as cidades estão recorrendo a estratégias criativas e não convencionais para a gestão de riscos.

  6. Os limites ecológicos não obedecem a jurisdições administrativas: muitas fontes de risco ambiental extrapolam os limites administrativos urbanos, de modo que as estratégias de gestão de risco não devem se concentrar exclusivamente no que acontece dentro das fronteiras da cidade.

  7. O uso de sistemas de alerta precoce pode salvar vidas: sistemas de alerta precoce podem prevenir a perda de vidas e propriedades, se forem ajustados para responder a diferentes tipos de ameaças e se os cidadãos os conhecerem bem.

  8. As infraestruturas devem ser modernizadas: o investimento em infraestruturas não termina com sua implementação, mas exige controle e manutenção de qualidade constantes. Ignorar a condição da infraestrutura exacerba os riscos naturais.

  9. Envolver atores dentro e fora do governo: o risco não pode ser tratado por uma única agência e não deve ser uma abordagem baseada unicamente em uma resposta setorial. Na verdade, a gestão de risco deve estar integrada em todos os componentes da administração urbana.

 

Estudos de caso para uma América Latina mais resiliente 

Embora as cidades escolhidas variem em termos de geografia, tamanho, recursos e ameaças, seus estudos mostram que a prática urbana eficaz para a gestão de riscos tem formas diversas, mas oferece lições comuns para os tomadores de decisão. 

  • Manizales, Colômbia: Destaca-se pelo refinamento em sua abordagem técnica e pela variedade de práticas de resiliência que vem implementando há décadas. Manizales desenvolveu diferentes ações durante todas as etapas da gestão de riscos: identificação, redução, gerenciamento e até transferência de risco. O estudo analisa a integração da gestão de risco ao Plano de Ordenamento Territorial, a partir da introdução de um modelo probabilístico de avaliação de risco. Este modelo científico é apoiado por evidências de dados meteorológicos georreferenciados de 327 eventos anteriores e ajudou a produzir uma avaliação mais detalhada e realista, o que permitiu o desenvolvimento urbano de áreas adicionais. Também vale ressaltar o modelo de seguro coletivo, único na região, para proteger a população mais pobre em caso de desastres, e o programa “Guardiões da Encosta”, colocado em prática por um grupo de 100 mulheres chefes de família que, além de eliminar o lixo e a vegetação rasteira de obras de infraestrutura, ajuda a aumentar a conscientização cívica sobre a gestão de riscos.

  • La Paz, Bolívia: Este caso exemplifica muito claramente a questão da construção social da vulnerabilidade e do risco. La Paz sofreu catástrofes naturais que determinaram sua política de gestão de risco. A cidade desenvolveu uma política urbana para gerenciar os riscos resultantes da combinação das ameaças naturais e da produção social de vulnerabilidade e do risco. A política urbana é integrada por arranjos institucionais que buscam aliar recursos organizacionais e financeiros e por dois programas implementados pela Prefeitura de La Paz, os quais enfocam os aspectos sociais e de infraestrutura do problema: a Estratégia Municipal de Gestão Integrada de Riscos, implementada pela Secretaria Municipal de Gestão Integral de Riscos, e o Programa Bairros e Comunidades de Verdade, de responsabilidade da Secretaria Municipal de Infraestrutura.

  • Cuenca, Equador: Este caso apresenta uma abordagem à resiliência urbana caracterizada, em maior medida que os demais casos, pelo componente ambiental. Na longa história de Cuenca, desde o estabelecimento pré-colombiano até o presente, a população tem demonstrado uma abordagem para o risco de inundação baseada na preservação ecológica e em um alto grau de consciência e respeito pela variabilidade dos rios. Embora as estratégias convencionais para gerenciar rios urbanos tenham se concentrado no controle de fluxos, com a construção de muros e dutos de concreto, Cuenca demonstrou uma consciência social em relação aos riscos e benefícios dos rios. Historicamente e até hoje, os rios cumprem uma grande variedade de funções, atuando como um ponto de encontro para as interações sociais. A cidade depende do sistema fluvial não apenas para acesso à água potável, mas também para a geração de energia hidrelétrica. Da mesma forma, a gestão da região montanhosa circundante, cujas correntes de água alimentam os rios, é fundamental para as estratégias de desenvolvimento em longo prazo da cidade.

  • Santa Fé, Argentina: Neste caso, o destaque é como capitalizar as conquistas e o reconhecimento internacional em termos de resiliência urbana. Santa Fé fez progressos significativos na gestão de riscos e na construção de uma cidade mais resiliente. Na última década, sua exposição às inundações diminuiu e os indicadores relacionados à pobreza, desigualdade e desemprego mostram melhorias nas vulnerabilidades sociais. Esses avanços são o resultado de mudanças fundamentais na estrutura administrativa e institucional da cidade para a redução do risco de desastres. Embora Santa Fé tenha sido um exemplo de como o desenvolvimento urbano desigual e não planejado promove vulnerabilidades e exposição a riscos, com suas práticas urbanas atuais, mostra que as cidades podem ser as causas de mudanças positivas e que devem desempenhar um papel fundamental para os objetivos globais de maior sustentabilidade e resiliência. A abordagem transversal e abrangente da gestão de riscos de Santa Fé recebeu um amplo e positivo reconhecimento: menção do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR), em 2010, e o Prêmio Sasakawa para a Saúde, recebido em 2011.

  • Pilar, Argentina: O programa Diálogos Hídricos, realizado pela Subsecretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano do Município de Pilar, é a mais inovadora prática de gestão de risco urbano entre os 14 municípios que compõem a bacia do rio Luján. A iniciativa aborda a gestão de riscos em uma estrutura de diálogo e negociação com representantes de condomínios fechados, para mitigar os impactos das inundações na bacia hidrográfica. O programa Diálogos Hídricos promove análises a partir das ameaças ambientais da região, das características sócio-territoriais do município de Pilar e do marco institucional e regulatório de gestão de riscos. O estudo destaca as diferentes visões dos atores envolvidos e termina com uma avaliação dessa nova prática urbana, que inclui restrições legais e econômicas, decisões políticas e desafios futuros.

  • Cubatão, Brasil: O caso de Cubatão mostra os desafios e as dificuldades envolvidos na manutenção de estratégias de gestão de risco bem-sucedidas ao longo do tempo. Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, a cidade de Cubatão foi reconhecida como um símbolo ecológico e um exemplo de sucesso no controle da poluição. O Programa de Controle da Poluição de Cubatão, uma combinação de projetos técnicos e comunitários, teve êxito ao conseguir refrear as fontes de poluição e melhorar a qualidade ambiental da cidade. No entanto, o programa não fazia parte de uma estratégia abrangente de planejamento e desenvolvimento urbano. As novas atividades econômicas poluidoras que surgiram na cidade, combinadas com outros fatores políticos e sociais, deram origem a diferentes dinâmicas e riscos. Sem a capacidade de se adaptar e responder a essas novas condições, a estratégia de gestão de risco de Cubatão só conseguiu manter a qualidade ambiental dentro de padrões críticos aceitáveis.

 

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