Seis recomendações de Mónica González para abordar questões de gênero

Na última década, as sociedades latino-americanas atravessaram mudanças radicais nas quais o papel da mulher passou de secundário a protagonista

15 de março de 2017

A imagem da família "normal" como um pilar da sociedade está se desfocando. Pelo menos no Chile, durante o último ano, 73% dos bebês nasceram fora de uma família convencional, com um pai ausente ou sem que o pai e mãe fossem casados. Além disso, em 40% dos lares de Santiago, a capital chilena, os "chefes de família" são mulheres solteiras.

Com esses dados, Mónica González, veterana jornalista chilena e diretora do Ciper, abre o debate da oficina Mulheres Líderes na Redação. Ela sugere que estes números poderiam muito bem refletir uma realidade similar em qualquer país latino-americano, razão pela qual, nestes momentos, é necessário parar e pensar sobre como abordar as questões de gênero e lhes garantir mais espaço nas pautas dos meios de comunicação. 

 

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González pede para que se evite falar de mulheres "apenas por falar". Concentrar-se em olhar somente no que os ativistas ou os movimentos feministas fazem não é a saída. É preciso revirar a maneira de contar tudo: desde os feminicídios até as histórias que estão por trás desses terríveis casos ou dos números que dizem que a mulher de hoje leva as rédeas da família.

A melhor alternativa, na opinião de González, é dar rosto e alma a essas realidades que afetam não somente as mulheres, mas sim toda a sociedade, porque se traduzem no enfraquecimento das democracias. Também é necessário falar muito mais de desigualdade e de impunidade. Como fazê-lo a partir dos meios de comunicação? Estas são algumas das suas recomendações:

  • Conhecer as leis: para falar sobre a violência, qualquer que seja, é necessário primeiramente conhecer o funcionamento do Estado.  Para isso, é recomendável conhecer o que todas as leis regulam, desde as leis anticorrupção até as que sancionam os principais crimes e que afetam a vida cotidiana dos cidadãos, que é pior no caso das mulheres: na maioria dos países da América Latina, as leis para punir o feminicídio, por exemplo, são imperceptíveis. Isso é algo que se deve enfrentar, denunciar e investigar.

É preciso entender sobre regulamentos ambíguos ou "líricos". Também é necessário chegar à fonte da lei, saber quem a propõe. E então, a partir do jornalismo, tentar responder a certas perguntas fundamentais: Como fazer para que os homens que cometem esses crimes finalmente paguem? Como obrigar o Estado a garantir isso? O que posso fazer para que se preocupem com a formulação de políticas públicas que realmente confrontem estas realidades?

 

  • Saber onde estamos paradas: embora os preconceitos persistam, a América Latina realizou progressos em várias questões, como a homofobia. Algumas nações já têm um conjunto de regulamentações que proporcionam que a discriminação seja sancionada e outras ainda enfrentam níveis homofóbicos desprezíveis. Mas, no fim das contas, trata-se de um progresso significativo que não é visto em questões envolvendo as mulheres.

 

González pergunta: Por que não se vê qualquer progresso no que diz respeito às mulheres sozinhas, principalmente as que se encontram nos estratos sociais mais baixos e que enfrentam a vida com crianças, sem um "macho provedor", sem educação, em situações de pobreza e expostas a serem vítimas de violência?

 

  • Brigar na redação:  Se em uma reunião de pauta onde a maioria é de homens, uma repórter ou editora propuser o tema de uma jovem que foi estuprada por dois rapazes, sendo que todos são moradores de rua, e a resposta for negativa porque se tratam de "viciados em drogas" ou "indigentes", "acostumados a viver assim", e também se comenta em tom de brincadeira para suavizar a situação, "o que você faria?", pergunta González às participantes da oficina.

 

A resposta para isso é clara: "nunca sorria. Permaneça firme com a sua ideia de olhar o que está por trás desta história: quem são, onde nasceram, como chegaram à rua, como vivem assim. Pergunte-lhes: sabem o que significa sobreviver na rua? Sabem quantas pessoas estão vivendo assim neste país? Assim, transformará interrogantes em argumentos sólidos e razões para investigar".

 

  • Trabalhar em equipe com os homens:  González propõe evitar falar sobre discriminação ou violência contra as mulheres como questões isoladas. O trabalho das mulheres jornalistas também está ao lado dos companheiros nas redações e um dos seus desafios é garantir que o que não entende, finalmente possa entender para conseguir ver a agenda que não vê e fazer o trabalho como se deve.

 

  • Mexer onde ninguém mexe: quando se publica uma pesquisa, muitos meios de comunicação se limitam aos números, sem ver o que está por trás de uma cifra nem fazer uma radiografia desses dados.  É nesse "excesso de material" das pesquisas que se encontra o mais valioso. Por exemplo, se o tema for a violência contra a mulher, é preciso procurar os rostos que ilustram estes números; mas não fazê-lo apenas com a dor, as lágrimas, o sangue e as surras. González recomenda mexer no que existe ou existiu por atrás, procurando outras narrativas.

 

  • Esmiuçar o medo: o medo sempre joga um papel importante na violência.  O trabalho do jornalista é esmiúça-lo. Em casos de estupro, por exemplo, é preciso investigar o silêncio da mulher, averiguar como o criminoso a isolou, aterrorizou e ameaçou. Também é uma maneira de quebrar outra barreira: a do silêncio coletivo para jogar contra a normalização da violência.
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A oficina Mulheres Líderes na Redação, da qual participam 16 editoras e repórteres da América Latina, ocorre em Santiago, no Chile, de 14 a 17 de março. Esta atividade é organizada pela Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-americano -FNPI- e pelo CAF -Banco de Desenvolvimento da América Latina-, com o apoio da Pontifícia Universidade Católica do Chile. O evento é liderado por Mónica González, diretora do Ciper e membro do Conselho Reitor da FNPI.

 

 

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