Transporte público na América Latina: é possível que haja uma mudança de paradigma?
Alcançar o funcionamento adequado de um sistema que atenda às necessidades dos usuários em nossas cidades se tornou uma tarefa hercúlea.
Os tempos não estão fáceis para o setor de transporte público no sul do continente: alcançar o funcionamento adequado de um sistema que atenda às necessidades dos usuários em nossas cidades se tornou uma tarefa hercúlea.
O quadro não poderia ser mais complexo: a demanda por transporte público vem caindo, a concorrência informal está ganhando terreno, os custos operacionais estão aumentando, o atraso na infraestrutura continua a impedir o fechamento da lacuna histórica, fraudes de pagamentos, congestionamentos e uma série de problemas estruturais colocam operadores, reguladores e os próprios usuários em uma situação bastante difícil.
Não se deve esquecer que apenas algumas décadas atrás os transportes públicos e a mobilidade na região passaram por um processo de replanejamento. O longo período de negligência, no entanto, cobra agora seu preço, algo que se reflete nos dados coletados pelo Observatório de Mobilidade Urbana do CAF, os quais evidenciam, em muitos casos, a perda de passageiros do transporte público.
Contudo, além dos problemas relacionados à demanda, o transporte público enfrenta desafios para sua sustentabilidade que requerem aspectos de melhoria, como fortalecimento institucional, financiamento de operações, integração modal, inclusão social, acessibilidade universal, regulação, controle, inovação tecnológica, segurança rodoviária e redução de emissões, entre outros.
Tudo isso, necessariamente, com foco no usuário e na qualidade do serviço. Felizmente, a discussão sobre soluções “monomodais” começou a ficar para trás, e o foco está em como melhorar a acessibilidade do usuário de maneira eficiente, acessível, digna, segura e sustentável. Isso implica uma resposta multidimensional que seja capaz de se adaptar às particularidades de cada cidade, em um esforço conjunto com o planejamento territorial.
Do ponto de vista dos operadores, a questão também não é fácil. Com a implementação dos primeiros BRTs, a possibilidade de alcançar a autossustentabilidade financeira na operação ficou profundamente enraizada no arcabouço institucional da região. E assim esse esquema foi replicado em muitos dos sistemas posteriores, bem como em sistemas de ônibus convencionais.
A necessidade de angariar orçamentos que permitissem o desenvolvimento da infraestrutura sem recorrer a recursos públicos para a operação produziu importantes desequilíbrios na equação financeira dos diferentes atores, deteriorando a qualidade do serviço. Essa realidade e a necessidade de subsídios ao transporte público são melhor compreendidas atualmente. No entanto, do ponto de vista público, em um contexto de recursos limitados, não é fácil encontrar uma solução justa e equilibrada.
Além disso, a partir da necessidade imperiosa de descarbonizar o setor de transporte, a necessidade de substituir a frota existente por veículos de baixa emissão começa a ser exigida pela regulamentação ambiental e pela política pública. Tecnologicamente, isso já é viável. Economicamente, no entanto, ainda é algo difícil de implementar para uma grande parte das cidades da região, cujas condições de demanda se deterioraram. E mais, os custos de investimento e operação agravam o fraco equilíbrio financeiro.
Como resposta alternativa a essa realidade, surge um desenvolvimento tecnológico na região que poderia contribuir para a solução de muitos dos desafios colocados, se bem inseridos em um quadro de integração territorial e social. A tecnologia do sistema Aeromovel foi desenvolvida no Brasil há mais de 30 anos e consiste na propulsão de um veículo sobre trilhos através de um fluxo de ar produzido por motores elétricos, empurrando uma vela invertida em um túnel localizado na base e que forma parte da infraestrutura de suporte da via.
Seu desenvolvimento ocorreu a partir da necessidade do município de Canoas de contar com um novo sistema de transporte contemplando as seguintes características: vias exclusivas, baixos custos de infraestrutura, capacidade superior a 15 mil passageiros hora/sentido, sem desapropriações e cuja operação fosse coberta pelo valor atual da passagem.
A tecnologia, já implementada comercialmente no aeroporto de Porto Alegre, mostrou a Canoas o desafio de uma implementação em larga escala, participando ativamente da estruturação do sistema e fomentando uma cadeia produtiva regional para realizar um projeto de transporte coletivo.
O CAF apoiou o projeto desde a fase inicial e aprovou a alocação de recursos do programa de financiamento “Canoas para Todos” para desenvolver os projetos finais de infraestrutura, com as seguintes características:
- Sistema 100% elétrico de baixo consumo
- Veículo leve sem motores a bordo
- Automatizado e seguro
- Inserção urbana pouco invasiva
- Flexível: supera inclinações e curvas apertadas
- Nenhum ruído ou vibração
- Capacidade de até 24 mil passageiros hora/sentido
- Baixos custos operacionais
- Construção modular de rápida implantação
- Fácil integração com outros sistemas
Os baixos custos operacionais permitem uma tarifa técnica muito inferior à que se cobra do usuário. Portanto, é possível pagar a infraestrutura em um período de 18 a 20 anos, algo sem precedentes com essa capacidade. No caso de Canoas, foi proposta a realização de uma primeira fase de 4,7 Km com recursos do município e a construção da próxima fase completando 19 Km com a operação do sistema integrado (ônibus municipais elétricos) por um período de 30 anos. O projeto é de interesse do governo federal e potencialmente elegível para fundos de clima verde.
Os primeiros passos já foram dados. A proposta desse sistema é robusta e há interesse de outras cidades da região em implementar mais projetos baseados nessa tecnologia. É preciso aguardar a resposta do mercado e o desenvolvimento em Canoas, para tornar essa atraente alternativa uma realidade que contribua para superar os complicados desafios que o transporte público enfrenta em nossa região.