Redes comunitárias como resposta às lacunas de conectividade
A América Latina precisa conectar mais as pessoas e os territórios, sobretudo as populações de baixa renda.
A América Latina e o Caribe apresentam um nível intermediário no que se refere ao desenvolvimento do seu ecossistema digital, e os desafios neste campo tocam todos os eixos de expansão. De acordo com o Índice de Desenvolvimento do Ecossistema Digital (IDED) do CAF - banco de desenvolvimento da América Latina, no ano de 2017 a região teve um nível médio de digitalização de 45,47 pontos, levando em conta a conectividade, a digitalização da produção, a digitalização dos domicílios, os fatores de produção, as indústrias digitais, a infraestrutura, o quadro institucional e regulatório, bem como o nível de concorrência.
Os níveis baixos de investimento em redes de banda larga parecem estar por trás da baixa digitalização da região. Uma rápida comparação dos investimentos anuais per capita na América Latina (US$ 42,83) frente aos dos países da OCDE (US$ 140,88) revela a situação de atraso em que nos encontramos. O cenário é semelhante em relação à cobertura 4G, a penetração de fibra ótica doméstica, a velocidade da banda larga fixa e da banda larga móvel.
O desafio de investimento ligado ao fosso digital não é apenas econômico (agrupamentos rurais isolados), mas também tecnológico (distância em relação às tecnologias de ponta), já que uma grande parte da população ainda é relegada ao uso de tecnologia mais antiga (ADSL para banda larga fixa, 2G/3G para dispositivos de banda larga móvel), mesmo em centros urbanos.
Essa situação evidencia a necessidade de conectar mais as pessoas e os territórios, sobretudo as populações de baixa renda. Assim, o avanço no preenchimento da lacuna de conectividade a nível subnacional é fundamental, considerado o fato de que há, por exemplo, uma lacuna de conectividade no setor da educação rural nos países da América Latina. Outro fator agravante é que as áreas rurais e isoladas são geralmente deixadas de fora dos planos de investimento do setor privado e dependem de fundos públicos.
Para que a América Latina possa implantar infraestruturas de classe mundial, é necessário trabalhar nas três seguintes prioridades:
- A “última milha” em redes de banda larga: há uma baixa capilaridade das redes de backbone nacionais que cobrem apenas os pontos de presença, grandes diferenças na qualidade do serviço entre os centros metropolitanos e o resto do território e um alto custo das redes de última milha em pequenas cidades.
- Redes de banda larga ultrarrápidas: apenas 6% das linhas de banda larga são de fibra ótica, e a implantação limitada afeta a qualidade do serviço (baixa velocidade de download).
- Implantação de redes 5G: há uma defasagem regional na implantação do 5G, e essa tecnologia é considerada crítica para a digitalização da produção e para a entrega de serviços públicos; estima-se, também, que é necessário um alto investimento para buscar melhorar a sua distribuição (Reino Unido: US$ 57 bilhões – Oughton e Frias, 2016; EUA: US$ 640 bilhões – Katz, 2018).
Embora as redes comunitárias sejam variáveis e dependam do contexto de cada país e localidade, existem vários modelos e estratégias de rede comunitária, dos quais se podem destacar algumas lições sobre o início, a sustentabilidade e escalabilidade:
Início
- Redes comunitárias exigem um capital inicial financiado por fontes externas, fundos ou organizações.
- Integração dos processos de transparência e prestação de contas.
- Roteiro de planejamento da rede comunitária de acordo com os critérios técnicos e os recursos disponíveis e previstos.
- Modelo de negócio e modelo organizacional eficientes e sustentáveis.
Sustentabilidade
- Captação de recursos (crowdfunding, doações, responsabilidade social corporativa, entre outros).
- Mecanismos paralelos, nos quais as pessoas locais possam construir a rede, gerenciá-la e oferecer serviços por meio dela.
- Contribuições para os funcionários da rede com salários ou incentivos ao trabalho (custeamento da alimentação, deslocamentos, hospedagens, pagamentos por treinamentos etc.).
- Serviços prestados pela rede com preços acessíveis.
Escalabilidade
- Formação contínua em aspectos importantes para o funcionamento eficiente da rede, para a criação de um modelo de negócio, dos fluxos de receita e para a gestão dos serviços da rede.
- Assessoria técnica especializada para responder a consultas sobre regulamentação, infraestrutura, TIC, entre outros.
- Seleção dos perfis adequados das novas comunidades onde as redes serão criadas.
As zonas rurais são fundamentais para o crescimento inclusivo dos países. Nesse sentido, o apoio dos principais atores do ecossistema digital é essencial para a criação de bens coletivos, socialmente produzidos e de recursos comuns, como as redes comunitárias.
Dada a sua importância para o desenvolvimento econômico, para o nível de vida, a competitividade do país e a eficácia governamental, os projetos de telecomunicações de menor escala são prioritários. Fundos como o pool funding catalisam o acesso ao financiamento privado para pequenos projetos. Da mesma forma, é pertinente avaliar planos de infraestrutura para alavancar o desenvolvimento dos projetos de redes comunitárias, acompanhados de políticas regulatórias que criem um ambiente propício para o avanço dos aspectos que precisam melhorar e que contribuiriam na realização efetiva de tais projetos. Nesse sentido, é importante considerar a alocação do espectro de radiofrequências, das licenças ou o acesso aos fundos do Serviço Universal de Telecomunicações, entre outros.