Para solucionar a lacuna digital, é essencial repensar os Fundos de Universalização
O serviço universal, princípio cujo propósito é permitir o acesso aos serviços de TIC a todos os habitantes de um país, tem sido um objetivo central das políticas de telecomunicações durante décadas. Em uma amostra da crescente importância do acesso universal e acessível à internet, os 193 países-membros das Nações Unidas concordaram em trabalhar para alcançar esse objetivo até 2030 como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A América Latina tem um longo caminho a percorrer. Até o momento, 244 milhões de latino-americanos - 38% da população - não têm acesso à internet, um número que reflete a enorme lacuna que aprofunda a desigualdade entre aqueles que têm acesso imediato a informação e a ferramentas (para realizar transações comerciais, produzir ou acessar serviços, por exemplo) e aqueles que não têm.
A região terá que fazer grandes esforços para solucionar a lacuna digital com os países da OCDE até 2025. Estima-se que os investimentos deveriam ser da ordem de US$ 160 bilhões, em um cenário em que os retornos sobre os investimentos estão em mínimos, e a menor oferta ou instalação de redes em regiões afastadas se deve ao custo mais alto de atender a esses mercados, seja devido a barreiras ou condições geográficas, como a distância até grandes núcleos urbanos, ou ao menor tamanho dos munícipios, o que resulta na ausência de economias de escala. Do ponto de vista da demanda, apesar do cumprimento dos índices de acessibilidade definidos pela ONU, o acesso a serviços de TIC pode exigir por até 40% da renda de famílias de recursos mais escassos.
Solucionar a lacuna digital exige uma coordenação de esforços públicos e privados que permitam desenvolver aqueles setores nos quais os incentivos ao investimento não são suficientes. Para isso, na maioria dos países da região, foram criados fundos de serviço universal executados por meio de vários programas priorizados (ex.: expansão da infraestrutura, desenvolvimento de habilidades digitais, subsídios a dispositivos e terminais e acesso gratuito à internet em espaços públicos) que se nutrem com os aportes dos prestadores de serviços de telecomunicações, que têm a obrigação de contribuir com uma percentagem (geralmente entre 1% e 5%) de todas suas receitas, exceto no caso do Chile, onde o fundo é financiado por meio do orçamento nacional.
De acordo com a teoria econômica, os fundos de serviço universal são um mecanismo ideal que beneficia tanto a sociedade como a indústria, graças à possibilidade de desenvolver novos mercados, enquanto possibilita um acesso mais amplo às oportunidades sociais derivadas das conectividade. No entanto, na prática, foram obtidos diferentes resultados, em muitos casos distantes dos objetivos propostos, sendo particularmente questionados em termos de sua eficiência (otimização do uso) e eficácia (finalidade).
Neste contexto, no âmbito do último Congresso Latino-americano de Telecomunicações, o CAF realizou um workshop sobre o desenvolvimento de novos mecanismos para solucionar a lacuna digital, que contou com mais de 80 assistentes, entre autoridades, executivos do setor privado e representantes da sociedade civil da Argentina, Colômbia, Costa Rica, México, Peru e Estados Unidos.
Sobre a concepção das políticas públicas e a administração dos fundos de serviço universal, a proposta foi solucionar os gargalos de tal forma que seja possível administrar os fundos com eficiência, garantindo condições para que os mesmos sejam reinvestidos nos fins propostos e não passem, por falta de uso, a cobrir programas dos orçamentos gerais.
No que se refere aos mecanismos de investimento, foi levantada a necessidade de seguir buscando mecanismos inovadores que permitam libertar as forças do mercado. Uma iniciativa central a esse respeito será ampliar o modelo de conectividade rural implementado no Peru, Internet para Todos (IpT), onde uma parceria entre o setor privado (Telefónica, Facebook) e bancos multilaterais (BID, CAF), com o suporte de um marco regulatório favorável, permitirá expandir as redes de internet móvel para cerca de 30.000 localidades rurais do país e beneficiar mais de 6 milhões de pessoas.
Com base no marco regulatório, propôs-se gerar incentivos que permitam superar barreiras financeiras mediante mecanismos de cumprimento no desenvolvimento de projetos de expansão de cobertura e instalação de redes em troca de reduções no pagamento de direitos de acesso a recursos essenciais, como o espectro radioelétrico. Também, no que diz respeito à sociedade civil, levantou-se a oportunidade que representaria atender aos interesses da comunidade e permitir, a partir de mecanismos autônomos e sustentáveis, a administração de recursos de rede.
Para incentivar a demanda, além da oferta de conectividade em termos de acesso - disponibilidade - e de qualidade, dimensões necessárias para permitir o uso de serviços avançados, é preciso promover o desenvolvimento de aplicações e conteúdos relevantes. Para isso, será especialmente importante alavancar as iniciativas de instalação de infraestrutura com a oferta de programas estratégicos, como os de inclusão financeira, e-learning, telemedicina e governança digital, para os quais o CAF tem muito a contribuir.
Em suma, para solucionar a lacuna digital, é necessária a soma de vontades, e isso exige confiança não só entre empresas e governos, mas também com as comunidades. É urgente, portanto, repensar o desenho e o uso dos fundos de universalização, bem como imaginar novos mecanismos que promovam o investimento em áreas remotas e onde os custos de implantação e acesso ainda impossibilitam a conectividade em lares de baixa renda. Para aprofundar nesses aspectos, na Agenda Digital do CAF, será incluída uma pesquisa que permita compreender o estado dos fundos de serviço universal e explorar mecanismos para que os mesmos se transformem em verdadeiros motores de investimento em prol do desenvolvimento digital da região.