Tornar o essencial visível aos olhos
"O essencial é invisível aos olhos", diz Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe. Há elementos no setor de mobilidade urbana que, embora estejam à vista de todos, parecem invisíveis. Como contraste, outros elementos têm mais visibilidade do que deveriam ter.
Há dois anos, quando cheguei a David (Panamá) com o objetivo de desenvolver um Plano Integral de Mobilidade Urbana Sustentável (PIMUS) na cidade, ouvi dizer que "a falta de novas rotas era o maior problema de transporte que esta cidade tinha". Hoje posso dizer que esse não era o problema principal. Durante o ano passado, o estudo PIMUS foi desenvolvido com a ajuda de uma firma de consultoria internacional graças aos recursos doados pela União Europeia canalizados pelo CAF e pelo KfW. David é hoje a segunda cidade do país, depois de sua capital, que tem um PIMUS. Para sua realização, a firma internacional montou uma equipe multidisciplinar de especialistas nacionais e estrangeiros.
O PIMUS teve dois grandes objetivos:
- Fazer um diagnóstico sem precedentes da mobilidade de David e de suas áreas urbanas
- Preparar propostas para enfrentar os desafios.
Para o desenvolvimento do PIMUS, foi necessário elaborar uma estratégia de participação cidadã e superar desafios variados, como a limitação das informações pré-existentes e a concentração da maioria das competências de transporte na capital do país.
O diagnóstico nos permitiu obter uma radiografia do transporte público, privado, de táxis, bicicletas, pedestres ou de carga, e uma revisão das questões regulatórias e institucionais. Dentro do diagnóstico, merece destaque a pesquisa domiciliar realizada sobre mobilidade que nos permitiu reunir informações cruciais. Sabemos agora que, na área pesquisada (ver Figura), os 206.858 habitantes fazem 343.640 viagens diárias. Desse total de viagens, 15% são feitas inteiramente a pé, 43% de carro como motorista ou passageiro, 11% de táxi individual ou coletivo, 24% de transporte público coletivo e 2% de bicicleta.
Também identificamos que a taxa de motorização é de 177 veículos por 1.000 pessoas (nas famílias de alta renda, o número de veículos é superior a 400), que a cidade cessa suas atividades e há poucas viagens após as 19h, que o tempo médio de viagem é de 30 minutos, que a Via Pan-americana que atravessa a cidade é a rota com o maior volume de tráfego, e que as fontes móveis emitem aproximadamente 400 mil toneladas de CO2eq por ano.
Todas as informações decorrentes do diagnóstico permitiram identificarcinco desafios:
- Desigualdade no acesso ao transporte. Nem todos os grupos socioeconômicos podem se locomover com a mesma facilidade. Registramos a relutância de alguns operadores de transporte público em transportar indígenas e estudantes. Vimos como algumas crianças quando saem da escola, na falta de pontos de ônibus, preferem esperar o transporte público nos postos de gasolina. Descobrimos que 98% das viagens de bicicleta são feitas por homens, que apenas 25% das mulheres têm carteira de motorista (em comparação com 45% dos homens que têm) e que 69% das pessoas com alguma limitação física indicam ter dificuldades para se locomover na cidade.
< - Condições precárias de segurança viária. Não há certeza sobre quantos sinistros e incidentes rodoviários existem. De acordo com a pesquisa de mobilidade, estima-se que 2% dos cidadãos estiveram envolvidos em algum tipo de acidente ou incidente rodoviário. Há lugares com conflitos entre fluxos veiculares, como a Via Pan-americana, que precisam de atenção urgente.
&br> - Espaços públicos deficientes. Embora 15% das viagens sejam feitas a pé e todas as viagens de transporte público exijam trechos que devem ser percorridos a pé, a infraestrutura de pedestres é precária ou inexistente em alguns lugares. A falta de espaços públicos na cidade faz com que o principal local de recreação seja o aeroporto. 70% das pessoas vão ao aeroporto para fins recreativos e não para viajar de avião, pegar ou deixar alguém lá.
< - Transporte público com infraestrutura inadequada. Existem áreas da cidade sem cobertura de transporte público coletivo. A idade média da frota de ônibus e táxis é superior a 15 anos, não há informações para o usuário, os pontos de ônibus são poucos (e os que existem estão em mau estado) e há excesso de táxis no centro.
- Conectividade da rede rodoviária limitada. O centro da cidade tem uma estrutura rodoviária adequada na forma de grade. Esta tipologia permite o uso de rotas diferentes para ir de um ponto a outro. Mas nas áreas da cidade fora do centro e nos novos desenvolvimentos, o layout rodoviário não é adequado, pois há pouca conectividade entre as vias. Nesta tipologia de layout, existem vários ramais que desembocam em poucas vias, potencializando futuros gargalos.
Já com os desafios identificados, uma visão de 20 anos (perseguindo quatro objetivos gerais) foi elaborada com as contrapartes do governo nacional (através da ATTT, do MIVIOT e do MOP), a Prefeitura de David e a organizada Sociedade Civil de Chiriquí, onde se destacou o apoio do CECOMRO que desempenhou um papel fundamental na elaboração do plano. Para cumprir os objetivos, foi preparado um plano composto por nove programas que abrangem temas integrais, como a segurança viária, o transporte público, o deslocamento a pé ou de bicicleta e a infraestrutura das vias. Por exemplo, os projetos rodoviários incorporam as questões de segurança viária, ou a promoção da mobilidade de pedestres inclui elementos para melhorar os espaços públicos. Como elementos transversais, foram delimitados: uma estratégia de monitoramento cidadão e um plano de articulação institucional e setorial.
Encerro agradecendo a todas as pessoas que contribuíram para o desenvolvimento do PIMUS. Esperamos que este esforço ajude a transformar David em uma cidade reconhecida em todo o país por seu sistema de mobilidade atraente, eficiente, inclusivo, seguro e ambientalmente amigável e um exemplo a ser seguido pelas cidades de médio porte na América Latina.