Como conter as desigualdades sociais e de gênero em face da COVID-19
Texto de Irene Arvay, Barbara Auricchio e Luciana Fainstain.
Os efeitos da COVID-19 são significativamente mais excludentes para alguns setores sociais do que para outros. Essa pandemia ameaça os países da América Latina e do Caribe com o agravamento de alguns padrões estruturais de desigualdade, tanto em termos de gênero como de exclusão de alguns grupos populacionais.
As ações de política pública para enfrentar a pandemia devem assegurar, simultaneamente, medidas universais, mas também intervenções direcionadas. É necessário proporcionar benefícios que favoreçam todos os cidadãos com os maiores níveis de cobertura possíveis sob uma lógica pró-ativa, mas também focar em determinadas ações de maneira afirmativa. Isso significa restringir e direcionar certas políticas ou programas a grupos que vivem em situação de privação, exclusão ou vulnerabilidade.
A COVID-19 implica um maior risco de saúde para pessoas com doenças pré-existentes ou comorbidades, idosos, profissionais de saúde e mulheres grávidas. A estes grupos devem ser adicionados outros segmentos da população que são altamente afetados pelas medidas da pandemia:
- Meninos e meninas de segmentos socioeconômicos baixos que costumam fazer a maioria das refeições nas escolas e correm riscos nutricionais quando estas fecham devido a medidas de confinamento.
- Mulheres que:
- Devido aos seus papéis de gênero (cuidado), apresentam maiores níveis de exposição a pessoas portadoras do agente infeccioso.
- Devido à situação de quarentena, enfrentam uma tensão maior entre o trabalho e a vida familiar, o que se evidencia em uma maior sobrecarga do trabalho reprodutivo e não remunerado.
- Como resultado da “convivência forçada”, estão mais expostas a situações de violência de gênero e doméstica.
- Trabalham no serviço doméstico e/ou assistencial, muitas vezes desprovidas de previdência social por trabalharem na informalidade e subordinadas às decisões unilaterais de seus empregadores quanto à sua mobilidade e trabalho.
- Profissionais do setor informal (entre os quais há maior prevalência de mulheres) devido à perda de renda, em decorrência de medidas de confinamento social, bem como à falta de seguro-desemprego e cobertura de sistemas de proteção social.
- População rural e povos indígenas que, pela baixa cobertura dos serviços de saúde, afastamento ou falta de adaptação dos serviços às suas visões de mundo, correm o risco de serem excluídos das respostas imediatas à pandemia.
- Pessoas privadas de liberdade, devido às baixas condições de saúde, superlotação e acesso reduzido à assistência médica.
- Migrantes irregulares que estão excluídas das redes de proteção social. Neste grupo, em tempos de crise, as mulheres correm maior risco de tráfico e de diversos tipos de violência.
- Famílias de pais solteiros de baixos estratos socioeconômicos que, diante da quarentena e fechamento de escolas, estão expostas à perda de sua única fonte de renda, bem como dos serviços de alimentação escolar para as crianças. A perda de renda por tempo prolongado acarreta altos riscos de aumento da desnutrição, pobreza ou miséria.
Inclusão social, igualdade de gênero e atenção às populações vulneráveis são, portanto, fatores-chave e eixos transversais para estratégias e políticas para enfrentar a pandemia. A consideração desses fatores e eixos permitiria obter resultados melhores e mais eficientes contra a COVID-19, bem como prevenir o aprofundamento da exclusão social.
Diante deste cenário, é importante que as políticas públicas de resposta à pandemia adotem as seguintes medidas:
- Garantir a segurança sanitária dos profissionais de saúde e a contratação de pessoal necessário para atender à crescente demanda por serviços de saúde.
- Desenvolver campanhas de comunicação apelando à diversificação e inovação de meios e canais para que as informações oficiais cheguem aos grupos populacionais mais isolados, que vivem em condições de maior vulnerabilidade.
- Envolver na tomada de decisões sobre intervenções organizações de mulheres, sindicatos ou entes representativos que sejam sendo principalmente afetados pela pandemia.
- Investir na infraestrutura de saúde, considerando serviços de saúde e assistência social de proximidade.
- Implementar medidas de assistência a dependentes para aliviar a carga de trabalho não remunerado e a exposição das mulheres a agentes infecciosos.
- Assegurar a continuidade e reforçar as capacidades dos serviços essenciais de resposta à violência violencia contra as mulheres e as meninas.
- Adotar medidas diretas de compensação a profissionais informais, incluindo trabalhadores domésticos, migrantes e aqueles dos setores mais afetados.
- Desenvolver medidas de recuperação econômica das mulheres e populações de baixa renda.
Para que isso seja possível, devemos garantir a disponibilidade de dados desagregados por sexo, idade, etnia, área geográfica e outras variáveis sociodemográficas relevantes, para entender os efeitos da COVID-19; e garantir um orçamento para responder às necessidades diferenciais de homens, mulheres, meninas, meninos e grupos que vivem em condições de vulnerabilidade.
Vários países da região estão implementando medidas que visam a atenuar tais impactos sociais resultantes da pandemia. Para dar alguns exemplos, o Panamá implementa o “Plano de Solidariedade do Panamá” para subsidiar os trabalhadores do setor informal. A Argentina aprofunda as medidas para proteger a população trabalhadora e fazer frente à da violência de gênero. A Colômbia concede um subsídio temporário à população que não empregada formalmente e não incluídas em outros projetos sociais. O Chile possui um Plano de Contingência para garantir a continuidade do atendimento, proteção e reparação às mulheres vítimas de violência.
Nos próximos meses, os países da região enfrentam o desafio de avançar e aprofundar a incorporação da inclusão social e da igualdade de gênero em suas ações, para garantir que as desigualdades sociais e de gênero não se aprofundem no médio e longo prazos.