Chaves para usar o futebol como ferramenta de inclusão social
Quando você percebe que Thiago – um menino de 8 anos que mora com a mãe e a avó na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro – está preparando sua mochila para assistir às aulas de futebol à tarde, em vez de usar seu tempo livre para correr pela favela com seus amigos, parece não haver dúvida de que , para Thiago e seus amigos, um programa extracurricular de futebol que aponta ao desenvolvimento é uma alternativa perfeita para ocupar ou substituir seu tempo livre por atividades mais produtivas e saudáveis.
Histórias como a de Thiago abundam em inúmeras localidades vulneráveis de países em desenvolvimento que, juntamente com a universalidade do futebol e as aparentes vantagens atribuídas ao esporte, as transformam em razões poderosas para que milhões de dólares sejam investidos ano após ano em programas que usam o futebol como ferramenta de inclusão social. Histórias como a de Thiago parecem esclarecer quaisquer dúvidas sobre o potencial dessas iniciativas para mudar a vida dos menos favorecidos.
A realidade é que as escassas evidências disponíveis permanecem inconclusivas quanto à eficácia desses programas. Dois estudos do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina- lançaram algumas primeiras luzes sobre isso, observando que não basta marcar gols para que jovens como Thiago se beneficiem dessas iniciativas. Esses programas parecem ter o potencial de gerar mudanças significativas em populações vulneráveis, desde que seja dada atenção especial a aspectos como sua estrutura curricular, a permanência dos beneficiários e as características específicas da população em que se concentram. Caso contrário, são iniciativas que podem até gerar efeitos negativos no comportamento, como a agressividade, se o aspecto competitivo for exacerbado
Estes primeiros estudos experimentais visaram quantificar os impactos causados por dois programas de futebol para o desenvolvimento com algumas diferenças tanto em sua estrutura curricular quanto no contexto e nas condições em que foram implementados. Como várias de suas recomendações apontavam para o fortalecimento de alguns aspectos de sua implementação, decidimos que era hora de avançar na direção de estudos mais qualitativos para entender precisamente os fatores que poderiam potencializar essas iniciativas na própria perspectiva de seus principais atores: beneficiários, professores, treinadores e financiadores, entre outros.
Com isso em mente, trabalhamos em uma avaliação qualitativa de um programa esportivo para o desenvolvimento no Rio de Janeiro e em Niterói, financiado pelo CAF e pela Fundação Real Madrid e implementado por escolas salesianas em ambas as localidades. Uma primeira grande diferença deste programa em relação aos anteriores é que ele não só recorre ao futebol como ferramenta de inclusão social, mas também utiliza uma variedade maior de atividades extracurriculares, como artesanato, dança, leitura e ciência da computação, entre outras. Essas características poderiam tornar este programa uma intervenção mais inclusiva e capaz de reduzir alguns dos efeitos indesejados causados por aqueles onde o componente competitivo da prática do futebol prevalece.
Os resultados deste estudo qualitativo confirmam essa hipótese e, além disso, sugerem que aumentar a participação de meninas poderia combater o estigma de que as mulheres não jogam futebol, bem como reduzir a percepção de violência em torno desse esporte. Outra recomendação valiosa está na formação contínua dos treinadores para que possam incorporar ferramentas pedagógicas para mudar a concepção tradicional do treino de futebol.
Finalmente, a família ainda é um fator-chave para garantir o sucesso desses programas. Identificar as condições socioeconômicas das famílias, calibrar as expectativas entre uma academia de futebol tradicional e um programa independente para fomentar habilidades para a vida e identificar espaços para vincular os pais com as atividades são apenas alguns dos aspectos que podem impactar positivamente na eficácia dessas iniciativas.
Em última análise, melhorar as condições de vida de crianças como Thiago transcende a mera ideia de substituir o tempo ocioso por tempo produtivo através do treino esportivo. O uso de programas de futebol para o desenvolvimento com esses fins impõe enormes desafios de planejamento e desenvolvimento nos quais sua implementação adequada acaba sendo fundamental para alcançar o potencial esperado dessas iniciativas e, assim, torná-las uma boa opção de política pública para atacar alguns dos flagelos presentes nas populações mais vulneráveis.