Propostas para a retomada econômica do setor rodoviário
Entre os principais desafios enfrentados pela América Latina no que se refere à infraestrutura produtiva e social, a melhoria do setor rodoviário claramente constitui um deles. Trata-se da região do mundo em desenvolvimento com maiores níveis de urbanização e clara predominância do transporte rodoviário em comparação com o ferroviário (90% vs. 10%).
Embora a cobertura e a qualidade da infraestrutura rodoviária tenham melhorado nos últimos anos, ainda existem lacunas significativas. Atualmente, os investimentos em rodovias chegam a US$ 28,5 bilhões anuais (1% do PIB), mas a região precisa do triplo desse montante, cerca de US$ 100 bilhões anuais, para atingir as médias mundiais em 2040.
Ao se analisar o setor em particular, fica claro que há déficits muito acentuados na identificação, priorização e desenho dos projetos rodoviários. Da mesma forma, a eficiência da construção é baixa. Estima-se, por exemplo, que a construção de um quilômetro de estrada na América Latina pode ser até cinco vezes mais cara do que na União Europeia. Somam-se a isso recursos insuficientes para a gestão, a conservação e a manutenção da infraestrutura existente.
A pandemia global da COVID-19 provocou uma forte retração do consumo e do investimento. O Fórum Econômico Mundial prevê uma queda média do PIB na região em torno de 8,1%, cifra pior do que a esperada para a maioria dos países em todo o mundo. Igualmente, estima-se para a América Latina uma recuperação média de 3,6% do PIB em 2021, mais lenta do que nas demais economias emergentes.
Essa nova conjuntura exige esforços substanciais para sustentar e aprofundar uma nova agenda de infraestrutura sustentável como motor de crescimento, uma vez que seu efeito multiplicador sobre a economia é bem conhecido: estima-se que a infraestrutura proporcione um retorno econômico de 20% do PIB em média. No contexto do transporte, estudos constataram que o maior retorno econômico é aquele gerado por projetos rodoviários, pois contribuem até três vezes mais para o crescimento do que o investimento em outros modos, como portos, aeroportos ou ferrovias.
Por isso, é essencial desenvolver propostas voltadas para a identificação de projetos rodoviários sustentáveis, priorizando aqueles que gerem maiores impactos na retomada econômica em curto prazo. Nesse sentido, seria relevante concentrar os investimentos em projetos definidos como necessários, de rápida execução e com alta capacidade de geração de empregos. Isso implica selecionar projetos:
- Que visem melhorar a infraestrutura existente em comparação com a construção de novas obras, uma vez que as obras já existentes precisam de um tempo de preparação menor
- Que tenham baixa complexidade técnica e requeiram menos custos e tempo de análise
- Cujas questões burocráticas de infraestrutura imobiliária e licenciamentos ambientais já estejam resolvidas
- Que foram atribuídos e paralisados por falta de recursos realocados para a emergência sanitária
A proposta de retomada econômica para os primeiros seis a nove meses abrange diferentes níveis de intervenção, dependendo da hierarquização das rodovias e seu grau de desenvolvimento, levando em conta que as estradas mais maduras precisam de linhas de ação que lhes permitam dar um salto de qualidade em comparação com aquelas cujas linhas de ação estarão mais voltadas para a melhoria dos padrões existentes.
- Intervenção na digitalização e nas mudanças climáticas em rodovias de alta capacidade, que respondem por 1% da malha rodoviária total da América Latina. O objetivo é adaptar esse tipo de rodovia aos novos modelos de mobilidade conectada e incorporar critérios de resiliência que permitam obter rodovias mais robustas, isto é, incluir medidas de adaptação climática que ajudem a maximizar sua funcionalidade residual diante de eventos climáticos adversos.
br />Com relação às ações de digitalização e aos Sistemas de Transporte Inteligente (STIs) se encontram, conforme indicado pelo Plano de Estradas Seguras, Verdes e Conectadas apresentado pela Associação Espanhola de Estradas em 2020, a instalação de sinalização horizontal e vertical adequada, informações meteorológicas de qualidade, sistemas eficazes de alerta de incidentes em tempo real, comunicação e posicionamento ao longo da rota, monitoramento da circulação, áreas de parada de emergência autônomas, fibra ótica e cobertura 5G, entre outras. Estudos da União Europeia indicam que o custo unitário para adaptar uma estrada de alta capacidade à mobilidade autônoma seria de cerca de 230.000 euros/km.
Para melhorar a resiliência das rodovias de alta capacidade, deve-se trabalhar para identificar riscos e propor soluções específicas para cada estrada, especialmente em aspectos como estabilidade de encostas, melhora da drenagem, proteção das estruturas e recuperação dos pavimentos.
br />br />O modelo de Parceria Público-Privada para a contratação dos projetos desse grupo de ações poderia ser uma ferramenta interessante nos casos em que o conhecimento e a experiência do setor privado possam ser fundamentais na otimização das soluções propostas no que tange ao conhecimento técnico das administrações públicas, onde também seria possível considerar a possibilidade de trabalhar com trechos de teste piloto para novos elementos tecnológicos.
- Ações que permitam melhorar a produtividade e a eficiência das rodovias primárias. O objetivo da proposta apresentada seria aumentar os níveis de qualidade e segurança da malha rodoviária principal, que representa 9% da malha rodoviária total da região e na qual geralmente são identificados os corredores estratégicos dos países.
A melhoria da qualidade poderia ser alcançada com intervenções na melhoria do Índice Internacional de Irregularidade (IRI na sigla em inglês), indicador associado ao nível de conservação das rodovias, geralmente utilizado para medir a regularidade dos pavimentos. Existem numerosos estudos que mostram uma clara correlação entre esse indicador e os custos operacionais dos veículos. O NCAT (2015) dos EUA observa que valores elevados de IRI (superiores a 2,7 m/km) correspondem a um aumento acima de 25% dos custos operacionais dos veículos. Seguindo a mesma linha, foram apresentadas no Brasil as conclusões do novo estudo com dados de 2019, no qual se estima que o país gasta 28,5% a mais no transporte de suas mercadorias devido a problemas relacionados à deterioração dos pavimentos.
Para a melhoria da segurança rodoviária, propõe-se a realização de intervenções que ajudem a reduzir a gravidade e o número dos acidentes, tais como a duplicação das pistas, inclusão de faixas de entrada e saída, construção de desvios ou rodoanéis e passagens de nível, iluminação de trechos e melhoria da sinalização.
Para esse tipo de projeto, tanto a contratação de obras públicas, como está sendo feito pelo Equador em seu Programa de Manutenção por Resultados, quanto o modelo de Parceria Público-Privada proposto pelo Uruguai para melhorar seus circuitos rodoviários, podem ser de interesse.
- Projetos que priorizem o equilíbrio territorial e a coesão social nas malhas secundárias e terciárias, que respondem por 90% da malha rodoviária total da América Latina. A proposta é melhorar a conectividade das regiões e a confiabilidade da infraestrutura, implementando as ações necessárias para a geração de rodovias transitáveis 24 horas por dia, 365 dias por ano, por meio de pequenas intervenções de reabilitação e de ações periódicas e rotineiras de conservação e manutenção.
br />Esse tipo de intervenção pode ter um alto potencial de geração de empregos diretos e indiretos no curto prazo. Estima-se que o investimento em projetos de manutenção de estradas rurais pode gerar entre 200.000 e 500.000 empregos diretos por ano por cada bilhão de dólares gastos, em comparação com os 40.000 empregos que poderiam ser gerados com outros tipos de infraestrutura na América Latina e no Caribe. Os custos médios para pequenas intervenções de reabilitação poderiam ser estimados em cerca de US$ 125.000 por km, e em US$ 30.000 por km para a manutenção anual. Nesse sentido, é interessante destacar o Programa de Infraestrutura Rodoviária para a Competitividade Regional, iniciativa que visa intervir em cerca de 15.000 km da malha rodoviária departamental do Peru distribuída em 42 corredores, com o objetivo de melhorar as condições do tráfego rodoviário que conecta os centros de produção em regiões com potencial exportador aos centros de armazenamento e corredores logísticos nacionais. O Programa foi dividido em três fases. A primeira está sendo licitada atualmente por meio de obras públicas, que abrangem quase 5.000 km distribuídos em 18 corredores.
- Para intervenções nas vias urbanas, a proposta é incorporar o conceito de Ruas Completas ao planejamento urbano, promovendo a equidade e a convivência em espaços públicos. As ruas completas são projetadas com o objetivo de garantir o acesso seguro a todos os usuários, oferecer mais opções de mobilidade, conectar as pessoas ao espaço viário de forma eficiente e gerar segurança e convivência, levando em consideração todos os elementos necessários a partir de uma visão integral do espaço: calçadas e mobiliário urbano; ciclovias; pontos de ônibus e iluminação; faixas de tráfego; estacionamento; infraestrutura verde e redes de serviços.
br />De acordo com a avaliação econômica de um projeto de Ruas Completas em Santiago do Chile, as cidades ativas poderiam ser um bom negócio. O estudo avaliou a dinâmica urbana observando a Rua Pocuro nos últimos 30 anos, e constatou que a atividade imobiliária cresceu 224% em relação às ruas paralelas, tornando-se um lugar altamente desejável para usos comerciais e residenciais. Em municípios brasileiros como Fortaleza e Teresina, intervenções urbanas com essa visão mais abrangente estão gerando impactos positivos por um preço que não ultrapassa 15% do orçamento inicial dos projetos. Além disso, essas intervenções podem ser muito oportunas em tempos de mobilidade restrita, como o atual, já que os problemas que afetam o serviço e o impacto sobre os cidadãos são menores.
;br />O desenvolvimento econômico e social da América Latina precisa da existência de redes de transporte que facilitem a locomoção eficiente das mais de 500 milhões de pessoas e dos 150 milhões de veículos existentes. É evidente que a região deve investir melhor e buscar fórmulas para fazê-lo nos setores que possam ter maior impacto na economia e no emprego. Portanto, a proposta sugerida para o curto prazo, ou seja. intervenções projetadas para os próximos seis a nove meses, é a de priorizar projetos que tornem a infraestrutura existente mais produtiva.
No entanto, é imprescindível trabalhar paralelamente na elaboração de Planos Estratégicos para médio e longo prazo, por meio da identificação de um portfólio de projetos que incluam a construção de novas infraestruturas e a manutenção e conservação das existentes. A priorização desses projetos deve considerar variáveis como o aumento da conectividade e da cobertura rodoviária, a melhoria da redundância de rede para fortalecer a resiliência do sistema e a redução dos custos operacionais, entre outras. Uma segunda etapa deverá definir como financiar o portfólio desses projetos priorizados, estabelecendo cronogramas estimados para investimentos e considerando quanto disso poderá ser realizado com orçamentos públicos e quanto poderia ser complementado por meio da participação da inciativa privada.
br />É importante começar o mais depressa possível a fim de reativar o setor e poder contribuir para o crescimento da economia na região. A apresentação de programas de investimento razoáveis, viáveis e equilibrados ajuda a restabelecer a confiança de cidadãos e investidores, e nos permite voltar a acreditar no futuro.