O dilema emprego versus tecnologia
11 de março de 2021
O maior desafio do desenvolvimento é criar empregos produtivos. Afinal, para muito além de crescimento econômico, emprego também está estreitamente associado à qualidade de vida das pessoas e à estabilidade social e política. Embora emprego já esteja permanentemente na agenda, o tema ganhou ainda maior atenção nas últimas décadas em razão da globalização. Argumentam os céticos que a globalização da produção teria desviado postos de trabalho para países em desenvolvimento abundantes em mão de obra barata, gerando desemprego e estagnando salários.
O tema ganhou novo ímpeto com a crescente automação de atividades repetitivas, que estaria supostamente aumentando a produtividade, mas destruindo postos de trabalho. Mas uma nova fase estaria em gestação com o surgimento de tecnologias como inteligência artificial e machine learning, que permitirão automatizar também tarefas não repetitivas.
Evidências empíricas têm confirmado que tecnologias estariam por detrás de debilidades dos mercados de trabalho, alimentando o dilema emprego-tecnologia. Mas evidências também apontam que a destruição de postos de trabalho tem sido contrabalançada, ao menos em parte, pela criação de empregos em atividades emergentes como desenvolvimento, gestão e distribuição de tecnologias sofisticadas de gestão e produção, serviços e plataformas digitais, e-commerce e tantas outras inovações fornecidas de forma remota e em nível global e que fazem cada vez mais parte do dia a dia das pessoas e das empresas.
Mas esse debate está focado em países avançados. E o que estaria passando nos países da América Latina? A despeito da abundância de mão de obra e da já relativamente baixa participação dos custos laborais nos custos totais de muitos setores, muitas daquelas tecnologias também têm sido paulatinamente introduzidas na região.
Novos modelos de negócios dos desenvolvedores, gestores e distribuidores de tecnologias, que “comoditizam” tecnologias sofisticadas; exigências de atendimento a padrões técnicos e regulatórios como condição para adentrar e participar de mercados internacionais – pense nas exigências fitossanitárias para que frutas sejam colhidas e embaladas por meio mecânico; e efeito demonstração, que influenciaria as preferências dos consumidores, estariam entre as explicações para a adoção de tecnologias poupadoras de trabalho numa região onde ele é abundante e que passa pelo bônus demográfico.
A comoditização de tecnologias afeta os mercados de trabalho da região por vários canais. Um deles está associado à tecnologias que aumentariam a informalidade e a precarização do emprego, como é o caso de plataformas digitais de serviços de transporte individual. Um outro é a substituição de pessoas por tecnologias mesmo em atividades voltadas para mercados internos, como call centers robotizados. Um terceiro é o reshoring, ou o emprego de tecnologias sofisticadas para viabilizar economicamente o retorno para países avançados de plantas antes operando em países em desenvolvimento – pense nas evidências do reshoring para a indústria automotiva do México ou para a indústria têxtil de El Salvador. Assim que os trabalhadores estariam competindo com “robôs” em países avançados e aqui mesmo na região.
No topo dessas mudanças viria a pandemia, que tem contribuído para acelerar a substituição de pessoas por tecnologias. Parece, portanto, razoável considerar que estaríamos testemunhando uma alteração das vantagens comparativas da região em desfavor do trabalho e é provável que experimentemos queda do emprego gerado por cada ponto percentual de aumento do PIB. Mais que dilema, parece que a região se encontra numa armadilha.
Será que teríamos ido longe demais com a substituição de pessoas por tecnologias? Trata-se de questão ainda sem respostas claras, mas evidências empíricas para os Estados Unidos mostram que a adoção em larga escala de automação não teria tido os efeitos esperados de aumento da produtividade. Dentre as possíveis causas estariam que a automação excessiva não necessariamente leva à redução esperada de custos; que os custos sociais da automação poderiam ser excessivos e contraproducentes; e que a excessiva automação levaria ao enrijecimento de tarefas e à perda de oportunidades de interação, que permite o aumento da produtividade do trabalho.
E será que teríamos ido longe demais na América Latina? De forma geral, parece razoável admitir que seria possível gerir o tema com um pouco mais de olhar local. Mas é também preciso considerar que os espaços de manobra para uma região que chegou tarde na agenda tecnológica e que necessita integrar-se mais à economia mundial são limitados. Por isto, será necessário tentar transformar ameaças em oportunidades.
De fato, é possível usar conhecimentos já disponíveis para desenvolver ou adaptar tecnologias e inovações que valorizem a importância do trabalho, ao invés de substituí-lo, em especial em setores que ajudem a criar mais e melhores oportunidades de emprego e que beneficiem a muitas pessoas. Oportunidades não faltam e incluem tecnologias para melhorar a qualidade e a disponibilidade de serviços de educação, saúde e transporte público, habitação popular e tecnologias para o trabalho remoto.
Há, também, enormes espaços para tecnologias que ajudem a viabilizar a industrialização das nossas vantagens comparativas, agregando valor à agricultura, mineração, óleo e gás, biodiversidade, águas e florestas, novas energias, mudanças climáticas e tantos outros setores em que a região tem enorme potencial de negócios e empregos. Esse tema é especialmente relevante porque a região tem a maior população urbana do mundo. Há, ainda, tecnologias que ajudem a viabilizar a expansão dos mercados internos de consumo, a integração de mercados regionais e a digitalização de pequenas e médias empresas.
Em razão da urgência e da natureza dos desafios, as políticas públicas terão papel determinante na transformação de ameaças em oportunidades. Temas regulatórios, de investimentos em ciência e tecnologia, capacitação, compras públicas e colaborações internacionais e público-privadas, bem como comércio internacional e taxação, em especial de bigtechs, deverão fazer parte das agendas de emprego dos governos da região.
Jorge Arbache