Por que os dados são essenciais para o futuro das cidades
Este artigo foi escrito por Carlos Santiso e Marcelo Facchina.
As tecnologias estão mudando a vida das pessoas nas cidades e a forma como os centros urbanos evoluem para atender às suas necessidades. A pandemia acelerou essa transformação de maneira disruptiva.
É impossível não considerar as cidades como parte da equação para resolver os desafios relacionados à luta contra as exclusões sociais, à melhoria dos serviços públicos e à redução da insegurança, entre outros. Nesse contexto de rupturas e disrupções, a capacidade dos governos locais de administrar problemas urbanos será fundamental para a recuperação. Por outro lado, a pandemia permitiu entender mais claramente os vários elementos que faltam para governar as cidades de forma eficaz.
Uma questão fundamental que surgiu com força na agenda pública incluiu o tratamento e a finalidade dos dados, sua qualidade e integridade, bem como as garantias de sua privacidade e segurança. Isto é, a confiança dos cidadãos na forma em que os governos locais gerenciam seus dados para melhorar vidas.
Um governo local moderno não se sustenta sem uma boa governança de dados, uma infraestrutura de dados segura e o talento digital para extrair valor deles. A política de dados deve, portanto, funcionar como um elemento articulador das estratégias de transformação, definindo o escopo, a direção, as responsabilidades e os procedimentos para a jornada em direção a territórios mais responsivos e resilientes.
Com o objetivo de impulsionar iniciativas estratégicas, “as unidades de compliance” ou “delivery units” (unidades de entrega) ganharam relevância como instrumentos de gestão de mudança nos governos para a implementação de iniciativas prioritárias. Em nível nacional, os modelos de gestão liderados a partir do núcleo dos governos por meio das unidades executoras têm se mostrado instrumentos eficazes para atingir as metas governamentais, cumprir os objetivos prioritários e realizar grandes projetos.
Esse modelo agora está sendo estendido aos governos subnacionais, como na Colômbia. Os municípios desempenham um papel direto na prestação dos serviços públicos e interagem de perto com a cidadania; esse tipo de inovações contribui para a melhoria dos serviços prestados aos cidadãos. Em um estudo recente, mostramos de que forma as cidades da América Latina, como, por exemplo, Recife e Rio de Janeiro, no Brasil, procuram aproveitar essas inovações na gestão pública como instrumentos de planejamento estratégico, baseando-se na experiência pioneira de Nova York. Outro caso interessante é o de Buenos Aires, na Argentina, onde, por meio do monitoramento sistemático dos compromissos governamentais pela Unidade de Gestão de Compliance, observou-se uma redução significativa na taxa de homicídios (43%) e de acidentes rodoviários (33%) entre 2015 e 2019.
O crescente papel das novas tecnologias e o uso estratégico de dados pelos governos municipais pode aumentar suas capacidades de entrega de forma mais ágil, inteligente, eficiente e econômica. Em outro estudo do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina, analisamos o caso de 12 cidades no mundo, entre as quais Boston, Seul e Londres, e na região, Buenos Aires, Medellín, México e Recife, que buscam fortalecer sua gestão estratégica com o uso mais intensivo dos dados para oferecer uma resposta melhor às crescentes expectativas de seus cidadãos.
Por exemplo, o governo da cidade de Buenos Aires implementou uma estratégia de dados com vários eixos, entre os quais está a abertura dos dados públicos, o georreferenciamento das compras públicas municipais, e um chatbot baseado em inteligência artificial cujo objetivo é melhorar o atendimento aos cidadãos. Bogotá, por sua vez, criou Ágata, sua Agência de Análise de Dados, para aproveitar de forma mais eficaz os dados da cidade, definir políticas públicas e oferecer serviços públicos que melhor atendam às necessidades dos usuários. Para Felipe Guzmán, assessor digital de Bogotá, “consolidar Bogotá como um território inteligente implica ter as capacidades necessárias para gerenciar, assegurar e aproveitar os dados na cidade”.
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Essas unidades de dados não só buscam utilizar os dados gerados pelas cidades, como também melhorar a capacidade de entender os problemas reais das pessoas. A combinação da inteligência de dados com a gestão estratégica da cidade a partir do núcleo do governo mostra resultados promissores. Por exemplo, em Los Angeles, a prefeitura conseguiu reduzir em cerca de 80% o número de ruas consideradas sujas com um monitoramento sistemático das vias através do portal de geodados da cidade. Em São Francisco, os cidadãos têm acesso a mais de 80 painéis de controle que informam o desempenho municipal e podem acompanhar o cumprimento das metas de serviços da cidade.
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Mas talvez o benefício mais importante que as unidades de compliance reforçadas com ciência de dados proporcionam seja o de demonstrar que investir em inovação digital em nível subnacional não é apenas desejável, mas imprescindível. Embora já estejam avançadas nas cidades da América do Norte e da Europa, a América Latina ainda não aproveitou ao máximo os benefícios que esse modelo de gestão pode trazer.
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A aceleração da transformação digital dos governos locais representa uma oportunidade única para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, mas também para “reativar as economias locais por meio de empreendimentos com modelos de negócios baseados na análise de dados”, de acordo com Fernando de Pablo, diretor-geral do escritório digital de Madri. Por exemplo, a cidade de Córdoba na Argentina procura dinamizar suas startups GovTech locais com a criação de um fundo para o fomento da inovação e da economia dos dados, a partir do laboratório da cidade, o Corlab.
A governança dos dados e o uso ético da inteligência artificial são os principais desafios para as cidades do futuro. Isso alimenta a necessidade de fóruns de diálogo multilateral para compartilhar experiências, desafios e oportunidades, como os que existem entre as cidades dos Estados Unidos, impulsionados pela Universidade de Harvard Data-Smart City Solutions, e pela rede do programa What Work Cities da Bloomberg Philanthropies. Em nível global, iniciativas como a G20 Smart Cities Alliance do Fórum Económico Mundial buscam apoiar estratégias de dados replicáveis em escala e a disseminação de boas práticas através de modelos de “cidades líderes” e de redes regionais de cidades inteligentes.
A proximidade com os cidadãos faz com que o município seja o espaço ideal para se começar a utilizar os dados a fim de resgatar a confiança nos governos, desgastada nos últimos anos depois do aumento das expectativas dos cidadãos e das crises recentes. Para André Tomiato, coordenador de transformação digital de São Paulo, “os governos se tornam mais digitais em resposta à necessidade dos cidadãos e na medida em que conseguem fazer uso dos dados de forma ampliada e estratégica.” Por esse motivo, as cidades são essenciais na reconstrução do pacto entre a cidadania e as instituições para a recuperação.