A política industrial do século XXI
13 de maio de 2021
A pandemia do Covid-19 nos alertou para a relevância da cooperação para o enfrentamento de grandes desafios comuns. Essa advertência também é oportuna para outro grande desafio coletivo: as mudanças climáticas. As previsões científicas do aquecimento do clima são bastante preocupantes e apontam para consequências sociais e econômicas devastadoras, o que vai requerer transformações estruturais para o seu enfrentamento e mobilização de recursos e esforços próprios de períodos de guerra.
Dentro do espírito surgido durante a pandemia para aproveitar a ocasião e reconstruir um mundo melhor, estão avançando esforços políticos e econômicos para fortalecer acordos e instituições e encorajar o desenvolvimento de inovações, tecnologias, mercados e modelos de negócios para acelerar a transição para a economia de baixo carbono e oferecer soluções para a prevenção, adaptação e mitigação dos riscos das mudanças climáticas.
A despeito das resistências que o tema ainda enfrenta, há razões para otimismo. Animada pelo crescente apoio popular, por esforços de cooperação internacional e pelas perspectivas de novos negócios, a agenda de sustentabilidade deverá avançar com vigor. Estima-se que parte significativa do crescimento econômico global dos próximos anos virá da agenda do clima, com oportunidades de negócios que passariam dos US$ 70 trilhões até 2030 e com a criação de muitas dezenas de milhões de novos empregos.
De fato, as oportunidades são sem precedentes. Afinal, envolvem negócios transformacionais e simultâneos em setores críticos como energia e transportes, e mudanças profundas nos padrões e hábitos de consumo, nas tecnologias de produção, consumo e descarte de bens e serviços, na produção e consumo de alimentos e no uso e gestão dos recursos naturais. As perspectivas econômicas são tão atrativas que estariam provocando uma “corrida do ouro” entre empresas e entre países para ocupar mercados em formação e pela primazia nos padrões técnicos e regulatórios que governarão a economia de baixo carbono. Ali, chegar primeiro poderá fazer toda a diferença.
Governos de países avançados e da China têm desenvolvido estratégias ambiciosas para estimular a ocupação daqueles espaços pelas suas empresas e bancos. No plano interno, são incentivos, recursos e mudanças regulatórias para impulsionar negócios, financiar pesquisa e desenvolvimento, apoiar startups, treinar e capacitar recursos humanos e formar alianças. No plano externo, buscam abrir mercados internacionais com acordos comerciais, investimentos, patentes e financiamentos, e influenciar organismos, fundos e bancos multilaterais. Trata-se da grande agenda de política industrial do século XXI. Para além de preservar o planeta, a política mira a sustentabilidade como um grande negócio.
Embora promova o bem comum, é provável que os benefícios econômicos diretos daquela agenda sejam diferentemente distribuídos em razão das distintas funções que terão as empresas e países. De um lado estarão os desenvolvedores, distribuidores e gestores das tecnologias e soluções que, provavelmente, se beneficiarão de significativos aumentos de renda, emprego, competitividade e produtividade. De outro lado estarão os consumidores daquelas tecnologias e soluções que, provavelmente, observarão benefícios mais modestos. As desigualdades internacionais poderão, desta forma, aumentar.
E a América Latina? A economia da região, que vinha em ritmo lento já desde antes da pandemia, sofreu contração recorde no ano passado e, neste ano, deverá crescer menos que outras regiões. As perspectivas para os próximos anos não são muito melhores e uma das causas pode ser atribuída às dificuldades para promover um padrão de crescimento menos volátil e mais inclusivo e que tenha como base o conhecimento, a diversificação produtiva, a agregação de valor, a participação em cadeias globais de valor e o aumento da produtividade e da competitividade em bases amplas.
Mas não tem que ser assim. Afinal, a região oferece enormes oportunidades de crescimento e negócios que podem se beneficiar da difusão de tecnologias e soluções para a prevenção, adaptação e mitigação dos riscos climáticos. Ainda mais importante, a região tem condições naturais e vantagens comparativas únicas para se beneficiar da economia de baixo carbono na condição de protagonista. De fato, em razão das imensas florestas tropicais e outros biomas e dos recursos naturais que tem, a região poderá contribuir de forma decisiva para a transição para a economia de baixo carbono.
Para otimizar e potencializar os efeitos daqueles benefícios para o crescimento, será preciso lançar mão do poder de barganha subjacente àquelas condições para reivindicar participação ativa no desenvolvimento dos mercados de carbono e de inovações financeiras verdes, ampliar acesso a financiamentos e investimentos, influenciar acordos comerciais e participar de forma ativa da governança de mercados, fundos e instituições internacionais pertinentes. Também será fundamental reivindicar participação no desenvolvimento científico e tecnológico e nas plataformas de negócios verdes.
Por fim, será importante explorar as imensas oportunidades de novos negócios associados à agricultura e mineração sustentáveis, biodiversidade, projetos de conservação, novas energias, infraestruturas, turismo e outras atividades da região que poderão se beneficiar da integração, sinergias e complementariedades com a agenda de sustentabilidade.
A América Latina tem diante de si a sua mais potente agenda de política industrial. Não seria exagero considerar que esta agenda pode ser a sua grande oportunidade para se transformar numa região mais próspera e com desenvolvimento mais sustentado e sustentável. Mas, para avançar, será preciso combinar ambição e audácia com visão de longo prazo, estratégia, mudança de prioridades e coordenação de políticas públicas e privadas.
Jorge Arbache