A recuperação passa pelas pequenas e médias empresas
As pequenas e médias empresas (PME) formais e informais da América Latina foram duramente afetadas pela crise sanitária e estima-se que pelo menos 13% do estoque de empresas formais não resistiu e saiu do mercado. Importante parcela das empresas que seguem ativas ainda enfrenta dificuldades, com fluxo de caixa reduzido, endividamento elevado e atrasos nos pagamentos de compromissos. As debilidades das PME são um problema para os empreendedores, mas, também, para toda a sociedade, já que elas respondem por parcela elevada do emprego e pelo sustento de milhões de famílias e são predominantes em vastos espaços de mercado da região.
Apesar do golpe que sofreram, as PME foram essenciais para que famílias, empresas e governos pudessem lidar com a pandemia, atuando como canais críticos de fornecimento e distribuição de alimentos, máscaras, medicamentos, serviços e muitas outras necessidades essenciais durante os períodos de confinamento. As PME também inovaram e proporcionaram soluções novas para desafios sem precedentes, o que fortaleceu a percepção da importância desse segmento de empresas.
Embora já se observe recuperação da atividade econômica, persistem riscos para as PME, incluindo novas ameaças de ondas de contágio da Covid, elevação das taxas de juros e inflação e endividamento generalizado. Também persistem riscos de cicatrizes permanentes na produtividade e competitividade e possíveis efeitos adversos do aumento da informalidade e da pobreza em muitos dos mercados em que atuam as PME.
Por certo, o pronto apoio dos governos de muitos países da região às PMEs em 2020 foi fundamental para mitigar uma situação que poderia ter sido ainda mais dramática. Reprogramaram-se dívidas bancárias, reduziram-se impostos e criaram-se programas de suporte ao emprego e de garantias de crédito. Tudo isto requereu montantes orçamentários extraordinários e aumento do endividamento público. Pode-se dizer, com uma ponta de satisfação, que a missão foi cumprida. Sim, mas apenas em parte.
Isto porque nos defrontamos, agora, com a segunda fase da missão, que consiste em apoiar já não mais a sobrevivência, mas a recuperação e o crescimento das PME. Mas as necessidades adiante são muitas e valeria destacar ao menos três delas. Uma, é que o acesso a serviços financeiros segue restrito. Ainda antes da pandemia, as PME já enfrentavam severas dificuldades de acesso a serviços financeiros e pagavam taxas de juros que poderiam ser até três vezes superiores às das empresas grandes. Apesar dos programas públicos de garantia de crédito, evidências empíricas recentes mostram que o acesso àqueles serviços esteve altamente correlacionado com o estado operacional das empresas: empresas com mais acesso estiveram mais propensas a seguir operando e vice-versa, o que sugere que muito ainda precisa ser feito no campo das garantias e da colaboração dos governos com as instituições financeiras.
Uma outra necessidade é a educação e a cultura financeira. Evidências empíricas recentes também mostram que a limitada educação financeira tem sido obstáculo bem maior do que se pensava para explicar quebras e dificuldades de recuperação das PME, o que requer a intensificação dos programas de capacitação e assistência técnica. E uma terceira é o acesso e a capacitação para a transformação digital e para novas tecnologias de produção e gestão da produção, elementos cada vez mais determinantes para a produtividade e competitividade das PME.
O apoio à recuperação das PME requer uma nova onda de políticas públicas. Mas, em razão do estreito espaço fiscal, será necessário considerar focalizar as intervenções e aumentar a sua eficiência. Mas, que objetivos deveriam os governos perseguir e que PME deveriam apoiar?
Há boas justificativas para apoiar programas que mirem nichos e falhas de mercado; que gerem maiores externalidades e retornos sociais; que tenham maiores impactos na sustentabilidade ambiental, em gênero e em jovens; ou, ainda, que tenham foco territorial, setorial ou em capex. De outro lado, há boas justificativas para concentrar esforços em PME mais jovens e com maior potencial de crescimento e geração de empregos ou em PME voltadas para o apoio à produção. O recorte e o foco dependerão, obviamente, das escolhas e necessidades de cada país, mas, em qualquer caso, será desejável demonstrar para a sociedade os benefícios do apoio e seus impactos socioeconômicos.
A otimização dos impactos das intervenções também passa pelo formato da colaboração do governo com as instituições financeiras e pelo uso mais intensivo da informação e da tecnologia. De fato, o uso mais intensivo de ferramentas tecnológicas e de dados é cada vez mais útil para o conhecimento dos mercados e para avaliações de crédito mais adequadas e segmentadas. Também contribuirão para aquele fim o open banking e acordos de compartilhamento de dados e serviços entre os atores envolvidos.
Por fim, também deve-se considerar o emprego de um arsenal mais amplo de soluções e instrumentos apropriados às diferentes necessidades financeiras e de investimentos das PME. Neste sentido, o governo deveria ir além dos fundos de garantia, alianças com bancos comerciais e programas de crédito direto através de bancos públicos e também considerar colaborações com fintechs, financiamento a PME por intermédio de empresas âncora e factoring e instrumentos de equity e capital de risco.
A reativação econômica e a melhoria das condições sociais da região passarão, necessariamente, pelo apoio oportuno e adequado às PME. Afinal, ali está parte importante do problema, mas, também, da solução.