Nearshoring e oportunidades para a indústria
O recente conflito no leste europeu deverá se somar à pandemia e levar a uma recuperação mais lenta da economia global. Deverá também ampliar a magnitude de um movimento que já estava em curso, qual seja, o de “geopolitização” do comércio e do investimento, que ganhou ímpeto com o tensionamento das relações econômicas entre os Estados Unidos e a China. Este movimento está na raiz de medidas de política como o nearshoring.
Mas as medidas que emergiram têm sido ainda mais contundentes. Os Estados Unidos aprovaram pacotes de políticas industriais para substituir importações consideradas críticas e de controle das exportações de tecnologias e componentes e estão escrutinando fusões e aquisições. O Japão, por sua vez, submeteu recentemente ao parlamento um pacote de medidas para proteger as suas cadeias de suprimentos, promover a autonomia de setores e controlar fusões, aquisições e a exportação de bens e serviços selecionados. Outros países vêm adotando políticas similares, enquanto uns outros tantos instituíram margens de preferência para a produção nacional nas compras públicas e tarifas de exportação.
Os impactos dessas medidas serão devastadores para a globalização e, no horizonte previsível, teremos que conviver com uma economia global mais segmentada, com custos de produção mais elevados, com alguma ruptura nos mercados financeiros e de capitais e com mais intervenções públicas em mercados e na internet.
Tudo isto é negativo para a ALC, que sofreu com a covid e vem, a duras penas, promovendo políticas para impulsionar a reativação dos negócios e emprego. Ademais, também nos penaliza, posto que reduz a eficiência dos mercados internacionais dos quais a região se beneficia para abastecer as suas mesas com alimentos e as suas empresas com insumos, máquinas e tecnologias.
Se, de um lado, a região encontra-se bastante exposta aos efeitos da geopolítica nos mercados, de outro lado países da região poderão se beneficiar. De fato, México e países da América Central e Caribe parecem estar particularmente bem posicionados para tanto. Afinal, estão geograficamente próximos dos Estados Unidos, já têm experiências em investimentos industriais internacionais, tal como refletido na respeitável base de maquilas e zonas francas, e se beneficiam de tratados de livre comércio como o Acordo Estados Unidos, México e Canadá (USMCA) e o Acordo de Livre Comércio da América Central (DR-CAFTA) firmado por Estados Unidos e República Dominicana, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua para acesso preferencial ao mercado americano. Também contam a favor estruturas demográficas jovens e custos laborais baixos, o uso do dólar como moeda oficial em alguns países, o emprego de padrões e metrologias americanas e a elevada integração dos mercados financeiros com o mercado americano.
Não por acaso, os manufaturados já representem nada menos que 79% das exportações do México, 73% de El Salvador, 57% da República Dominicana e Costa Rica, e 42% da Guatemala. Tudo isto torna aqueles países candidatos naturais ao nearshoring.
Por outro lado, países que pouco participam de cadeias de suprimentos dos Estados Unidos estão mais distantes de gozarem das mesmas condições de atratividade e devem buscar outros meios. O Paraguai, por exemplo, que está geograficamente distante dos Estados Unidos, está montando uma base de maquilas mirando os grandes vizinhos, Argentina e Brasil. Os benefícios potenciais do nearshoring são, portanto, assimétricos.
Embora o nearshoring ajude a promover o emprego e as exportações, maquilas e zonas francas não são panaceias e tampouco garantem um desenvolvimento econômico integral nem integração econômica sub-regional. As evidências empíricas sugerem que esse mecanismo deve ser visto como ponto de partida, e não de chegada de um processo de desenvolvimento econômico mais amplo.
Por certo, maquilas e zonas francas são mais que bem-vindas, ainda mais numa região com população tão urbanizada e com taxas de informalidade laboral que podem ultrapassar os 70%. Mas os países precisam ser mais ambiciosos e fazer de oportunidades como o nearshoring motores do crescimento com efeitos econômicos mais profundos e permanentes. Para tanto, são necessárias políticas públicas e privadas que capitalizem sobre aquela base de oportunidades.
Normas e mecanismos para regular a relação entre as zonas francas e o território aduaneiro nacional de forma a estimular uma industrialização mais abrangente e com sinergias e complementariedades com empresas locais; programas permanentes de capacitação da mão de obra; apoio das universidades locais para o desenvolvimento industrial; promoção da inovação e da tecnologia; promoção da formação de cadeias de suprimentos locais; diversificação de fornecedores; promoção da sustentabilidade como parte integral do modelo de negócio; programas de qualidade e competitividade; promoção de fatores habilitadores do e-commerce; promoção da infraestrutura; digitalização das empresas e das cadeias de produção; diversificação de mercados; acordos e facilitação do comércio; harmonização normativa; e fortalecimento das instituições públicas pertinentes estão entre as medidas para capitalizar o nearshoring como instrumento de desenvolvimento.
Por fim, o objetivo das políticas não deve ser apenas o de atrair empresas, mas o de criar as condições necessárias para que aquelas empresas finquem raízes, ampliem negócios e investimentos, atraiam fornecedores, agreguem mais valor e contribuam para a formação de clusters. É sempre válido lembrar que vantagens comparativas não são destino e podem, sim, ser construídas. China, Coreia do Sul e Singapura estão aí para ajudar a contar esta história.