Marco regional para promover a integração energética
Este blog foi escrito por Diego Barril e Walter Cont.
A política energética se encontra no centro das discussões sobre as perspectivas futuras dos países, independentemente da conjuntura. A segurança das fontes primárias, a confiabilidade do abastecimento, a gestão eficiente dos recursos energéticos, a ampliação do acesso, a acessibilidade do serviço e a sustentabilidade ambiental – com uma pressão que aumenta todos os dias –, fazem parte da agenda dos governos da região.
Um dos instrumentos para abordar, pelo menos parcialmente, esses objetivos como um todo é a possibilidade de integração com outros países para o intercâmbio de energia elétrica, dados os equilíbrios e contrapesos entre produção, fontes e capacidades. Isso requer interconexões físicas entre os sistemas dos países envolvidos e um marco regulatório de alcance transnacional. A literatura especializada concorda que a integração entre países permite mitigar os riscos associados à aleatoriedade das fontes de energia renováveis, como a hidrelétrica, a eólica ou a solar (induzida por diferentes fenômenos climáticos), melhorando assim a confiabilidade dos sistemas nacionais. Também permite atender aos picos de demanda, que geralmente não são sincronizados, com uma base energética mais ampla proveniente do sistema interconectado.
Em terceiro lugar, um mercado amplo abre espaço para o planejamento e a realização de investimentos em grande escala (que não seriam economicamente rentáveis localmente), reduzindo o custo da energia. Além disso, quando projetos de escala regional correspondem a fontes renováveis, facilita-se uma transição energética planejada, de escala regional, que favorece a sustentabilidade ambiental (proteção do meio ambiente e combate às mudanças climáticas). O segredo reside na previsibilidade de energia no mercado ampliado (os volumes necessários estarão disponíveis, a preço de mercado, no momento em que forem necessários).
Durante os últimos 30 anos, as iniciativas de integração mais notáveis na América do Sul e na América Central se deram por meio de interconexões bilaterais (América do Sul) ou regionais (América Central). Isso marca uma diferença de profundidade nas diferentes iniciativas, explicada em grande parte, por uma tendência – que às vezes não se justifica claramente – à segurança energética (entendida como a desvinculação da economia de um país de choques energéticos externos)
O processo de integração de maior alcance na América Latina conecta seis países da América Central (Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá), buscando otimizar as reservas energéticas e aproveitar a diversidade hidrológica. Em meados de 2013 entrou em vigor o Regulamento do Mercado Regional de Energia (MER) e em 2014 foi concluída a última fase do Sistema de Interconexão Elétrica para a América Central (SIEPAC). O MER opera com regras próprias, em paralelo com os seis sistemas nacionais, em que coexistem monopólios integrados verticalmente (Costa Rica e Honduras), com rendimento limitado de geração privada, e sistemas de mercado (El Salvador, Guatemala, Panamá e Nicarágua). Nesse contexto, os países adotaram medidas de harmonização entre suas regulamentações nacionais e supranacionais.
Até o momento, foram obtidos benefícios em diversas dimensões, como economia de custos, menor aleatoriedade dos preços, atenuação dos impactos dos fenômenos climáticos e aumento dos investimentos (ver detalhes no final da nota). No entanto, além do fato de o regulamento do MER dar prioridade de fornecimento a contratos firmes, as regulamentações nacionais priorizaram situações de escassez nacional, deixando pouco espaço para transações de longo prazo, enquanto o sistema tem operado sistematicamente abaixo da capacidade em vários trechos.
Na região andina, durante os últimos 15 anos, as transações de energia elétrica foram guiadas por um princípio de priorização da autossuficiência e de intercâmbios de excedentes de curto prazo. Embora em 2017 houvesse uma proposta para substituir os mecanismos atuais por um Mercado Regional Andino de Energia de Curto Prazo, relegando a consideração de um mercado único a uma instância futura, essa regulamentação não passou da fase de desenvolvimento dos regulamentos operacionais, comerciais e de coordenação regional. Essa atualização ocorreria no âmbito de uma agenda mais ampla nessa região, que inclui a iniciativa do SINEA (Sistema de Interconexão Elétrica Andina) para conectar os mercados de eletricidade da Comunidade Andina e do Chile, mas sempre em uma modalidade de segunda ordem de prioridade com relação à capacidade doméstica para atender à segurança do abastecimento em nível nacional.
Por fim, no restante da América do Sul, as experiências de interconexão (excluindo as barragens binacionais) têm sido de natureza bilateral e realizadas por operadores privados, respaldadas por marcos regionais como o Mercosul (Argentina – Brasil) ou por acordos bilaterais (Argentina – Chile). No entanto, várias das experiências desenvolvidas no final do século passado estiveram expostas a conflitos durante a primeira década do século XXI, devido a combinações de fatores que relacionavam a previsão das condições tecnológicas, institucionais, de recursos e de mercado sob as quais os ativos envolvidos operariam. Somente em 2018 foram retomados os contatos entre representantes do setor elétrico da Argentina, do Brasil, do Chile e do Uruguai para a realização de um estudo das interconexões elétricas do Cone Sul (iniciativa SIESUR).
As experiências de integração energética na América Latina têm sido díspares, especialmente no que se refere à profundidade (ou às etapas) de integração, aos participantes e às regras que regem as transações físicas e econômicas realizadas. No entanto, existem fatores comuns, como as preferências dos países em priorizar a segurança energética e a falta de mecanismos de resolução de controvérsias que permitam a realização de investimentos em condições de segurança jurídica. As iniciativas SINEA e SIESUR deveriam aprender com essas lições e avaliar possíveis caminhos para implementar uma estratégia de integração energética sustentável na região, prevendo instâncias de intercâmbios bilaterais e posterior unificação. Na América Central, a experiência encontra-se em um nível superior e se voltou para um aprofundamento do caminho da integração rumo a um mercado único (como na experiência europeia). Para esse fim, devem continuar fortalecendo o mercado atual em seus aspectos técnicos e regulamentares.
Esta nota foi feita com base na pesquisa realizada pelos autores no Capítulo 5 do Relatório de Economia e Desenvolvimento (2021), “Caminhos para a integração: facilitação do comércio, infraestrutura e cadeias globais de valor”, que pode ser acessado aqui.