Três recomendações para melhorar os espaços públicos nas cidades
Temos a tendência de pensar que os espaços públicos se referem apenas às áreas da cidade que possuem locais de permanência ou áreas verdes, como praças, parques ou jardins. No entanto, eles vão muito além disso, já que também englobam os locais por onde nos deslocamos e transitamos, como as ruas ou calçadas. Todos esses espaços têm desempenhado um papel estratégico na atual situação de crise de saúde causada pela COVID-19, começando pela sua adaptação ou conversão em academias, teatros, playgrounds ou salas de reunião social ao ar livre, entre muitos outros usos.
Mas estes espaços de movimento e permanência se encontram apartados, na maior parte das cidades da América Latina e Caribe. Esse fracionamento se dá por várias razões, e uma delas tem a ver com a gestão desses espaços, que em muitos municípios é realizada a partir de secretarias ou direcionamentos distintos. Outro fator fundamental a intensificar o fracionamento é o uso intensivo dos automóveis particulares, que faz com que as vias urbanas sejam utilizadas de uma forma predominante como espaços de circulação para os veículos, em detrimento de um uso mais integral do espaço público para as pessoas. A falta de uma visão sistêmica e integrativa dos espaços públicos limita uma abordagem efetiva de alguns problemas recorrentes nas cidades da América Latina e do Caribe, como a deterioração física desses espaços, que gera ou impacta por sua vez problemas adicionais: por um lado, ela impulsiona os conflitos sociais, já que os espaços deteriorados ou em desuso são identificados como inseguros, produzindo medo entre as pessoas, especialmente entre as mulheres e outros grupos mais vulneráveis à violência. Por outro lado, ela pode impactar o meio ambiente, quando a deterioração significa a perda da biodiversidade ou o aumento da poluição.
Felizmente, muitas cidades estão trabalhando para reverter essa situação e promover um desenvolvimento urbano que não só inclua as funções de lazer atribuídas aos espaços públicos, mas também incorpore funções ambientais, que promovam a harmonia com a natureza e o respeito à biodiversidade, funções sociais, para que toda a diversidade de usuários e usuárias que habitam, visitam e trabalham nas cidades possam acessá-las e desfrutá-las com segurança e, finalmente, funções produtivas, que permitam a realização de múltiplas atividades cotidianas remuneradas ou não remuneradas, funcionais e assistenciais.
A seguir, são compartilhadas três recomendações para a incorporação de atributos que permitam a criação de espaços públicos de qualidade, adicionando conceitos de ruas completas, que emergiram da requalificação do Horto Florestal, uma área de aproximadamente 4 hectares que foi completamente transformada e faz parte do Programa de Integração, Desenvolvimento Urbano, Social e Ambiental do Município de Camaçari no Brasil, financiado pelo CAF -banco de desenvolvimento da América Latina.
- Melhorar as condições ambientais aprimorando a infraestrutura verde urbana. A conservação e a criação de uma rede de áreas naturais e seminaturais com elementos ambientais fornece serviços ecossistêmicos e melhora a saúde pública, já que não só permite reduzir os níveis de poluição, capturando poluentes do ar, mas também gerar espaços atraentes para a realização de atividades físicas e recreativas. O aumento dos espaços verdes também resulta em menores índices de depressão e estresse psicológico para quem pode aproveitá-los. Ademais, a incorporação e a recuperação do verde urbano permite reduzir os efeitos das mudanças climáticas e uma melhor adaptação às mudanças ambientais, o que contribui para aumentar a resiliência da cidade.
- Trazer elementos que transformem os espaços públicos em lugares confortáveis e atraentes para diferentes públicos. É possível incorporar, para isso, certos parâmetros de design que ofereçam acesso universal e promovam espaços integrais, em que a infraestrutura e a seleção de mobiliário urbano sejam acompanhados por ações que contemplem de forma transversal princípios de equidade, inclusão social e gênero. Algumas ações podem estar relacionadas com a busca de uma configuração que permita a interação dos adultos sem interromper o cuidado das crianças, ou com a promoção da atividade física para mulheres e meninas com quadras multifuncionais que permitam a prática de diferentes esportes, bem como jogos informais ou menos estruturados, entre outras ações.
- Buscar uma concepção e uma gestão das nossas ruas que garantam versatilidade e segurança para toda a diversidade de usuários e usuárias, e suas diferentes formas de mobilidade. Este é o princípio básico do conceito de ruas completas. Uma rua completa permite a coexistência de muitas formas de transporte, movimentação e utilização de um mesmo espaço. Levar tudo isso em conta permite compreender e projetar o mobiliário urbano (bancos, cestos de lixo, etc.), os equipamentos (pontos de ônibus, iluminação, etc.) e a infraestrutura dos pedestres ou ciclistas (sinalização, redutores de velocidade, largura das calçadas, etc.) que as avenidas ou ruas da cidade demandam.
As recomendações aqui levantadas são apenas alguns exemplos de uma multiplicidade de questões que convergem nos espaços públicos. Elas nos permitem pensar em ações que promovam uma sinergia entre os diversos aspectos do problema, por meio de uma combinação de disciplinas que contribua para que os espaços públicos cumpram a sua dupla função de permanência e trânsito. O CAF acompanha e apoia as cidades com a concepção, execução e gestão de projetos de desenvolvimento urbano que busquem materializar esta visão do espaço público.